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Yara: Um rio de felicidade – Primeiro ato

Eu tenho a ingênua impressão de que a bagagem adquirida ao lidar com desafios anteriores vai sempre tornar potenciais adversidades futuras mais fáceis de serem superadas. Porém, nesse momentos de segurança, quase prepotente, vem a vida e ensina que cada momento é único, mesmo que pareça pura e simples repetição.

Calma. Vou me explicar.

Dizem que é comum os filhos nascerem antes da data prevista na segunda gravidez. Mas lá estávamos nós, dois dias após a data estimada, esperando impacientes pela nossa Yara, que parecia não ter pressa para deixar o ventre materno.

Apesar da ansiedade crescente, eu e a minha esposa acordamos felizes naquele 11 de setembro de 2019, tentando viver a espera com uma tranquilidade realista.

Uma longa caminhada vespertina até que finalmente as contrações regulares começaram. “Será que tudo seria rápido e intenso como da outra vez?” nos perguntávamos, cientes de que aquela poderia ser uma longa noite.

Novamente tínhamos o privilégio de não estarmos sozinhos em um momento tão intenso para qualquer jovem casal. Minha mãe veio mais uma vez do Brasil para nos acompanhar nos dois primeiros meses de vida da Yara. Outro detalhe importante era que, desta vez, tínhamos a presença da nossa primogênita e muitas perguntas sobre como a Tainá iria lidar com a chegada da irmã.

Um turbilhão de pensamentos somados a alegria sem igual do tão esperado encontro com aquela vida que ajudamos a gerar. Acho que lá pelas 21h as contrações ficaram mais intensas. Um sinal claro de que abraçaríamos a Yara antes do próximo nascer do sol.

Pai, especial

Poder participar da geração de um novo ser foi, sem sombra de dúvidas, um dos presentes mais lindos que a vida me deu. Ser pai é, a priori, viver eternamente grato por ver frutificado o seu amor mais puro e verdadeiro.

Mas e depois? O que sobra? Fraldas sujas? Banhos? Gorfadas, babadas, xixizadas e cocozadas? Mesmo que esses sejam elementos cotidianos da paternidade real, ser pai vai muito além. Viver a paternidade é mais um convite que a vida nos faz para sermos homens melhores.

A primeira descoberta que fiz nas primeiras semanas de vida da Tainá foi que a minha grande ocupação seria tomar conta da principal cuidadora da minha filha: a mãe dela. Claro que logo que a Tainá nasceu procurei me fazer útil da melhor forma possível, com a troca de fraldas e tudo mais, mas ela precisava sobretudo da mãe, fonte de calor e de alimento. Enquanto isso a Flavia ainda estava bem fragilizada. Fisicamente cansada pela intensidade do parto, lidando com o desconforto das feridas e sobretudo a descarga hormonal que causava exaustão. Ali se apresentou a minha primeira chance de ser pai.

Aquele insight me fez descobrir que, se minha esposa está bem, feliz, descansada, a família inteira fica em paz. Dessa forma, desde o início tenho procurado exercitar a paciência, duplicar o cuidado e a atenção para que a Flavia esteja bem.

Outra importante descoberta é fruto de uma minha reflexão recente sobre a construção de vínculos com os filhos. Enquanto as mães ganham uma « ajudinha » da natureza com a gestação, a amamentação, os pais são jogados à deriva, sozinhos, nesse oceano agitado da paternidade.

Mas será mesmo que não recebemos nenhum sinal interior? Para falar a verdade, acredito que não. Talvez isso explique o porquê de vermos muito mais pais que mães abandonando seus próprios filhos. Por outro lado, vínculos que ficam para vida e sobrevivem ao tempo, como amizades de infância, casamentos, entre outros, precisam conter um elemento fundamental, que também existe na paternidade (e em outras fases da maternidade): a escolha.

Ser pai é viver diariamente a escolha de querer, do fundo do coração, construir e fortalecer os vínculos com os filhos. Não existe romantismo ou impulso interior. É escolha pura, que me faz sentir, de certa forma, especial. Troco fraldas, dou banho, faço dormir, me sentindo profundamente feliz. Não faço porque é minha obrigação, mas porque são as únicas oportunidades que tenho para, diariamente, fortalecer a relação com a minha filha.

Investir em vínculos tem tornado a minha paternidade ainda mais completa. Sinto que posso amar mais, curtir ainda mais minha família e renunciar outras coisas sem arrependimentos. Quando entro em casa deixo todo o resto do lado de fora, para poder dar o meu melhor para minha família.

Porém, pai só é pai se tem filha (o). E a minha filha é um ser maravilhoso que vou contar um pouco mais no próximo texto.

 

Carta para minha primeira filha

Querida filha, esta semana, enquanto você completa seu primeiro mês aqui fora, eu tive de voltar ao trabalho. Seria impreciso dizer que fui obrigado, pois foi a minha escolha aceitar esse que é, no momento, um importante instrumento de sustento para nossa família.

Segunda-feira não foi um dia feliz para mim. Ter de me despedir e ver você dormindo partiu meu coração e me fez pensar muitas coisas, até em deixar meu trabalho! É muito triste que a nossa sociedade ainda não disponha de tempo o suficiente para que os recém-chegados tenham uma adaptação mais suave (e seus acompanhadores também).

Você ainda não sabe, mas logo irá descobrir que para mim família é tudo. O resto sempre esteve em segundo plano. E agora que você está aqui, esse sentimento é ainda mais visceral. Contudo, também voltei para o trabalho porque acredito que lá posso fazer com que o Amor que cultivamos em família ultrapasse os muros da nossa casa e chegue às outras pessoas.

Eu e sua mãe cremos firmemente que, mesmo fisicamente distantes, somos capazes de viver uns pelos outros e assim, preservarmos a nossa unidade.

Filha. Desculpe a minha ausência durante a semana. Saiba que ela também dói em mim. Vou sentir falta de trocar suas fraldas durante o dia, tentar fazer você se acostumar com os estímulos desse mundo turbulento e presenciar o milagre que é o seu desenvolvimento. Mas, fique tranquila, no final do dia eu volto.

Um beijo e nos vemos mais tarde,

Papai

A chegada da Tainá – Parte um: Preparação

Quando minha esposa gritou: “Hugo! Vem aqui! Rápido” e juntos percebemos que o tampão tinha caído, senti uma serenidade gostosa fruto da minha preparação e a alegria de que logo (mesmo não sabendo quão logo) conheceríamos a nossa filha.

Se tem algo que considero um valor e que procuro colocar em prática na minha vida, desde menino, é estar preparado. Estudo, carreira profissional, relacionamentos… em todos os aspectos e momentos da minha história sempre tentei fazer bem o que me cabe, acreditando que Alguém irá cuidar daquilo que não tenho controle.

Não vou esconder que, de certa forma, preparar-me sempre me proporcionou o controle das minhas emoções, diminuiu meu medo e criou o espaço necessário para viver plenamente cada momento.

Na tarde que antecedeu aquele grito, estávamos caminhando em Zurique, passeando para aproveitar o dia bonito e a presença da minha mãe, que veio para viver junto com a gente essa nova experiência. Foi um dia gostoso e tranquilo. À noite, fomos visitar a família da madrinha da Flavia que logo ao ver o barrigão disse que ela ainda deveria esperar alguns dias pois a barriga ainda estava “alta”. Passamos uma noite super agradável até que aquele “Hugo! Vem Aqui!”, acelerou o coração dos presentes.

É realmente reconfortante sentir-se preparado. Aqui na Suíça frequentamos um curso para “grávidos” que nos fez percorrer, junto com outros três casais, a jornada do nascimento e dos primeiros cuidados. Foram horas repletas de informações úteis e descobertas extraordinárias, ao menos para mim que sou o pai.

Li quatro livros sobre paternidade, parto, gravidez para entender bem os sentimentos da minha esposa, os meus e da nossa filha. Assistimos também o documentário “O Renascimento do Parto”, que me ajudou a desmistificar os perigos do parto natural, que é o mais comum na Europa (mesmo se descobri que a Suíça é o país campeão de cesarianas do continente).

Lá da casa da madrinha da minha esposa ligamos para a casa de parto e eles recomendaram que voltássemos para casa da minha sogra o quanto antes para relaxar e ver como as coisas se desenvolveriam.

Eram umas 21:00. As próximas horas seriam bem mais intensas do que eu poderia imaginar. E assim outro valor passou a ser fundamental: a cumplicidade.

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