Estando dessas partes do Atlântico, pude acompanhar ao vivo a final do programa The Voice Itália. Essa edição, em particular, ficou famosa em todo o mundo pela presença inusitada de uma jovem freira que, com seu talento, conquistou a simpatia dos italianos ao ponto de vencer o programa musical.
A humanidade dos consagrados
Como católico, admito que fiquei contente em ver uma freira participando de um programa leigo e de grande audiência. Parecia-me uma ótima oportunidade para a quebra dos estereótipos atribuídos àqueles que abdicam de “controlar”, individualmente, a própria vida para viver, em comunidade, por Algo Maior.
Por sorte, além do contato constante com os consagrados do Movimento dos Focolares, durante meus estudos na Itália, tive a oportunidade de conviver com uma freira burundiana que me fez experimentar o afeto e amizade de alguém que se tornou, profundamente, minha “irmã”.
Freiras, padres, consagrados em geral são seres humanos como todos nós. Sonham, desejam, conquistam, sacrificam e perdem. Talvez a “santificação” que lhes é conferida – principalmente por quem não os conhece pessoalmente – é consequência do estupor diante da renúncia consciente e do testemunho de vida que eles promovem.
Suor Cristina: o fenômeno midiático
Suor Cristina é a prova concreta da surpresa coletiva ao ver na mídia uma jovem freira feliz e, acima de tudo, talentosa. Geralmente, atribui-se à vida consagrada pessoas feias, infelizes, fracassadas. A jovem italiana quis mostrar que isso não é verdade, mas a maneira como tudo aconteceu foi bem constrangedora.
Talvez por ingenuidade, Sour Cristina e suas coirmãs não imaginavam que hoje o mundo inteiro estaria falando delas. Por isso, provavelmente, aceitaram participar de um programa como o The Voice. Da mesma forma, a produção do programa musical pareceu não mensurar as consequências de terem aceitado a participação freira.
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Contudo, ao abrir sua boca, Suor Cristina não só mostrou seu grande talento com o microfone em mãos, mas começou uma experiência inusitada, que só terminaria ontem, na final da competição musical.
Pessoalmente, sempre que assistia a uma das apresentações da jovem freira, ficava feliz com o seu testemunho midiático. No fundo, acreditava que a sua presença iria estimular o apreço respeitoso pela escolha de vida da jovem consagrada. Erro meu. Ontem, mesmo depois de mais de um mês convivendo com os treinadores e o staff do programa, não faltaram colocações preconceituosas, estereotipadas e até ofensivas relacionadas à freira.
Erros e acertos de uma experiência nova
De certa forma, acredito que, em linhas gerais, a participação de Suor Cristina no The Voice foi um movimento mal calculado, equivocado, pois, no fundo, a freira italiana estava participando de uma competição sem querer competir, sem o – aparente – desejo de ganhar.
A jovem Sour Cristina queria, acima de tudo, testemunhar, com seu talento, a alegria da sua escolha como consagrada; mostrar que escolher Deus não é abdicar dos prazeres e alegrias pessoais. Ambos são potencializados no doar-se aos outros. Mas, o The Voice é uma competição. É um programa feito para dar a oportunidade a cantores talentosos de começar a própria carreira.
O fato de Suor Cristina abdicar da vitória ocultou o motivo pelo qual o programa realmente existe. Isso ficou evidente no seu último episódio: a freira, ao receber o troféu de vencedora, nem sequer quis segurá-lo por muito tempo. Parecia que uma exaltação pessoal esconderia o verdadeiro motivo pela qual ela estava ali cantando. Em seguida, de maneira inesperada, ela recitou um Pai Nosso “ao vivo” com aqueles – poucos – que se dispuseram a acompanhá-la.
O momento um pouco constrangedor na “apoteose” do The Voice me fez pensar no modo como o mundo religioso deseja se fazer presente na sociedade. A mesma Suor Cristina disse, inúmeras vezes, que a sua decisão de participar do programa era impulsionada pelo convite do Papa Francisco aos cristãos para “saírem dos conventos” e evangelizaremo mundo.
Aparentemente, foi isso o que Suor Cristina fez, só não sei se era a maneira correta. Isso só o tempo poderá dizer. Mas, como o Papa Francisco disse:
“prefiro uma Igreja acidentada, ferida, enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar as próprias seguranças”.