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A alegria de estar insatisfeito

insatisfeitos

Há muito tempo tenho procurado reencontrar meu lugar dentro das estruturas religiosas que sempre tiveram um espaço importante na minha vida. A angústia pela falta de respostas foi criando um crescente sentimento de frustração interior. Insatisfeito era certamente a melhor palavra para exprimir como me sentia. Na verdade, acredito que sou um insatisfeito crônico –, mas quando me deparei com “Espiritualidade para insatisfeitos”, do teólogo cristão José Maria Castillo, entendi que isso não é necessariamente algo ruim.

O livro de Castillo é uma interessante reflexão sobre a espiritualidade como movimento interior e exterior. É um livro que, acima de tudo, propõe uma espiritualidade baseada na ação, pois como o autor mesmo afirma, “aquele surpreendente judeu que foi Jesus de Nazaré, antes de ser um mestre de espiritualidade, foi um mestre de vida, um mestre para a vida”.

Entres muitas coisas, o autor ressalta a importância da busca pela felicidade que não se limita a realização das necessidades individuais. Ele convida a viver a “Utopia do reino”, que nada mais é do que a crítica ao mundo e os valores de hoje e, ao mesmo tempo, o caminho para a construção de uma sociedade “onde os seres humanos, todos os seres humanos, encontram um sentido para suas vidas, paz, dignidade, felicidade e esperança”.

Com o livro, pude redescobrir que o meu papel como cristão é o de corajosamente renunciar a ser o centro e testemunhar a Utopia do reino. Isto é, viver conscientemente uma vida “disponível para dar vida, defender a vida e a dignidade da vida que temos de conviver. E, por isso, uma vida que comunica felicidade, paz, calma, alegria e esperança”.

Sim, é fundamental encontrar o próprio espaço de atuação, um ambiente propício para o crescimento interior e que também seja combustível para a ação social. Porém, o mais importante é entender que o centro da espiritualidade cristã é a vida.

« Espiritualidade para insatisfeitos » foi um presente nessa etapa cheia de mudanças pessoais. O livro, além de me libertar de muitas amarras interiores, ajudou a “calibrar a direção” para continuar seguindo o caminho que escolhi percorrer na minha jornada nesse mundo.

Deus 2.0

Há tempos não tinha a oportunidade de refletir conscientemente e “em voz alta” sobre a minha visão de Deus e a sua aplicação nas minhas crenças e práticas religiosas.

A escolha de qual Deus adorar é uma herança familiar e, independentemente de como levei ela a diante, ela deu forma aos valores fundamentais que carrego comigo até hoje.

Um momento chave da minha adesão pessoal ao Deus cristão, católico, foi a minha Crisma. Durante aquele período de “formação religiosa” dificultei muito a vida dos meus formadores, questionando dogmas e práticas, ao meu ver, ultrapassadas e deturpadas. Já ali não aceitava a visão de um Deus distante, estático, que pune pecadores, seleciona os bons e os separa dos maus, que exige práticas de louvor e que ignora as mazelas da humanidade.

A partir da minha adolescência comecei a amadurecer uma visão de um Deus «acompanhante», que está ao meu lado e não “fora”, da mesma forma que se manifesta dentro de mim. Ele é a minha inclinação para o bem, o meu bom senso e, sobretudo, o Amor que carrego.

Recentemente tenho procurado reconceituar Deus e a sua relação com a Felicidade. Talvez a paternidade tenha um papel fundamental nessa tentativa de aprofundar meus credos para vivê-los melhor e explicar para minha filha o porquê das minhas escolhas.

Acho que o “meu” Deus está muito mais na busca da Felicidade do que em qualquer outra coisa. Toda a Sua manifestação direcionada ao bem que mencionei acima não é estática, é processo, relação, que depende de “um outro” para existir e por isso é tão difícil de «agarrar» e rotular.

Deus é dimensão relacional da natureza direcionada ao bem. E a Felicidade está na busca interior, na nossa essência, dos atributos e da disposição (as vezes custosa) do encontro com o outro (não necessariamente humano), profundamente diferente de nós. É nesse encontro entre diferentes, dispostos e abertos uns aos outros, que podemos experimentar a potência construtiva de Deus e é ali que habita a tal Felicidade.

verdade

A mídia é mentirosa? Jornalismo e a busca da verdade

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Está lá no meu curriculum. É só entrar no Linkedin e conferir: “Jornalista profissional com mais de 8 anos de experiência”. Bom, mas o que isso significa? Esse tempo serve como atestado absoluto de credibilidade?

Não sei se já disse publicamente, mas escolhi estudar jornalismo por considerar a partilha um dos pilares da existência humana. No meu entendimento, partilhar é uma forma de comunicação interpessoal. Ela exige, indiscutivelmente, o envolvimento de dois ou mais sujeitos. O jornalismo, impulsionado pela ideia de uma comunicação “de massa”, nada mais é que uma partilha “em larga escala”. Com ele, comunicar torna-se o árduo ofício de identificar, na cotidianidade dos fatos, aspectos que nos ligam e nos fazem, em qualquer parte do planeta, iguais, “irmãos”.

Bonita essa explicação, não? Eu acho. Mais do que isso, eu acredito nesse “ideal”. Abstendo-se de promover esse encontro “ontológico”, o jornalismo não passa de um alto falante dos poderosos, que usam a mídia para promover interesses particulares.

A mídia: verdade ou mentira?

verdadeSempre me informei por meio da mídia em geral. Ultimamente tenho confiado um pouco mais em estudos de organizações internacionais, mas, no fundo, ninguém me garante que elas são 100% imparciais.

Então, para conhecer a verdade, é preciso observar os fatos com próprios olhos? Sim e não. Claro que a possibilidade de observar um fato “in loco” é uma riqueza e tanto, porém, duas pessoas que testemunham um mesmo fato podem tirar conclusões completamente antagônicas. Eu minha esposa experimentamos isso na nossa recente passagem pelo continente africano.

Mas, afinal de contas, é possível defender uma verdade “jornalística”? Existem informações absolutamente confiáveis? Difícil responder.

Acho que tudo passa pela identificação de padrões nas informações divulgadas. A imparcialidade defendida pelo jornalismo é um instrumento importante, pois tem como premissa o fato e não a sua interpretação. Porém, toda informação precisa nos levar a algum lugar. Os fatos precisam ser enriquecidos por outras informações e opiniões equilibradas que respeitem a complexidade dos mesmos.

Atenção ao equilíbrio!

Equilíbrio. Essa é a sensação que procuro experimentar ao “consumir” uma informação. Mesmo consciente de que o jornalismo, para simplificar, insiste no jogo maniqueísta.

Gosto de pensar na Verdade como um quebra-cabeças. Para chegar à ela é preciso considerar todas as vozes. Cada “peça” é fundamental para um resultado satisfatório. Contudo, para montá-lo são fundamentais a paciência, a atenção e o discernimento crítico das informações/peças que se tem em mãos. O resultado final, as sínteses, precisam, entretanto, serem universais.

Giuseppe Zanghì

Ao mestre Giuseppe Zanghì

Giuseppe Zanghì Giuseppe Zanghì

Encontrar Giuseppe Zanghì não foi uma experiência trivial. O homem cuja especialidade era transformar inspirações em teorias tinha mesmo uma luz diferente.

Sua presença expansiva transparecia, para mim, uma certa “impaciência”, perceptível em todos aqueles que vivem aqui, mas com a alma “là na frente”.

Uma lembrança de Giuseppe Zanghì

Uma vez, logo depois de uma conferência feita para os adolescentes dos Focolares em 2005, tive o privilégio de presenciar o encontro dele com dois  expectadores que, curiosos, queriam uma resposta as suas angústias em relação à vida.

“Entendo o que você esta querendo me perguntar, mas acho que é preciso que aprendamos a ir no mais profundo da nossa existência. Sabe aquele lugar, lá dentro de nós? Então, mais profundo ainda. Só assim podemos descobrir aonde estar a verdadeira felicidade”.

Não sei se essas foram as palavras literais de Zanghì, mas a tal “sede de profundidade” acabou me contagiando e acompanhando por muito tempo, até finalmente me levar ao Instituto Universitario Sophia. Lá, diante daquele audacioso projeto de “vida e estudo”, pude colher alguns dos incomensuráveis frutos da vida e das sínteses intelectuais desse grande mestre.

Giuseppe ZanghìCom 85 anos, Peppuccio – como era conhecido entre as pessoas do Focolares – se foi, deixando um patrimônio de leituras que aproximam “Céu” e “Terra”. Em mim, a gostosa lembrança de um “fratello” cheio de uma “santa” teimosia, alegria, além do sorriso de um verdadeiro “menino de Deus”.

minorias mudas

Minorias mudas: um produto do jornalismo unidimensional

minorias mudas

É fato: quando a mídia trata, principalmente, de acontecimentos no continente africano ou no Oriente Médio, temos uma leitura unidimensional que produz aquelas que considero minorias mudas. Calma. Vou tentar explicar abaixo.

Graças ao aprendizado da língua, agora tenho o privilégio de poder acompanhar as leituras midiáticas também em francês. Em uma delas a vice presidente da União Francesa dos Judeus pela Paz, Michèle Sibony, evidencia a produção de um discurso unilateral pela imprensa Europeia que acaba legitimando os ataques israelenses direcionados à Gaza.

A “Guerra Santa” que o “Ocidente pós 11 de setembro” tem traçado contra o islamismo coloca as diferenças religiosas como principal promotor de um conflito extremamente complexo, como é aquele entre Israel e Palestina. A necessidade maniqueísta de identificar aqueles que são, segundo o Ocidente, os “bons” – o “povo judeu” –  e os “maus” – os terroristas do Hamas –  em vez de promover um aprofundamento das verdadeiras questões, reduz as possibilidades de um real entendimento e uma plausível negociação.

Segundo Michèle Sibony, no que diz respeito ao conflito Israel-Palestina, a mídia ignora as vozes da minoria e, dessa forma, “rouba” a sua capacidade de apresentar e defender suas causas em uma situação de paridade. Eu diria que elas, assim, permanecem minorias mudas.

Dar forma aos fatos

minorias mudas

Na minha tese de “laurea magistrale” fiz um mergulho (não tão profundo, porém decidido) na comunicação como dimensão ontológica da pessoa humana. Por ser parte do nosso “ser no mundo” a comunicação também subsiste nos instrumentos que forjamos para exprimir nossa existência. Queremos comunicar com nós mesmos, com os outros e com o Transcendente, esta última, uma dimensão ignorada, quase subjugada, mas que precisa urgentemente ser redescoberta.

A partir deste estudo inicial, que me fez entender qual seria a “alma” da comunicação, passei a aplicar essa visão tridimensional do “comunicar” às diferentes análises e percepções que fiz a respeito da mídia de massa, visando entender melhor como ela se comporta ao traduzir sua leitura dos acontecimentos (ou fatos) em informação.

Informar é, acima de tudo, dar forma. Nada de novo, claro. Sobretudo no que diz respeito ao significado semântico do termo. Contudo, as “formas” que são dadas aos fatos do cotidiano, nem sempre espelham a sua universalidade.

Como, geralmente, são sempre as mesmas pessoas, as mesmas empresas de comunicação, dos mesmos países que “informam” o mundo, acabam  sendo sempre promovidas as mesmas visões, que evidenciam interesses específicos.

Dar voz as minorias mudas

“O simétrico da comunicação, na ordem dos valores, é o respeito ao outro e a confiança. Comunicar com o outro é reconhecê-lo como sujeito, portanto, estar mais ou menos obrigado a ter-lhe alguma estima”, explica Dominique Wolton e acrescenta “a comunicação obriga ao mesmo tempo à argumentação e a tolerância. (…) O essencial é esta demanda de compreensão de si e da melhora das relações com o outro.”

Simetria. Respeito ao outro. Confiança. Reconhecimento. Estima. Tolerância. Todos termos que exprimem a intrínseca relação existente entre comunicar e “o outro”.  Em uma sociedade como a nossa, em que o poder da palavra e da imagem é decisivo, quando o jornalismo perde essa capacidade relacional, multidimensional, ecoa aquele que eu chamo de “Fundamentalismo da palavra”, em que a opressão ideológica se baseia no dar voz exclusiva a um ponto de vista e silenciar “o outro”.

Para Wolton “confiança e respeito são as palavras chaves da sociedade de comunicação”. Não se pode jamais silenciar as minorias, os mais fracos. É esse o grande motor dos holocaustos.

Neste caso o jornalismo precisa ser responsabilizado. Especialmente quando, em vez de buscar a Verdade, fundada na relação entre as diferentes vozes, ele se torna uma espécie de assessoria de imprensa das ideologias de governos e governantes aproveitadores.

O desafio é grande!

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