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Multiculturalismo: desafios de uma formação que enriqueça o jornalista

Multiculturalismo

Não sei como acontece com profissionais de outras profissões, mas quando um jovem (mais jovem do que eu) vem me dizer que quer ser jornalista – até na África isso aconteceu – geralmente “torço o nariz” e acabo pedindo para ele procurar uma profissão “de verdade”.

Claro que a minha reação espontânea e – como a minha esposa sempre diz – exagerada não tem o objetivo de rebaixar uma importante e estratégica “peça” do “jogo social” rumo ao multiculturalismo. São as dificuldades, principalmente no que diz respeito ao reconhecimento (econômico e social) que tornam o jornalismo uma escolha, acima de tudo, vocacional.

A decepção com as escolas de jornalismo

MulticulturalismoQuando o comunicólogo Dominique Wolton diz que muitos jovens estão decepcionados com as profissões ligadas ao universo da comunicação, tendo a concordar com ele. Para Wolton eles “desejariam uma formação intelectual mais ambiciosa, pois se trata muitas vezes, sob o nome atraente de formação em comunicação, de um saber limitado, sem abordagem teórica, cultural, comparativa; chegando muitas vezes a simples receitas”.

Eu também vivi momentos de decepção em relação à minha formação. Mesmo com uma abordagem teórica rica, muitas vezes achei que as aulas da faculdade não passavam de um doutrinamento “marxista”, em que os professores pareciam mais preocupados em desenvolver a nossa capacidade de convencimento instrumental, do que com a habilidade de apresentar elementos “imparciais”, para que o receptor possa refletir (e decidir) com clareza.

Receitas prontas e uma visão limitada do ser humano

Uma das coisas que mais aprecio no jornalismo é seu potencial de promover uma reflexão social a respeito dos acontecimentos.  A necessidade de um conhecimento “multilateral” e interesse geral em relação as coisas, culturas, ideias, ajuda a o profissional a descobrir o quanto o certo e o errado podem parecer relativos.

Por outro lado, como diz Wolton, o ensino generalista, principalmente quando baseado em receitas prontas “é muitas vezes decepcionante”. Saber um pouco de tudo e descobrir um modo de aplicar fórmulas técnicas, buscando abstrair a realidade percebida para, depois, transformá-la em informação, não supre a necessidade de explorar os acontecimentos com profundidade.

As escolas de comunicação, pressionadas pelo contexto econômico que valoriza o resultado imediato das práticas profissionais, muitas vezes deixam de apresentar aos futuros jornalistas um ser humano – protagonista dos acontecimentos –  que transcende as ideologias contemporâneas e que busca (sempre buscou!) o significado da sua existência, a partir de outros elementos, como a religiosidade, para dar um exemplo.

Multiculturalismo: um aspecto importante da formação

MulticulturalismoAs experiências de convívio intercultural que vivenciei no continente africano me fizeram entender, ainda mais, a importância de uma compreensão multicultural do ser humano. O futuro jornalista não deve simplesmente aprender maneiras de instrumentalizar a realidade para “plasmar” a informação, mas descobrir, no contato direto com seres humanos, comunidades e culturas, cada fragmento de realidade que pode ser “comunicado”. Dessa forma, é possível promover uma reflexão profunda aos receptores da informação que conduz-nos, como humanidade, a uma maior consciência e tolerância das nossas diferenças.

A África também me mostrou o quanto é impossível compreender a complexidade do ser humano só por meio de livros. É preciso tocá-lo, não só com o intelecto, mas com os sentidos. Chorar com ele, descobrir suas dores e angustias, além dos desafios no âmbito pessoal e comunitário, para colher – e comunicar – o fragmento de Verdade que diz respeito a ele, mas que pode ser apresentado – com cautela – às outras culturas.

WOLTON, Dominique.  É preciso salvar a comunicação. São Paulo: Paulus, 2006. Tradução Vanise Pereira Dresch.

Sobre o jornalismo

Por meio da comunicação jornalística, intrinsecamente inserida em um determinado contexto cultural, os sujeitos humanos, reciprocamente e fundamentalmente diferentes entre si, edificam a própria identidade.

Contudo essa comunicação precisa necessariamente ser encontro verdadeiro e dramático com o Outro, mesmo em uma relevante distância física. Ao reconhecerem-se na informação jornalística os sujeitos humanos, reciprocamente, afirmam a própria existência.

Porém, a experiência proporcionada pela comunicação jornalística só se conclui na transformação dos envolvidos no processo. Ambos, a partir da experiência de ação e reconhecimento proporcionada pelo jornalismo, sentem-se estimulados a estreitar os laços com os sujeitos humanos próximos, em uma relação muito mais complexa e ampla.

O jornalismo que não é comunicação, no sentido etimológico da palavra, se reduz a simples maquina de produção de informação.

Jornalismo e teologia: A escolha antropológica do modelo trinitário

Duas realidades que aparentemente não se misturam, jornalismo e teologia têm na própria essência o estudo da relação e reciprocamente podem coexistir e iluminar um a “verdade” apresentada pelo outro.

Estudar a relação é encontrar como pressuposto a necessidade de um modelo. A história do pensamento ocidental percorreu um caminho partindo de Aristóteles e seu “Principio de não contradição”, passando pelo cientificismo kantiano, a dialética hegeliana, entre outros modelos racionais que buscaram entender e explicar a ontologia relacional do ser humano.

Entre esses, provavelmente o dualismo dialético foi o modelo que mais se “encarnou” na nossa sociedade, servindo como justificativa à destruição e o auto movimento perceptível no observar a realidade.

Eu, pessoalmente, estudando e conhecendo-a cada vez mais, encontrei na teologia o meu modelo de ler as situações, que não se expressam por meio de um dualismo, mas na dinâmica trinitária que envolve a expressão de si mesmo, do “outro” e do Mistério.

Um acontecimento visto da prospectiva dialética não pode aceitar a verdade do outro, para existir precisa eliminá-lo. As determinações do que é verdade nascem sem considerar a pluralidade. Verdade é aquilo que se expressa a partir da dinâmica dialética em vez de uma conclusão costruída a partir do dar-se “fenomenológico” das coisas.

Por outro lado o modelo trinitário considera que a relação é, antes de tudo, expressão pessoal da leitura de um acontecimento, impossível para quem vive de destacar-se, manter a neutralidade.

Mas além disso ela é também encontro com “um outro” (humano ou não), suas motivações e porquês, que tantas vezes superam a nossa capacidade de compreender totalmente. Somos muito condicionados pelos nossos valores, ideais. Por isso, exprimir esse “outro” exige um “movimento direcionado” à ele, que depois ajuda no aperfeiçoar a compreensão dos fatos.

Finalmente é necessária a dimensão do Mistério em todos os acontecimentos. A Racionalidade não tem todas as respostas aos porquês do homem. O cientificismo não considera “verdadeira” à transcendência que nos envolve como seres do Cosmo, ignora o fato de que qualquer acontecimento possa ter em si um “algo” de inexplicável, inexpressível.

A prospectiva trinitária dos acontecimentos, porém, é também articulada em uma “forma determinada”, uma unidade (roubando a definição guardiniana) que nos permite estarmos imersos em uma infinita mudança (movimento) permanecendo porém nós mesmos.

A cotidianidade dos acontecimentos é esse consecutivo movimento, mas que precisa ser lido em maneira trinitária, que é em si também unitária, onde esta última serve como “direção” a fim de que o modelo trinitário não se transforme em dualismo dialético.

Entendo que para quem não adere à fé cristã considerar a trindade um modelo de relação é quase uma ofensa. O curioso é perceber que, por outro lado, é possível para os “anti religiosos” acreditar e estudar a mitologia grega, indígena e etc. A fé é principalmente um movimento antropológico de abertura em relação ao Mistério, dimensão (felizmente) impossível de ser excluída na nossa humanidade.

Bate papo com José Salvador Faro sobre o jornalismo – Primeira parte

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Caro Faro,

Acabei de chegar em casa e decidi escrever logo, antes que o meu pensamento sobre a aula se fosse com o sono difícil de suportar.

Depois do que disse a você no final da aula, achei oportuno formalizar a minha opinião, para que ela não se perdesse no emaranhado de conceitos que você vem nos dando durante o semestre.

Pois bem… quero reiterar tudo que confessei: Acredito que, como qualquer outra empresa, aquelas que atuam no universo da comunicação social (Veja, Estadão ou Folha…) não só querem, como precisam vender seu produto.

No meu ver… trabalhando já há um pouco de tempo, isso é absolutamente normal, visto que a sobrevivência financeira é uma REGRA do sistema capitalista…. o que está ERRADO e é anormal, é que essas EMPRESAS se apresentem como instituições democráticas, com interesses políticos (no sentido que você mesmo enfatizou), para vender tal produto.

Claro… não disse nada de novo… é tudo postulado e extremamente claro, acredito, para todos. Ficar discutindo esse tipo de coisa para mim não dá nenhum tipo de diretriz com escopos de mudanças (políticos) para eu que sou estudante. Não emancipa nenhuma das minhas reflexões, pois fica no tal “senso comum” que você insiste em nos fazer (beneficamente) entender.

É nesse ponto que quero discutir…. entrei na PUC porque, mais que jornalista, estava preocupado com a minha formação como cidadão… um “intelectual” sim, mas imerso na realidade social que procura ouvir todos os lados, para propor mudanças políticas… porém o que tenho visto é uma reflexão intelectual que despreza a atuação do jornalista, discutindo-se primordialmente a Mídia.

Não tenho nenhum pretexto de exigir de ninguém respostas… mas posso exigir foco… e discordo um pouco de algumas temáticas e também do modo em que as discussões são feitas, de modo com que a clareza do conceito deve sobrepor as opiniões diversas, que nem sempre são tão fundamentadas como a do Mestre.

O que deve-se pensar é a formação humana do jornalista, dentro de um Sistema postulado que deve ser mudado por um conjunto de escolhas pessoais e não pela conversão “horizontal” dos detentores da informação.

Lendo o TCC de uma colega sobre o Caco Barcelos… pensei muito no que ele disse…. Perguntado sobre como conseguia emplacar seus programas de caráter sempre BEM JORNALISTICOS, as vezes contrastando com o perfil Global, Caco disse que tudo partia do como apresentava suas idéias…. dizia que no início, propunha 4, 5 pautas de matéria em que quase sempre só uma era aceita… percebendo que, se quisesse ter mais espaço, mais matérias emplacando deveria se esforçar mais, começou então a propor 10, 20 pautas em que eram aceitas 5… ou 10… proporcionalmente…

Mas qual é o X da questão???… acredito que existe uma grande parcela de compromisso INDIVIDUAL que cada um necessariamente precisa ter com a ética… procurando entender que a sociedade é também os marginalizados e não somente os freqüentadores da Daslu, mas para isso o jornalista precisa ir “de encontro” com as realidades, as pessoas, sem pré conceitos… mas isso é a tal “formação cidadã” que eu vejo secundária na formação universitária.

Nas muitas experiências que pude fazer, sobretudo vivendo com pessoas de culturas diferentes, em lugares diferentes, só entendi o valor da cultura, da relatividade dos valores, quando entrei em “choque” com os meus “semelhantes” que pensavam completamente diferente de mim, mas um completamente realmente profundo.

Não é do amor ao diferente… ao menos o interesse, que podem nascer teorias que cumpram essa “objetividade” com escopos realmente políticos???

Desculpe a falta de lógica ou se estou sendo arrogante, mas hoje, em um desentendimento chato que tive com a Elígia, percebi que tantas vezes a discussão não tem um viés final político… me peguei me perguntando o quanto tenho feito pelos outros, pela minha cidade… concretamente sim… mas também o quanto tenho “encarnado” isso nos meus textos, no modo como apuro as notícias, exponho o meu “fragmento de verdade”.

As vezes as idéias estão sendo apresentadas de modo esquizofrênico… dissociada de uma reflexão individual que deveria ser pressuposto de qualquer prática jornalista…

Eu sei que talvez a nossa disciplina não seja o local para essas discussões… mas me dei conta agora, no terceiro ano, que a faculdade não nos deu esse tipo de formação… fomos entupidos de teóricos que pensaram muito, mas não sei até que ponto aquilo era fruto de uma prática pessoal… isso me faz também ver claramente que a sociedade pouco muda… vive em uma “roda viva”, porque a teoria vem cada vez mais dissociada da prática…. não estou dizendo que ela deve ser funcional, mas sim visando o desenvolvimento.

Os tais pensadores, intelectuais, discutem, pensam durante a sala… e depois vão puxar um “beque” pra relaxar e enfim sustentar o tráfico… um grande paradoxo… mais um…
Bom… chega… era mais pra compartilhar com você tantos pensamentos… e agradecer a aula, por possibilitar tudo isso…

Queria ter a capacidade de síntese para expor tudo em sala… mesmo a liberdade pra dizer tudo isso e não parecer que acho que sou o dono da verdade e que coloco meu pensamento na frente do BEM que quero cada um do meu curso… mas… infelizmente não sou assim…

Prometo que vou me esforçar mais pra ser mais participativo… por mais banal e simplória, sei que, como todos, tenho algo pra dizer, pra deixar…

Grande abraço

V@lter

Resposta:

V@lter,

Ótimas reflexões. Sempre são ótimas quando beiram o desabafo…

Mas eu acho que é mais que isso: vc põe em xeque questões fundamentais da formação universitária em geral e do jornalista em particular.

Afinal, qual o sentido da discussão sobre uma “Teoria” se a base de sua formulação (da “Teoria”) tem tantas fragilidades?

Vc daria uma ótima contribuição para a minha disciplina se botasse tudo o que escreveu na roda da turma.

Abração.

Faro

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