O jantar e suas histórias │Natália Zen

jantar

‘One of the Family’, Frederick Cotman, 1880

O encontrar-se ao redor de uma mesa para fazer a refeição é prática diária e presente na maioria das culturas desde tempos remotos. Não importa o que virá servido no prato e de que maneiras serão degustadas… Já pensou que café da manhã, almoço, café da tarde ou jantar podem ser “desculpas” para momentos de uma prazerosa convivência? Em casa, temos esse costume desde que me conheço por gente. No meu caso, ao menos 24 anos.

No “clã” dos Marques Zen, em uma refeição (geralmente o jantar) todos nos sentamos à mesa e partilhamos, além do pão francês com alguma mistura dentro, uns 40 minutos, no mínimo, de como foi o dia, de histórias que escutamos, nos “atualizamos” uns dos outros, damos boas risadas, recebemos broncas (às vezes os pais dos filhos), refletimos sobre a vida…

Acredito que essa prática seja algo que, quando eu sair de casa, sentirei mais falta. Não é uma obrigação, é quase um “ritual diário”, mas daqueles feitos com vontade, por você já ter a certeza de que será garantido um período de qualidade!

Com a rotina louca que cada um tem, com a sensação de que o tempo tem passado bem mais rápido a cada ano, a cada mês, é gostoso saber que existe algo já previsto no seu dia, que por mais que você não viva atrelado aos seus próximos mais próximos, existe um esforço para que haja o tal “convívio familiar”.

Não deixa de ser também um exercício de escuta e respeito, pois conviver três gerações, não é nada fácil. Sem dúvidas, cada qual procura ser ouvida ao seu modo e nem sempre essa troca ocorre harmoniosamente. Não chegamos a jogar pratos uns nos outros, mas há de se convir que seja oportuno (e necessário) pedir desculpas vez ou outra, quando não deixamos o outro se expressar muito bem. Talvez pela ânsia que temos em nos comunicar, nos esquecemos de, literalmente, silenciar a nós mesmos e escutar, de fato, algo importante para quem está dividindo a mesa conosco.

Com todos os dissabores que podem advir de ocasiões partilhadas, acredito que sempre há uma sobremesa que apetece a todos e nos levantamos sustentados, tanto de pão como de atenção e afeto.

Com licença, que agora vou lá arrumar a mesa que o pessoal está chegando para jantar!

Copa fora do Brasil: A emoção de torcer pela Suíça

torcer pela Suíça

©Pierre Albouy

Quando a gente casa, leva junto com a esposa: sua família, suas qualidades, defeitos e, no meu caso, também a nação. E ontem, pela primeira vez na Copa, minha segunda nação – a Suíça –  jogou. Quanta emoção!

A Suíça, os suíços e o futebol

Desde que cheguei à Suíça fui acolhido pelo Estado e pelo povo da melhor forma possível. Mesmo, geralmente, bastante fechados, os suíços são maravilhosos. Respeitam uns aos outros e, de maneira discreta, se alegram com aquilo que têm de bom.

Neste período aqui na Confederação[i], com todas as dificuldades e sofrimentos que uma readaptação causa, tenho continuamente me apaixonado por esse país, descobrindo suas qualidades e aceitando seus defeitos.

torcer pela Suíça

©Pierre Albouy

Um país de 8 milhões de habitantes que, na sua grande diversidade, consegue manter-se unido e preservar suas riquezas com auxílio da política. Uma unidade sólida, que não é baseada em discursos ideológicos ou justificativas sentimentais.

Aqui, as crianças também adoram o futebol. A grande diferença, contudo, é ausência de uma referência, de um jogador específico que carregue a “Nati”, como chamam os suíços, como um embaixador futebolístico do país em todo o mundo.

Não! Aqui as crianças conhecem, sobretudo, o Neymar, Cristiano Ronaldo, Messi e torcem timidamente pela própria seleção.

Respeito, trabalho e resultados expressivos

Orgulhosos e contentes em serem uma prazerosa surpresa entre as tradicionais seleções de futebol, os suíços não são eufóricos, não esperam demais de sua seleção e nem pressionam seus jogadores. Tudo é feito com equilíbrio e também com uma verdadeira autocrítica.

Esse comportamento comedido, discreto, respeitoso, parece ter ajudado a levar a Suíça, em termos futebolísticos, aonde ela está hoje: a sexta seleção entre aquelas que mais se destacam na atualidade, com uma produtividade que a tornou cabeça de chave desse mundial.

Mesmo sem tanta tradição no futebol, a Suíça merece estar lá. Não tem um time mágico, nem uma grande estrela, mas com trabalho, respeito e união na diversidade (os jogadores suíços são de três línguas maternas diferentes) vem ganhando destaque.

Minha avaliação do jogo contra o Equador

torcer pela SuíçaA seleção Suíça não é conhecida pelo seu poder ofensivo. Assistindo aos jogos eu, quase sempre, tive a impressão que o maior objetivo dos jogadores não era fazer gols, mais evitá-los. Porém, desde as últimas eliminatórias, a Suíça adotou um novo estilo de jogo, ofensivo e verticalizado, aproveitando do talento de promessas como Shakiri, Seferovic e outros.

O que se viu no primeiro tempo, porém, foi um time tenso, estático, muito porque o (antipático) técnico alemão, Ottmar Hitzfeld, armou mal o time e preferiu, equivocadamente, Drmic no lugar do jovem Seferovic, um atacante com faro de gol. A seleção helvética terminou o primeiro tempo perdendo, mas logo no início do segundo conseguiu o empate. A pressão, contudo, não dava resultado até que entrou Seferovic e, no último minuto, conseguiu a virada.

A festa aqui em Genebra foi grande. Buzinas, gritos, um clima de alegria geral, pois foi superado o primeiro desafio. Não acredito que a Suíça irá ganhar a Copa mas, tenho que admitir que foi muito mais emocionante ver minha segunda nação ganhar um jogo do mundial de futebol, que o Brasil.

Parece que nós brasileiros só aceitamos a vitória. Queremos conquistá-la a todo custo (até de maneira ilícita). Aqui, na pequena Suíça, vencer no futebol é “lutar” sem grandes jogadores, mas com trabalho, perseverança e união. Como nós, brasileiros, buscamos fazer na vida. Nesses momentos, tenho a impressão que a vitória vale bem mais.

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[i] Confederação Helvética é um dos nomes da Suíça

Copa fora do Brasil: Com sofrimento sim, mas sem a ajuda do juiz!

Copa fora

Ontem, acordei ansioso. Mesmo se todo o exterior me dizia que seria só mais um dia normal, no fundo, eu sabia que não era. Parece que, quanto mais tempo passo longe do meu país, mais me dou conta da “mística” em ser brasileiro, principalmente quando se trata de futebol.

Botei minha camisa da seleção “à lá Palmeiras” e, encorajado pela minha esposa, mesmo com vergonha, decidi colocar as bandeiras na sacada do nosso apartamento. Afinal de contas, alguém tem que começar a decorar a cidade!

Copa fora=Depois de arrumar a casa, fui para o curso de francês. Na minha sala: um peruano, dois chineses, uma marroquina, uma polaca, uma boliviana e uma malauiana (para quem não sabe, o Malawi é um país no sudeste africano).

Entre os meus colegas de classe, um fator em comum: nenhum deles vai torcer pela sua seleção durante a Copa do Mundo. Isso me torna, em linhas gerais, o único realmente interessado pelo evento esportivo e me deixa sem ninguém para conversar, zuar e provocar.

Durante as três horas de curso, a ansiedade foi aumentando e, junto com ela, o desejo de estar vivendo este dia especial do outro lado do Atlântico.

Copa fora do Brasil: especialistas em futebol ou em política brasileira?

Voltando para casa, já com a cerveja esfriando no congelador, ligo a televisão para o “esquenta” pré-jogo. Contudo, ao ouvir os comentaristas da televisão suíça (RSI2) discursando sobre a situação atual do Brasil, percebi que talvez era melhor ter deixado a TV desligada.

Aqui na Europa, de maneira particular na Suíça, parece que existem milhares de especialistas em Brasil. Toda a nossa situação sociopolítica, com origens e desenvolvimento complexos (muito além dos atuais protestos contra o governo e a FIFA), tem sido comentada por gente despreparada e, como era de se esperar, acaba reproduzida pela massa.

Alguém precisa avisar os comentaristas das TVs de todo o mundo que a Copa é um evento futebolístico e eles foram contratados para falar de futebol. Não de política! Porque, sobre isso, eles não têm muito a acrescentar.

Minha análise conclusiva sobre o jogo de ontem

Enfim. As horas passaram e finalmente a hora do jogo chegou. Lá fora, alguns bares transmitiram o jogo, mas nada de gritaria, festa, rojões, afinal de contas, não é o Brasil. Eu, por outro lado, já fiquei rouco no primeiro gol da seleção e, depois, festejei com minha esposa e amigos a vitória polêmica contra a Croácia.

Bom. O juiz japonês interferiu diretamente no jogo? Interferiu. O Brasil jogou mal? Jogou. Mas isso não quer dizer que a seleção brasileira não mereceu ganhar. Fizemos todos os gols do jogo (um contra) e, mesmo de forma desorganizada, buscamos a vitória.

A Croácia deve ter dado uns 4 ou 5 chutes a gol e, mesmo com um meio de campo muito habilidoso, não conseguiu ser um perigo real para o Brasil. Não adianta agora ficar culpando o arbitro! O Brasil, por pior que tenha jogado, mereceu a vitória, mas espero que seja a última vez, com a ajuda do juiz. Nós não precisamos disso.

E… e… se o Brasil ganhar o hexa de maneira injusta, eu já disse à minha esposa: nunca mais irei assistir uma Copa do Mundo.

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Copa fora do Brasil: será que o pessoal vai mesmo assistir?

copa

Amanhã começa a Copa do Mundo. Bandeiras enfeitando as ruas, as janelas das casas, a entrada dos edifícios; o asfalto sendo pintado de verde e amarelo; os “bolões” nas empresas, universidades, condomínios que talvez nos deixem um pouco menos pobres no dia 13 de julho. Isso tudo, só se você estiver no Brasil neste exato momento!

Aqui, a 9.400 km de distância do País do Futebol, mais exatamente no País do Tênis ou do Chocolate, não vai ter nada disso! Faltando um dia para a partida de abertura do evento esportivo mais importante do mundo, não se sente por aqui nem um mínimo entusiasmo de “Copa do Mundo”.

Nada de bandeira na janela

Há algumas semanas atrás, fui alegremente comprar minha bandeira tupiniquim (e outra da Suíça, afinal de contas somos uma família binacional) na esperança de pendurá-la na sacada do nosso pequeno apartamento. Decidi esperar alguns dias para ver se haveriam outras na nossa rua, mas nada.

Ninguém! Nenhum habitante da nossa rua, ou melhor, do nosso bairro inteiro, colocou a bandeira do próprio país na janela de casa! Os únicos lugares que têm decoração de Copa do Mundo são os supermercados, que querem aproveitar a ocasião para enfiar “goela abaixo” os produtos diretamente relacionados ao evento.

Dessa forma, tenho de admitir, fiquei com vergonha de colocar minha bandeira na janela.

O pessoal vai mesmo assistir à Copa?

Pelo fato de gostarmos muito de viver bons momentos com nossos amigos (e não querendo uma resposta negativa para a pergunta acima) eu e minha esposa decidimos convidar a “gringaiada” para assistir conosco Brasil x Croácia aqui de casa. Cerveja, chips de feijoada (dá pra acreditar????), guaraná antártica. Tudo pronto para a festa de amanhã (espero!).

Copa

Festa? Bem, sinceramente, não acredito que vai ter muita festa por aqui. Talvez eu até tenha que tomar cuidado para não gritar demais e acordar os vizinhos que, provavelmente, estarão dormindo. (Pois, afinal de contas, depois de amanhã é dia de trabalho!)

Enfim… vamos ver como vai ser assistir mais uma Copa fora do Brasil. Espero que dê mais sorte que na Copa passada. Entretanto, dessa vez, vou contar tudo para quem quiser saber.

Sour Cristina e o testemunho de uma Igreja que quer se renovar

Sour Cristina

Estando dessas partes do Atlântico, pude acompanhar ao vivo a final do programa The Voice Itália. Essa edição, em particular, ficou famosa em todo o mundo pela presença inusitada de uma jovem freira que, com seu talento, conquistou a simpatia dos italianos ao ponto de vencer o programa musical.

A humanidade dos consagrados

Sour CristinaComo católico, admito que fiquei contente em ver uma freira participando de um programa leigo e de grande audiência. Parecia-me uma ótima oportunidade para a quebra dos estereótipos atribuídos àqueles que abdicam de “controlar”, individualmente, a própria vida para viver, em comunidade, por Algo Maior.

Por sorte, além do contato constante com os consagrados do Movimento dos Focolares, durante meus estudos na Itália, tive a oportunidade de conviver com uma freira burundiana que me fez experimentar o afeto e amizade de alguém que se tornou, profundamente, minha “irmã”.

Freiras, padres, consagrados em geral são seres humanos como todos nós. Sonham, desejam, conquistam, sacrificam e perdem. Talvez a “santificação” que lhes é conferida – principalmente por quem não os conhece pessoalmente – é consequência do estupor diante da renúncia consciente e do testemunho de vida que eles promovem.

Suor Cristina: o fenômeno midiático

Suor Cristina é a prova concreta da surpresa coletiva ao ver na mídia uma jovem freira feliz e, acima de tudo, talentosa. Geralmente, atribui-se à vida consagrada pessoas feias, infelizes, fracassadas. A jovem italiana quis mostrar que isso não é verdade, mas a maneira como tudo aconteceu foi bem constrangedora.

Talvez por ingenuidade, Sour Cristina e suas coirmãs não imaginavam que hoje o mundo inteiro estaria falando delas. Por isso, provavelmente, aceitaram participar de um programa como o The Voice. Da mesma forma, a produção do programa musical pareceu não mensurar as consequências de terem aceitado a participação freira.

[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=nJYNj6cZo10]

Contudo, ao abrir sua boca, Suor Cristina não só mostrou seu grande talento com o microfone em mãos, mas começou uma experiência inusitada, que só terminaria ontem, na final da competição musical.

Pessoalmente, sempre que assistia a uma das apresentações da jovem freira, ficava feliz com o seu testemunho midiático. No fundo, acreditava que a sua presença iria estimular o apreço respeitoso pela escolha de vida da jovem consagrada.  Erro meu. Ontem, mesmo depois de mais de um mês convivendo com os treinadores e o staff do programa, não faltaram colocações preconceituosas, estereotipadas e até ofensivas relacionadas à freira.

Erros e acertos de uma experiência nova

Suor CristinaDe certa forma, acredito que, em linhas gerais, a participação de Suor Cristina no The Voice foi um movimento mal calculado, equivocado, pois, no fundo, a freira italiana estava participando de uma competição sem querer competir, sem o – aparente – desejo de ganhar.

A jovem Sour Cristina queria, acima de tudo, testemunhar, com seu talento, a alegria da sua escolha como consagrada; mostrar que escolher Deus não é abdicar dos prazeres e alegrias pessoais. Ambos são potencializados no doar-se aos outros. Mas, o The Voice é uma competição. É um programa feito para dar a oportunidade a cantores talentosos de começar a própria carreira.

O fato de Suor Cristina abdicar da vitória ocultou o motivo pelo qual o programa realmente existe. Isso ficou evidente no seu último episódio: a freira, ao receber o troféu de vencedora, nem sequer quis segurá-lo por muito tempo. Parecia que uma exaltação pessoal esconderia o verdadeiro motivo pela qual ela estava ali cantando. Em seguida, de maneira inesperada, ela recitou um Pai Nosso “ao vivo” com aqueles – poucos – que se dispuseram a acompanhá-la.

O momento um pouco constrangedor na “apoteose” do The Voice me fez pensar no modo como o mundo religioso deseja se fazer presente na sociedade. A mesma Suor Cristina disse, inúmeras vezes, que a sua decisão de participar do programa era impulsionada pelo convite do Papa Francisco aos cristãos para “saírem dos conventos” e evangelizaremo mundo.

Aparentemente, foi isso o que Suor Cristina fez, só não sei se era a maneira correta. Isso só o tempo poderá dizer. Mas, como o Papa Francisco disse:

“prefiro uma Igreja acidentada, ferida, enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar as próprias seguranças”.

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