Uma das descobertas mais importantes que fiz, durante o meu mestrado na Itália, foi a ontologia (ou essência) do Outro.
Por ter crescido em um contexto cultural de tradição cristã, o Outro para mim sempre teve um semblante de “próximo”, que deveria ser amado, independentemente da sua subjetividade. Esse amor quase “cego” funcionava enquanto eu era adolescente, porque a radicalidade da vida, muitas vezes, sufocava os questionamentos e os problemas causados pela reflexão intelectual.
Crescendo, o “amar o próximo” foi se tornando, gradativamente, mais complexo. “O Outro” surgiu como desafio à racionalidade, na sua inalcançável presença.
Um dos fundamentos da existência do outro, que eu entendi com o passar do tempo, é a possibilidade (para não dizer necessidade) do conflito.
A grande lição dos últimos dias foi descobrir que a existência do conflito é a certeza de que existe realmente um “Outro”. Pois, de outra forma, existiria somente a obediência, alienação, escravidão.
O Outro é um ser ontologicamente (essencialmente) diferente de nós, com anseios, sonhos, ideias, expressividade, particulares e que sempre geram conflito, não por uma intencionalidade negativa, mas pela sua própria essência.
Contudo, esse período de entendimento também me mostrou que, para que o conflito não se torne um distanciamento, são necessárias ou a negociação ou a pericorese.
A negociação permite dar tempo para o amadurecimento pessoal e de uma relação. Permanece o “desencontro” com o Outro, mas exercita-se a tolerância, o respeito, até que se possa, em uma segunda etapa, atingir a pericorese.
A pericorese – conceito cristão – indica a “compenetração recíproca” necessária na Trindade. É o fundamento da relação trinitária, que define um “encontro de ontologias” (de essências), em que se é no outro e o outro é em nós. O desafio desse tipo de relação imprime um longo caminho, repleto de negociações e do desejo de encontro, cada vez mais profundo, entre duas pessoas.
Para isso, é necessário trabalhar em nós, e com o Outro o conflito. Exercitar a paciência, a tolerância, o cuidado, o amor, para que seja possível esse “divino” encontro ontológico.