Participantes do Seminário
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SOCIEDADE Durante quatro dias, profissionais de diferentes campos de atuação na área da educação e do direito puderam apresentar experiências, dificuldades e alternativas em vista da elaboração de um projeto pedagógico de resgate de valores e de uma formação integral de crianças, adolescentes e jovens
A região montanhosa de Guaratinguetá, onde está localizada a primeira das 68 Fazendas da Esperança querecuperammaisdeZmiljovensno Brasil e em diversos países do mundo, acolheu 30 profissionais ligados à educação de crianças e adolescentes para o Seminário Internacional: “Educação e prevenção ao uso de drogas e à violência”. Promovido pela Fazenda da Esperança em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Editora Cidade Nova, o evento que foi realizado dos dias 28 a 31 de janeiro enfrentou o tema da crise da escola como espaço de formação e consolidação dos valores humanos em vista de uma educação mais integral da pessoa e deu início à elaboração de um projeto pedagógico que vise a prevenção da droga e da violência.
“Faz 27 anos que eu trabalho na recuperação de drogados e vejo o sofrimento que acompanha cada história, cada família. Então, nasceu dentro de nós o desejo de fazer algo para que a juventude não entrasse na droga, prevenir o mais cedo possível” – explica frei Hans Stapel, presidente da Fazenda da Esperança, sobre a ideia de realizar o Seminário.
Diversidade que enriquece
Um dos primeiros desafios do Seminário foi lidar com a diversidade de campos de atuação entre os participantes. Profissionais de todas as regiões do Brasil, coordenadores de ensino, professores de escolas públicas e universidades, representantes do poder público e profissionais vindos de outros países apresentaram seus trabalhos e experiências no campo educacional por meio de painéis, mesas-redondas, debates, mostrando uma diversidade de pro-jetos e ações realizadas no campo da educação.
“A troca de experiências é importantíssima porque quando nós começamos uma atividade, a nossa impressão é de que estamos sempre certos, mas só quando ouvimos a experiência do outro e as suas críticas é que começamos a ver se realmente estamos no caminho cor-reto”, afirmou Rui Paiva, servidor público municipal na área jurídica, em Belém (PA).
“No início, eu não entendia a proposta do Seminário, mas depois comecei a observar que, antes de tudo, era uma troca de experiências, de conhecimentos, de capacidades, para que todos, a partir daquela comunhão, mesmo aqueles que não participam diretamen-te da área da educação, pudessem contribuir”, disse Richardson Ramos Cardoso Borges, integrante do programa Educação para a Paz, em Igarassu (PE).
Um projeto em comum
Além de discutir a educação e seu papel na prevenção ao uso de drogas e à violência, um dos principais objetivos do Seminário foi traçar linhas para um projeto pedagógico comum a ser oferecido à sociedade.
Diversas alternativas pontuais apresentadas já são realizadas pelos participantes nos seus ambientes de trabalho: projetos concretos como o “Viver de Cara Limpa”, que foi assumido pelo governo do Estado de Tocantins e que envolveu muitas crianças e adolescentes da região e também ações pontuais em escolas de Jundiaí, Vargem Grande Paulista, São Paulo ou mesmo na Fazenda da Esperança.
Essas atividades de promoção do ser humano e da cultura de paz têm tido desdobramentos muito importantes no campo da educação e da formação das novas gerações. Nesse sentido, a pergunta fundamental do Seminário levantada pela educadora, ex-secretária estadual da Educação do Tocantins e ex-presidente do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), Dorinha Seabra Rezende, foi “como passar de um projeto muito pontual e particular para uma dimensão maior, de grande escala”.
“Mais do que trabalharmos juntos é preciso aprender a sistematizar tudo isso em prol de um projeto maior. Não devo ver apenas o meu projeto ligado à minha escola, à minha universidade ou à minha dificuldade”, acrescentou Samuel de Souza Neto, professor adjunto do Departamento de Educação da Unesp, explicitando ainda mais o objetivo daqueles dias de discussão e trabalho.
Questão de valor
Um dos temas apresentados nas diversas mesas-redondas do Seminário apresentou a escola e a sociedade como “comunidades educadoras”, que têm um papel muito importante na prevenção ao uso de drogas e à violência. Esse novo modelo engloba um conceito de educação que “trabalha também com valores, com postura, formação humana”, explica Dorinha.
“É justamente o descaso em relação aos valores um dos motivos que acabam gerando consequências sociais graves no desenvolvimento da juventude”, afirma Édina Maria de Paula, promotora da Vara da Infância e Juventude de Londrina (PR). “A educação significa essa transmissão de valores. Você não tem como falar em educação sem que a transmissão desses valores seja colocada em prática. Dentro do meu dia a dia, eu vejo que muito disso foi perdido pelas famílias que acabaram terceiri-zando, delegando a educação dos filhos às escolas. Assim, essas crianças não recebem valores nem em casa e nem nas escolas e quando chegam na adolescência estão despreparados para a vida. Daí para a delinquência e para a ‘drogadição’ é só um passo”, conclui Édina.
Dos fatos às palavras
Os quatro dias vividos intensamente pelos participantes do Seminário serviram também como oportunidade de conhecer a realidade vivida na Fazenda e ver como a recuperação realizada ali pode ser apresentada como um novo modelo de pedagogia. “Eu vejo a escola como um centro de formação humana, mas aqui também é um centro de formação humana. Não é uma escola nos moldes formais, mas é uma escola de vida e para a vida”, disse Samuel de Souza.
“Sempre ouço as experiências desses adolescentes no Fórum e não são muito diferentes da experiência que eles contaram aqui, só que há um diferencial básico: aqui elas encontraram luz, fizeram a experiência do amor de Deus e do amor do próximo, o que os adolescentes que eu atendo ainda não encontraram e isso faz toda a diferença”, contou Édina.
O Seminário contou também com participantes de outros países que apresentaram as próprias experiências. Alguns responsáveis de Fazendas da Esperança de diversas partes do mundo: Alemanha, Rússia, México e Moçambique e o pedagogo alemão Mathias Kaps, responsável pelo projeto “Ser forte sem ser violento”, que desenvolve a cultura da paz em muitos países da Europa e já envolveu mais de 150 mil pessoas – alunos, professores e espectadores – desde o seu início, em 2006.
“Para mim foi muito importante participar do Seminário. Aprendi muitas coisas, principalmente com o modo com o qual as pessoas enfrentam esses problemas aqui no Brasil. Violência e droga não são só expressões de falta de boas condições de vida, mas também da falta de sentido para essa vida, seja na Europa ou na América Latina. Fiquei feliz por contribuir com a minha experiência”, declarou o pedagogo alemão.
Crianças e adolescentes
“Vimos aqui na Fazenda o que é a experiência de vida, o que é o direito de viver. Cada um que sai daqui hoje sai com consciência de que deve agir diretamente na sociedade. Não adianta fazer só diagnóstico, o que adianta é transformar tudo isso. Os diagnósticos já são muitos, agora precisa sair disso para a prática”. Essa percepção de Meireivaldo Paiva, educador de Belém, exprimia outro desafio para o Seminário: definir projetos de ação concreta e conjunta no campo pedagógico.
Nos momentos conclusivos do Seminário, surgiu a necessidade de dividir o grupo em duas diferentes abordagens, uma que levasse em conta as realidades das crianças, até os 11 anos, e outra para os adolescentes até os 17 anos. Desses grupos nasceram duas propostas concretas: o Projeto Semente e a atualização do Projeto Viver de Cara Limpa, que deverão ser aprofundadas em encontros posteriores.
O Projeto Semente está voltado ao público infantil, dos 3 aos 11 anos, e visa prevenir o uso de drogas e a violência, mediante o trabalho com valores de convivência e cidadania e da fraternidade como novo paradigma para a pedagogia. A proposta inclui atividades para-didáticas e lúdicas e envolve toda a comunidade local: escola, bairro e município, entidades civis e instituições públicas.
A segunda proposta, o Projeto Viver de Cara Limpa, visa trabalhar com os públicos adolescente e juvenil na prevenção ao uso de drogas e à violência. É um conjunto de propostas e iniciativas que se articulam no tripé “testemunhos, relacionamentos e atividades”. As estratégias para a realização do projeto são a “sensibilização” (pelos testemunhos e relacionamentos com os jovens da Fazenda e por meio de oficinas artísticas e a “conscientiza-ção” (pelo livro-texto e atividades propostas). O projeto propõe o envolvimento da família e de toda a comunidade local.
Desafios
Realizar projetos pedagógicos no Brasil, sobretudo com a chancela do poder público é um grande desafio já no momento de sua aprovação, mas as dificuldades em relação à continuidade dos trabalhos parecem ser os principais obstáculos para a construção de mudanças efe-tivas do campo da educação.
Segundo a coordenadora pedagógica de uma escola municipal de Jundiaí (SP), Lúcia Helena Parazzi, “esse Seminário vem ao encontro das demandas sociais, mas os atores dessa pedagogia precisam antes de tudo acreditar”. “É uma proposta ousada, mas é uma proposta urgente, porque a sociedade tem necessidade de uma educação diferenciada, que as propostas estejam de acordo com as demandas sociais”, acrescentou ela.
Depois dos dias de trabalho do Seminário ficaram evidentes os muitos desafios que os educadores precisam enfrentar. Um desses desafios é a continuidade dos próprios projetos.
“O importante é deixar esse fogo aceso, ficarmos unidos e comunicar entre nós os passos dados, porque a grande tentação é que o individualismo tome conta da gente e que até façamos coisas bonitas, mas sozinhos perdemos a força”, explica frei Hans sobre outro aspecto importante para o sucesso do Seminário que é o trabalho em rede, em comunhão. •
BOX: Uma experiência marcante
“Foi uma coisa extraordinária, dias de luz, dias em que todos sentíamos que nasceu algo. Parece o início de uma pedagogia especial, algo novo.” (Frei Hans Stapel)
“Espero que nasça agora uma parceria entre a Europa e o Brasil, para nos ajudarmos e enfrentar esses problemas juntos.” (Matias Kaps)
“Uma experiência muito interessante porque abriu mais a minha cabeça no sentido da prevenção, pois trabalhamos muito com a recuperação. Ajudou-me a não me limitar e entender mais o trabalho de prevenção.” (Luciano Santos da Silva, responsável pela Fazenda da Esperança no México)
“Para mim foi possível fazer essa experiência porque todas as pessoas aqui procuraram viver aquilo que buscávamos juntos, particularmente, na vida delas. Isso me fez lembrar uma frase de Chiara Lubich que diz: ‘Com homens novos, você pode fazer coisas novas’. E eu sinto que aqui saiu uma coisa nova por causa disso.” (Nelson Rosendo, presidente da Fazenda da Esperança)
“Eu saio daqui muito diferente de como cheguei. Seria difícil explicar, mas eu saio com o meu coração diferente no sentido que, às vezes, a gente acredita nas nossas po-tencialidades, isso é bom, mas a gente deixa de acreditar que por trás de tudo isso tem Deus e é Ele quem faz as coisas, basta a gente fazer a nossa parte. Eu saio daqui com muita esperança.” (Lúcia Helena Parazzi)
“Existe um autor, Mário Sérgio Cortella, que diz que nós somos a primeira geração que não cuida das próximas gerações e nesse Seminário houve um esforço dessa geração para cuidar da próxima geração.” (Samuel de Souza Neto)