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Morar fora? Pra que?

globeinhands

Eu passei quase metade dos últimos 10 anos vivendo no estrangeiro. O “glamour” desse fato, porém, se desfaz no que acredito serem as principais riquezas dessa experiência: o árduo exercício de “inculturação” e a valorização da própria cultura.

Quando nos limitamos a viver em um espaço físico reduzido, muitas vezes temos uma visão proporcional às coisas e o mundo. Ampliando os limites adquirem-se outras perspectivas, que nos transformam na essência e nos fazem ver que muitas experiências podem ser vividas de maneira completamente diferente e, mesmo assim, darem certo. É neste aspecto que se traduz a “inculturação”, completamente diferente de conhecer “o diferente” em passeios turísticos.

Adaptar-se a uma nova cultura é um exercício doloroso. Nesse processo de “perda” existe muita fadiga, revolta, sacrifício, mas que, quando superados, nos ajudam a crescer.

As maiores dificuldades são em relação ao clima, à comida e o idioma. Esse “triplo obstáculo” fundamenta qualquer processo de adaptação e se não for vencido, acaba transformando qualquer aventura em uma experiência traumática.

Depois dessa primeira fase, a vida no estrangeiro melhora bastante. Começamos a nos sentir bem, nos comunicar com os outros e, com isso, surgem outros dois novos desafios, menores, mas potencialmente destrutivos, se não forem lidados de maneira positiva: a não aceitação da diferença (ou a constante comparação) e a saudade.

Viver com “o diferente” nos leva constantemente a confrontar seus hábitos com os nossos esquemas psicológicos, construídos no processo de crescimento. A afetividade, abertura, seriedade, justiça, pontualidade… modos e valores… se plasmaram de maneira diferente em todo o mundo. A consciência (ou inconsciência) em relação a isso pode nos aproximar ou nos afastar da cultura alheia. Impedir-nos de entrar em profundidade, nos deixando simplesmente “fora” da vivência cultural.

As experiências que fiz me ensinaram a estar sempre aberto. Saber que “inculturação” exige, sempre, renúncia, mas que, por outro lado, promove benefícios profundos no nosso desenvolvimento.

Porém, mesmo o mais “inculturado” dos “estrangeiros” vai ter que aprender a lidar também com a saudade. Estar em outra cultura é sempre “estar em outra casa”. Nós temos raízes, origens, que nada é capaz de apagar. Basta ouvir alguém falando a nossa língua, usar a camiseta do nosso país, ouvir uma música ou encontrar alguém que conhece a nossa “casa” que a saudade “bate”.

E ter saudade é sinal de reconhecimento! É ter certeza de que somos de um determinado lugar, fruto de uma determinada cultura. Contudo, como qualquer sentimento, a saudade também pode ser controlada. Aprender a lidar com ela pode nos ajudar a redimensionar o significado de família, nação, casa.

Essa foi uma das experiências mais bonitas que fiz vivendo fora do país. Depois de tanto tempo longe, entendi que minha família, meu país, amigos, podem ser também aqueles com quem eu partilho cada momento, independente de onde esteja.

Superados estes desafios, descobre-se o quanto é bom morar fora. Uma experiência que todos deveriam fazer.

Intervenções urbanas de Eduardo Srur

farol

eduardosrur.tumblr.com

Todos os dias, durante o meu trajeto de retorno à casa, pedalando (claro!), passo pelo centro histórico de São Paulo.

Liberdade, Praça da Sé, Rua Direita, Mosteiro de São Bento e Vale do Anhangabaú são as principais atrações desse percurso cultural, que a vida de ciclista me permite admirar.

Contudo, na última semana, passando por ali, me deparei com uma intervenção artística, muito interessante, que me apresentou o inusitado artista plástico Eduardo Srur.

Um Farol, coberto com 15 mil ratos de borracha, de 8 metros de altura, avisa “os navegantes” paulistanos, sobre uma realidade, sempre escondida, do submundo da metrópole. Segundo o artista, São Paulo tem uma das maiores populações de ratos do planeta, com uma média de quase 15 por habitante.

Eduardo Srur é famoso por suas intervenções a céu aberto na cidade de São Paulo – garrafas pets gigante ou caiaques nos rios Pinheiros e Tietê -, instalações provocativas que denunciam o caos urbano.

Uma das suas intervenções mais interessantes que vi no seu blog eduardosrur.tumblr.com  foi a carruagem em tamanho real, instalada no mastro da ponte estaiada e que compara a velocidade média de deslocamento de um carro no trânsito paulistano no horário de pico, com a velocidade de uma carruagem nos tempos do Império.

Um artista interessante de conhecer. Made in Brazil. O que dá um orgulho especial.

Intervenção da carruagem:

[vimeo=http://vimeo.com/52162322]

Lição ao definir um atentado

atentado

Sempre ouvi dizer que as diferenças enriquecem o casamento. Posso garantir, sendo casado com uma estrangeira, que essa é uma verdade fundamental.

A diferença ajuda a gente a ser mais completo, a ampliar as perspectivas, desenvolver nossa sensibilidade e, assim, errar menos. Ontem, tive mais uma prova dessa realidade.

No final da tarde, entrei na internet e descobri que tinham sido explodidas duas bombas em Boston. Como jornalista, lendo os fatos que iam sendo apresentados pelos sites e redes de televisão, concluí, pelas evidências, que se tratava de um atentado terrorista.

O evento na capital do estado Massachusetts tinha um simbolismo importante, local e nacionalmente. Duas explosões aconteceram durante a Maratona de Boston, a mais antiga do mundo (moderno), disputada há 117 anos, e que reunia atletas de todas as partes do mundo.

Para relembrar: o ataque às Torres Gêmeas foi realizado no coração econômico dos Estados Unidos (Nova Iorque), com dois aviões e em dois arranha-céus onde trabalhavam uma vasta representação internacional.

As semelhanças são muitas, mas aqui emerge o valor da diferença: O jornalista é “treinado” para realizar uma leitura imediata dos fatos, para depois definir o evento. Assim, quando alguém perguntar “o que aconteceu?” ele, rapidamente, pode dar uma resposta clara e objetiva. Já uma especialista em relações internacionais, como minha esposa, age de maneira diferente. Assim que eu defini o atentado em Boston como “ataque terrorista” ela, imediatamente, disse que eu deveria tomar cuidado com a terminologia da definição. Não entendi o porquê. Os fatos falavam por si só, mas, passadas algumas horas, assistindo ao discurso de Obama, em que ele também tomou esse cuidado terminológico, me dei conta do quanto é importante respeitar o tempo, a apuração mais aprofundada, mesmo que a notícia “tenha que sair”.

O termo “terrorismo” e a sua instrumentalização feita, especialmente pelo governo Bush, produziu um mal histórico e serviu para justificar a morte de inúmeros inocentes no Oriente Médio. A chamada “Guerra ao Terror” acentuou o ódio dos “fanáticos” e pode ser considerada uma das causas do discurso demente do ditador norte coreano.

Definir como “atentado” sim, porque foi. Mas incluir “terrorismo” é afirmar que existe uma organização “criminosa” responsável pelo ato de violência, não somente direcionado às pessoas presentes no momento da explosão, mas ao Estado estadunidense e o seu significado simbólico, como liderança do chamado Ocidente. Essa conclusão ainda precisa de tempo.

Mais uma lição que aprendi com as diferenças. Ainda bem que elas existem.

Eles já foram punidos

maioridade penal

O ser humano tem uma capacidade assustadora de se acomodar. Enquanto tudo está bem, geralmente, nós não nos movemos, nos preocupamos, principalmente com os outros. Mas, toda vez que a nossa liberdade e os outros direitos individuais são afetados, saímos aos berros pedindo justiça, liberdade, paz!

A consequência dessa “ação e reação” é, contudo, mais drástica: o desvio do cerne da questão.

Será que a sociedade (sobretudo a rica) pensa no como estão sendo educadas as crianças (sobretudo as pobres) do país? Quem são as referências? A televisão? Quem são os pais? Ou melhor, elas crescem em uma família?

Enquanto é grande a exaltação da união homossexual, por ela ser manifestação da individualidade de cada um (e eu não sou contra ela), ninguém, contudo, se pergunta quais as consequências de uma criança não crescer em uma família, estável e com as duas referências de gênero.

Além disso, a mesma classe A e B que chora a morte de seu filho e condena, com razão, o assassino, exigindo que ele passe em vez de dois, vinte ou trinta anos na cadeia, apoia (ou é motriz de) uma dinâmica laborativa de baixíssimos salários, extenso regime de horas, colocando a “instituição” família em xeque.

Contudo, a formação dos “futuros(?) adultos” tem um papel muito mais decisivo na sociedade do que se possa imaginar.  E, infelizmente, o descaso com ela faz com que todos colhamos aquilo que, como sociedade, temos plantado.

Enquanto o pobre, preto, nordestino (grande maioria entre a população carcerária) continuar sendo explorado, social e economicamente. Enquanto não nos responsabilizarmos pelo mal coletivo que o nosso comodismo – especialmente em relação aos menos favorecidos – gera, a selvageria só irá crescer.

Claro que, isso não exclui o fato de a violência ser sempre injustificável. Assim, o autor, que mesmo com todos os condicionamentos, é “livre” para decidir não usá-la, deve ser punido.

Mas, como diz o Promotor de Justiça no Estado de São Paulo e mestre em Direito Público, José Heitor dos Santos , “no Brasil, a maioridade penal já foi reduzida: Começa aos 12 anos de idade. O maior de 18 anos de idade que pratica crimes e contravenções penais (infrações penais) pode ser preso, processado, condenado e, se o caso, cumprir pena em presídios. O menor de 18 anos de idade, de igual modo, também responde pelos crimes ou contravenções penais (atos infracionais) que pratica” podendo ser “internado (preso), processado, sancionado (condenado) e, se o caso, cumprir a medida (pena) em estabelecimentos educacionais, que são verdadeiros presídios”.

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma conquista que parece querer ser abolida por alguns setores da sociedade, “ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o adolescente (menores) como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, necessitando, em consequência, de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens, autores de infrações penais, tanto que criou diversas medidas sócio-educativas que, na realidade, são verdadeiras penas, iguais àquelas aplicadas aos adultos”.

Enfim, no Brasil, como sempre, a lei que pune já existe. Mas, a tal impunidade crônica, protagonista em grande parte dos setores da sociedade, não permite que a lei seja realmente eficaz, tanto no que diz respeito ao seu cumprimento, quanto ao desenvolvimento, levando sempre em conta o fato de que estamos lidando com seres humanos.

Esses jovens assassinos, socialmente, já nasceram punidos, sem direitos, família, vida. Se a punição não tem dado resultados, parece que é a hora de encontrar outras soluções.

Uma comunicação que não é só informar

comunication

Uma das maiores descobertas teóricas que fiz durante a “concepção” da minha tese de mestrado foi a do conceito de comunicação normativa, que remete ao ideal da comunicação: informar, dialogar, compartilhar, compreender-se. O vocábulo «comunicação», em latim communicatio, é derivado de communicare e significa ação (actio) de comunicar, partilhar, por em comum.

Segundo Wolton, “de valor essencialmente humanista, a dimensão normativa enfatiza a produção de consenso e está ancorada na fraternidade, no respeito pelo outro no ambiente de diversidade cultural das sociedades modernas”.

Este tipo específico de comunicação se choca com a dimensão funcional, que, “como seu nome indica, ilustra o fato de que, nas sociedades modernas, muitas informações são simplesmente necessárias para o funcionamento das relações humanas e sociais”.

As duas dimensões, normativa e funcional, remetem aos dois sentidos do vocábulo comunicação, desenvolvidos ao longo do tempo. “O primeiro, mais antigo, significa compartilhar, comungar” e está ancorado na tradição judaico-cristã. “O segundo, usado a partir do século XVI, está ligado ao progresso técnico e remete à ideia de transmissão e difusão”.

Na verdade, o sentido moderno de comunicação, essencialmente funcional, está profundamente conectado a outro vocábulo: a informação, que, segundo Wolton, “é produzir e distribuir mensagens o mais livremente possível”. Já o sentido antigo de comunicação (normativa) implica “uma relação entre o emissor, à mensagem e o receptor”. Assim, como explica o comunicólogo francês, “comunicar não é apenas produzir informação e distribuí-la, mas também estar atento às condições em que o receptor a recebe, aceita, recusa, remodela, em função de seu horizonte cultural, político e filosófico, e como responde a ela. A comunicação é sempre um processo mais complexo que a informação, pois trata de um encontro com um retorno e, portanto, com um risco”: a “incomunicação”.

Outro aspecto importante da comunicação se relaciona aos três campos em que ela se desenvolve: técnico; econômico; social e cultural, ambos fundamentais para que a mesma possa atingir um número “massivo” de pessoas.

A comunicação moderna tem uma relação forte com o campo técnico. Mas, ele somente cria a ilusão de que, quanto maior a quantidade de informação, mais os seres humanos estarão se comunicando. Para Wolton “seis bilhões e meio de computadores não bastariam de modo algum para assegurar mais comunicação entre os homens. Quanto mais fáceis se tornam as trocas do ponto de vista técnico, mais se torna essencial e difícil satisfazer as condições culturais e sociais, para que a comunicação seja algo diferente de uma transmissão de informações”.

Por isso, o aumento massivo da informação em circulação, promovido pelo tecnicismo, cria na verdade dois problemas: “aquele das condições para satisfazer um mínimo de comunicação autêntica e o do respeito, que vai além da técnica e da economia, à diversidade cultural”.

Para concluir podemos dizer que a palavra comunicação remete a três aspectos diferentes:

1)      distinção entre as dimensões normativa e funcional,

2)      os três campos em que ela se realiza (técnico; econômico; social e cultural)

3)      a diferença entre o uso das técnicas e a comunicação em si mesma.

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