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Que país (e que povo) é esse? – por Valter Hugo Muniz

Que país

Sempre achei um absurdo o pedantismo dos intelectuais que, de suas cadeiras Giroflex, tomando seus expressos Lavazza, discutem sobre a sociedade brasileira e seus problemas sociais “irresolúveis”. É fácil estar aqui sentado, respirando ares europeus, enquanto tem gente, no meu país, pagando imposto sem um retorno do governo, ou pior, sendo tratada como animal, abandonada nos leitos dos hospitais, ganhando uma miséria, morrendo indigente.

Há algumas semanas, estou lendo a trágica história do manicômio de Barbacena, narrada de maneira encantadora pela jornalista Daniela Arbex. Entrar a fundo no intitulado “holocausto brasileiro” é se dar conta de como os “socialmente fragilizados” são esquecidos, explorados e até mesmo executados de maneira sistemática no Brasil.

A culpa é do governo

Que paísQuando um filho é mal educado, desobediente, sem limites, grande parte das pessoas atribui esse comportamento à ausência de pais educadores presentes. Para mim, um governo que abdica de dar instrumentos para que os cidadãos sejam educados da melhor forma possível é cúmplice do subdesenvolvimento e do desrespeito social

Não acredito que o Estado deva ser paternalista, no sentido negativo que atribui ao governo um poder absoluto. Contudo, deveria ser exigido dos líderes políticos um compromisso ético de “paternidade”, ajudando a população, principalmente a camada formada por cidadãos em condições sociais inferiores, a encontrar seu caminho para o desenvolvimento individual, visando também o coletivo.

Tanto no exemplo da relação pai-filho, como no caso do governo-povo, indiscutivelmente, é fundamental educação. Hoje de manhã, lendo as manchetes dos jornais brasileiros, mas especialmente assistindo ao vídeo de um arrastão em Recife, não pude deixar de pensar quais seriam as razões que levaram ao caos social, a capital de um estado repleto de belezas naturais e de cultura.

Estive em Recife, mais de uma vez, nos últimos 5 anos e vi, com meus próprios olhos, o que o governo, estadual e municipal, tem feito com a cidade e o seu povo. Por isso, de certo modo, não me surpreendo com o que vi.  Quando se tratam de seres vivos, a gente sempre colhe o que planta.

A culpa é minha, sua, nossa

Que paísTodo esse contexto de descaso do governo, porém, justifica o vandalismo que as imagens das câmeras mostraram, especialmente, no Recife? Não. E novamente faço a mesma alegoria do relacionamento pai e filho.

A falta de educação dos pais não determina de maneira absolutamente negativa o futuro dos filhos. Cada indivíduo, no despertar da sua consciência, tem a possibilidade de escolher, talvez não no que diz respeito aos aspectos materiais, mas no que concerne a ética.

O mal que um pai ou um governo faz de maneira ativa ou passiva não nos rouba a possibilidade de pensar eticamente o modo como vamos reagir, nos rebelar. É fácil usar a repressão ou a exploração social como justificativa para a violência. Difícil é encontrar soluções criativas e pacificas, como fizeram Gandhi, Martin Luther King e Mandela.

Que país nós queremos?

O discurso acima é bonito, claro. E pior, está sendo feito de longe, “em cima do pedestal” que tanto condeno. Mas foi a maneira que encontrei de, neste momento, exprimir minha revolta contra o governo e contra o meu povo.

Aqui, do outro lado do Atlântico, procuro estudar, inculturar-me e promover os valores positivos que o Brasil me deu: a coragem de lutar trabalhando honestamente e sem reconhecimento, de sorrir mesmo diante da dificuldade, de cultivar a esperança. As injustiças que vivo, como imigrante, não me fazem optar pelo vandalismo, a desonestidade e o desrespeito. Procuro fazer escolhas individuais éticas e, sempre que possível, questionar e exigir respeito.

Tenho a certeza de que o Brasil precisa mudar, urgentemente, “de cima para baixo”, mas isso não nos tira a mesma urgência de mudarmos também “debaixo para cima”. Colocar o Brasil no caminho certo exige que alguns valores “de base”, como a educação e o respeito, sejam partilhados entre governantes e governados.

África em meio a tantas Áfricas | Valter Hugo Muniz

África

Já se passaram duas semanas de estadia em Man. Esta pequena cidade do oeste da Costa do Marfim tem nos permitido “saborear” inúmeras experiências, fazendo que, aos poucos, tenhamos novas visões e perspectivas gerais do que é a África e quem são os africanos (particularmente os marfinenses que vivem no interior do país).

A Costa do Marfim dos marfinenses

É fundamental, sempre, ressaltar a intensidade da vida aqui. Os encontros com o “outro”, a percepção social, climática (aqui faz um calor úmido intenso) e as conclusões que vamos construindo têm sim muitos dos nossos esquemas psicológicos. Porém, estando aqui, fisicamente, adquirimos um elemento essencial para uma análise mais completa de uma cultura em que os sentidos, muitas vezes, valem mais que a razão.
Nessas terras, percebi o quanto uma cultura é edificada por um povo, claro, mas que exprime a sua subjetividade no interior de um contexto, de um espaço físico que influência suas (complexas) dinâmicas sociais.

O futuro das Áfricas

Somente estando aqui, fisicamente, é possível descobrir (algumas) nuanças da cultura africana, como o significado real da influência marcante das tradições e, acima de tudo, como as novas gerações vivem o dilema de preservar a própria cultura e incorporar as novas possibilidades e perspectivas do mundo globalizado.
Aqui em Man, cidade desconhecida pela maioria dos cidadãos do mundo, os jovens também sonham uma vida melhor, estão (pouco a pouco) conectados com outras realidades por meio da internet e irão, em tempos diferentes, transformar a sociedade que estão inseridos.
Porém, os desafios que envolvem o desenvolvimento da África, não só material, mas cultural, são muitos e somente os africanos têm a capacidade de entendê-los profundamente para, então, superá-los.

A África irá salvar o mundo

Um dos elementos que justificam a afirmação acima (feita pela minha esposa, que é Suíça) é a expressiva ressonância comunitária na vida dos africanos.
No “Ocidente”, ouso dizer, não existem mais verdadeiras comunidades, mas um coletivo de indivíduos, separados de suas raízes familiares e, principalmente, das origens culturais. Salvam-se, ainda, as culturas distantes dos grandes centros que, heroicamente, procuram preservar suas identidades.

Como minha esposa, também acredito que a África, berço da humanidade, tem um potencial de “salvar” o mundo, propondo um modelo comunitário às sociedades extremamente individualistas.

Esta África que estou conhecendo preserva dinâmicas e valores comunitários que, se promovidos de maneira comum, em todo o continente, têm um potencial de desenvolvimento fenomenal.
Entretanto, para que um brilhante futuro da África seja possível é necessário que os países europeus, particularmente da França, deixem que o povo africano encontre as suas próprias respostas e se desenvolva de maneira independente.

Para colaborar com o projeto CLIQUE AQUI

6 anos de escrevo Logo existo. Auto-Entrevista com Valter Hugo Muniz

Valter Hugo Muniz, 28, jornalista “filho da PUC-SP”, com passagem por diferentes experiências no mundo do jornalismo, com destaque para a produção do documentário “JORNALEIROS” (para assistir na íntegra clique aqui) que mostra as angústias e incertezas dos neo-jornalistas .

Concluída a graduação no Brasil, dois anos de Laurea Magistrale no Instituto Universitário Sophia, projeto acadêmico interdisciplinar de vanguarda, localizado na região do Val d’Arno toscano, aonde ele pôde aprofundar as teses levantadas em “Jornaleiros” e se concentrar em entender a comunicação de massas (e nela o jornalismo) a partir do ser humano, na sua integridade.

Hoje, há quase duas semanas vivendo novamente na sua amada São Paulo, Valter festeja o sexto aniversário do seu blog pessoal escrevo Logo existo, que totaliza mais de 160.000 acessos, 95 seguidores da página do blog no facebook, 100 assinantes diretos do blog e visitas com origem em mais de 70 países, números que podem ser considerados exorbitantes para um blog pessoal sem interesses econômicos  e estratégias de publicidade.

Por quê escrevo logo existo?

Porque escrevendo vejo que as barreiras espaço-temporais são rompidas, transformando a minha existência não só um fato pontual, mais um dom “sem medidas” para quem lê.

Em que sentido as “barreiras espaço-temporais” são rompidas?

Bom, uma coisa que acabo sempre redescobrindo é que alguns textos que escrevi no início do blog, em fases diferentes da minha vida, ainda fazem efeito nos leitores. Muitas vezes sou surpreendido com comentários e críticas de coisas que eu considero “passadas”, mas que têm significado para pessoas que agora vivem coisas que eu vivi antes.

Como surgiu a ideia de fazer um blog pessoal?

Foi no meu primeiro ano de faculdade de jornalismo na PUC-SP, em 2006, durante uma disciplina de produção de texto com a professora Raquel Balsalobre. Ela nos pediu para criar um blog para postar os trabalhos escritos e experimentar essa plataforma de produção de informação.

Mas o seu blog não é jornalístico, verdade?

Não. Tenho muitos escritos, poesias, crônicas, reflexões de muito antes da faculdade. Sempre gostei muito de expressar em palavras – e agora em fotos e vídeos – experiências vividas e meu olhar em relação ao mundo, do presente e do futuro.  Como, na sua maioria, os textos são “literários” e não “informativos” achei que não valeria a pena ter um blog jornalístico.

Então o escrevo Logo existo é pessoal e fala, sobretudo, sobre você?

Sim e não. Poderia dizer que o blog é sobre relacionamentos… comigo mesmo, com os outros e com mistério. Muitas vezes o que eu escrevo  exprime uma experiência feita diretamente por mim como no [VIDALOKA] ou [28 dias no país do Tsunami], mas nem sempre é assim. Uma história, reflexão ou poesia pode “surgir” por conta de algo que vi na rua, um sentimento depois de um filme, uma conversa… estímulos das mais variadas origens que geram comunicação.

Comunicação e não informação?

Isso… no modelo atual o significado de informação se baseia em uma transmissão linear e unidirecional. A Comunicação nasce também de uma transmissão, mas é dom de um emissor para um receptor da mensagem. Dessa forma a comunicação não se realiza somente no ato de escrever, doar-se… mas DEPENDE do leitor, do receptor da mensagem.

Em que sentido depende?

Não adianta escrever as coisas mais bonitas, mais profundas… se ninguém ler. Não basta que a informação seja transmitida. Se o que é escrito não toca e nem transforma as pessoas, não gera o desejo de reciprocidade, a comunicação é incompleta, é só informação.

Hoje o escrevo Logo existo completa 6 anos. É difícil encontrar projetos que sobrevivam tanto tempo e também com uma produção constante. O que te trouxe até aqui?

É verdade… se me lembro que quase todos os meus colegas de jornalismo haviam um blog pessoal em 2006 e hoje praticamente nenhum deles levou para frente a ideia, sinto que esse blog tem sim algo de especial. Mesmo sabendo que o escrevo Logo existo é cada vez mais parte de mim, como eu disse anteriormente, um modo de existir e me doar, tenho certeza que cheguei até aqui graças aos meus leitores, que não são muitos… tenho uma média de 100 acessos por dia… mas que em tantos momentos, quando eu estava desistindo, desanimando, escreviam um comentário, um e-mail, agradecendo por um texto escrito, uma poesia, me ajudando a perceber que os meus talentos foram feitos para serem desenvolvidos em prol dos outros, da humanidade e, por isso, devia continuar.

Como você vê o blog nesse sexto ano que começa hoje?

Igual…  sendo um suporte para as minhas reflexões e experiências. Tenho um sonho de, quem sabe um dia, encontrar pessoas dispostas a colaborar semanalmente com o escrevo Logo existo… alguém que gosta de cinema, música, fotografia, poesia… gente com o mesmo espírito e a mesma consciência de “comunicação” como troca. Seria também ótimo que mais gente conhecesse o blog, mas de maneira espontânea, não por meio de estratégias publicitárias.

Uma última pergunta… pensando no grande dramaturgo, apresentador do programa Provocações da TV Cultura, Antônio Abujamra… O que é a vida?

Para mim a vida é e sempre será os relacionamentos que podemos construir. E a beleza do relacionamento advém sobretudo do OUTRO… que é diferente… um abismo que quanto mais nos aproximamos, mais profundo se apresenta. São os relacionamentos que produzem vida… que nos movem ao novo, ao bonito, à felicidade. Viver é poder descobrir a beleza e os limites no relacionamento com o outro, superar medos, traumas e se deliciar com ele.

 

 

 

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