A retrospectiva da arte sempre mostrou que a sua história não foi feita por um homem só. Na música, infinitas composições mostram diferentes olhares sobre um mesmo assunto e são geralmente feitas por um ou mais compositores, produtores, músicos e técnicos. Até mesmo para que um show possa acontecer, existem mais de 60 diferentes funções em uma só apresentação. A arte raramente acontece sozinha. Arte coletiva.
Dessa forma, no ano passado, também eu tive a oportunidade de criar arte na Oficina de Dj e Produção Musical da ONG AFAGO, na Zona Sul de São Paulo. Na oficina existem cerca de 80 adolescentes que, além aprender grafite e percussão com outros profissionais, puderam expressar a sua musicalidade através de dinâmicas, aulas de história da música, gravações, filmagens e apresentações para a comunidade.
Descobrir-se para descobrir o outro
Foi incrível perceber a vontade que os jovens tinham de querer dizer algo, mesmo sem saber exatamente o que. Portanto, era imprescindível explicar que a música pela música não era nada, era preciso criar união entre o grupo para que a arte coletivaacontecesse. A partir dessa coesão surgiu uma grande ideia: como a ONG fez 20 anos em 2013, que tal contar a história da comunidade? Foi então que muitos descobriram suas origens; a forma com que a comunidade deixou de ser uma favela para se tornar um bairro; as personalidades que fizeram história no passar dos anos; e os sonhos que muitos ali compartilhavam entre si.
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Após iniciarmos a produção da primeira música, ficou evidente a preferência de alguns ritmos como principal influência. Estava certo que falar sobre outros estilos seria um desafio interessante, pois a arte está no encontrar o novo. A turma adorou descobrir as músicas que se ouviam nos primeiros tempos da humanidade; ficou curiosíssima ao ouvir cada instrumento de uma orquestra; se sentiram verdadeiros Dj’s ao tocar em equipamentos profissionais, mas entenderam que não é tão fácil assim criar a arte em conjunto.
Para a segunda música que produzimos, partimos de uma sugestão dada pelos próprios alunos: já que metade da turma gosta de funk e a outra prefere rock, porque não juntar as duas músicas para também recriar aquela coesão que se formou no grupo? Sabendo que nós só tínhamos a ganhar com todos os elementos rítmicos e melódicos que existem nos dois estilos, partimos para a produção. O resultado é incrível:
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Arte coletiva: novas ideias que, unidas, geram novos caminhos
Essa mesma experiência de trabalhar tentando criar uma coesão entre pessoas de gostos diferentes, fizemos na escolha do repertório da festa de formatura que estava por vir na comunidade. Você consegue imaginar uma festa na periferia? Caso esteja pensando algo pejorativo, acabe com qualquer preconceito nesse instante, pois aquela foi uma das melhores festas que eu já participei. Com alegria, muita animação, sem álcool, sem palavrões e preconceitos, nossa playlist fez sucesso. Tentamos agradar a todos passando por todos os ritmos e quem comandava as “pick-ups”* eram os próprios adolescentes.
A aventura de 6 meses com os jovens da AFAGO foi um importante aprendizado para todos e ajudou-nos a entender que, quando ouvimos o outro com atenção, fazemos dele uma parte de nós mesmos, criando a arte coletiva, feita por todos, pensada por todos e, principalmente, para todos.
O caminho da ostentação, tão difundida pelo funk e pelo hip hop, que tem crescido na periferia, criou a fútil tendência a agregar o valor de pessoas ao dinheiro, a joias e os bens materiais. Essa concepção, que também era muito utilizada pelos jovens da ONG, foi, aos poucos, se transformando em “ostentação” da arte coletiva, da vida e do respeito pelas conquistas que fizemos ali.
*O equipamento básico de um disc jockey, mais conhecido como DJ, é composto de dois toca-discos e um mixer – aparelho que permite que duas músicas toquem sincronizadas. Instrumento típico das pistas de dança, foi a pickup que tirou os DJs dos estúdios de gravação e de rádio para roubar a cena das discotecas na década de 1970. Com o crescimento da música eletrônica, os DJs fizeram a festa misturando estilos e pedaços de canções para criar composições próprias. Até os anos 80, a discotecagem era feita apenas com discos de vinil, mas hoje já dá para fazer barulho com CDs e até arquivos MP3.
Rafael Volpe – Formado em Piano Popular pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul (FASCS) e Comunicação Social com ênfase em Radialismo pela Universidade Metodista de São Paulo(UMESP). Trabalha como Produtor e DJ em eventos, além de realizar oficinas musicais em projetos sociais. Já trabalhou em produtoras musicais e em emissoras de televisão, quanto também se especializou em Composição Musical pela Escola Internacional OMID de Música e Tecnologia.