Encontro de Natal

Renato passou o ano inteiro ocupado.

Claro que, para um exímio morador de metrópole, isso não era uma novidade.  Vivia assim há muitos anos e de certa forma já nem se incomodava.

Muitas horas de trabalho, raras de sono e pouca vida social. Nada disso abalava Renato, afinal de contas um gerente de multinacional não pode esperar uma vida “normal”. “O salário compensa”, dizia sempre para si nos momentos de crise pessoal.

Porém, sempre que chegava dezembro, Renato sentia saudade da sua infância, da liberdade, do descompromisso e do tempo para saborear coisas e pessoas.

Há quase quatro anos ele não via sua família, estava só. No período de festas (Natal e Ano Novo) só tinha a companhia de “Jonny”.

“Jonny’ na verdade era o seu grande e fiel amigo… de corridas no parque, passeios no shopping, estava sempre sorridente diante da sua presença.

Não reclamava nunca, dava sempre carinho quando ele precisava, comia na hora certa e aprendera a fazer suas fezes no jornal.

Sim, “Jonny” era um lindo labrador que Renato havia ganhado de sua última namorada, no dia do término, como “consolação” para a solidão que o esperava.

(…)

Em mais uma semana que se passava, em meio aos shoppings certers lotados, com famílias, crianças, estava lá Renato, caminhando sozinho, procurando algo para si!

Parou em uma loja chique de gravatas e pensou em escolher uma nova, para começar o ano “diferente”.

Chamou o vendedor e sem nem olhá-lo apontou a gravata e perguntou seco:

_Quanto custa?

_ Boa tarde senhor! Feliz Natal! A gravata custa 100 reais.

_Quero duas! – respondeu já caminhando em direção ao caixa.

O vendedor ficou alguns minutos parado, perplexo, pelo tratamento, mas porque já havia visto aquele rosto antes.

“Bom” pensou “vejo tanta gente nessa loja que não seria estranho suspeitar de ter visto rostos conhecidos” admitiu para si mesmo, mas mesmo assim ficou incomodado.

Renato pagou, mas quando estava saindo da loja ouviu o vendedor lhe chamar…

_Renato?

_Sim!

_ Renato Araújo?

_ Eu mesmo!

_ Você não tá lembrado de mim?

_ Hum…. amigo… eu estou com um pouco de pressa, você me dá licença?

_ Você poderia ao menos olhar nos olhos do seu irmão?

_ Irmão? Eu não tenho irmão nessa cidade?

_ Claro que tem… eu me mudei para cá no Natal passado, mas como você nunca retornou minhas ligações, nem pude sequer te ver durante o ano.

_ Ok, pegue o meu cartão e me ligue amanhã ok, estou com pressa e cansado. – Disse Renato alguns minutos antes de entrar no carro que o aguardava lá fora do shopping.

(23:40)

Pedro, irmão de Renato está saindo da igreja com sua família. Todos felizes, pois pela primeira vez, Flavia, a caçula, conseguiu o “papel” de Maria na encenação de Natal

Do outro lado da cidade, Renato, com o som no último volume, dança sozinho, já alterado dos três copos de whisky, em sua cobertura na zona nobre da cidade.

(00:00)

Pedro está abraçando sua família… Feliz Natal! – dizem todos, seguido de canções natalinas, presentes, sorrisos, abraços.

Renato já está dormindo, sozinho… sem abraços mas muita baba de “Jonny” que se deliciava com o resto de bebida que havia caído em sua roupa.

(00:15)

_ Vamos ligar para o Tio Renato? – disse Pedro aos seus filhos!

_ Ele nunca quis saber da gente!!! – resmungou sua esposa.

_ E daí? Ele deve estar sozinho, hoje é Natal!! Vamos ligar!!

(00:30)

(Trim! Trim!)

_ Alô

_ Renato?

_ Quê!

_ É o Pedro! Seu irmão!

_ Irmão?

_ É… o vendedor da loja de gravatas…

_ Ah! Sim… você ficou com meu telefone… (droga….)

_ Queria te convidar pra vir aqui em casa…

_ Agora?

_ Claro… é Natal! Venha ficar junto da sua família!

_ Hum….

(01:15)

(Tin don!!)

_ Tio Renato chegou!!! – e Flavia correu para abrir a porta de casa e acolhê-lo com um abraço enorme.

Constrangido, com um sorriso amarelo, cabelo despenteado, Renato correu os olhos pela sala enfeitada, a mesa cheia de comida, gente conversando e um sentimento estranho tomou conta dele.

Carregado pela sobrinha sentou-se no sofá, inebriado pelo aroma adocicado do ambiente e por alguns instantes viu um filme passar pela sua cabeça…

Todas as vezes que durante o ano nem sequer olhou nos olhos das pessoas, seu jeito seco, a pressa e o desinteresse por quem não lhe convinha, mas sobretudo a imensa solidão, mesmo tantas vezes cercado de pessoas, que sentia e o incomodava.

Naquela casa existia “algo” esquecido, que surgiu assim que ele ultrapassou os limites da rua e da casa. Sentia novamente o que era fazer parte de uma família.

Ficaram ali por umas duas, três horas.

As crianças já dormiam quando Renato se despediu do seu irmão Pedro. Cumprimentou o irmão em silêncio… estava incomodado.

Voltou para casa, o Natal passou. Na virada do ano preferiu ficar em casa, desligou o celular, mas aquele sentimento ainda o sufocava, teria que ceder.

(…)

“Caro irmão,

Desde sempre assumi uma postura clara, decidida e segura de que nunca precisaria de uma família para ser feliz. E foi assim! Sempre tive tudo, do bom e do melhor, claro que passei dificuldades, mas soube me virar bem!

Porém estava enganado, me enganando, pois nem sequer me lembrava o que era a tal felicidade. Enquanto vivia centrado sobre meu eu estava abrindo mão de algo que havia esquecido o valor.

Não sei se tenho coragem de voltar atrás e assumir o fracasso pessoal que foi a minha vida até aqui, mas não poderia deixar de dizer que o Natal com vocês me transformou. Se puder me ajudar, eu agradeço,

Com carinho

Renato Araújo”

(…)

_ Pois é Renato, incrível não? – comentou a mulher após ouvir a leitura da carta em voz alta.

_ Sim, é o Natal. Quem dera se a gente tivesse lembrado antes dessa ótima oportunidade de estar com as pessoas.