Category: Olhar cristão Page 1 of 8

Brilho nos olhos

Brilho nos olhos

“Posso te fazer uma pergunta pessoal?” Indagou-me uma senhora do Jardim de infância frequentado pela Tainá, nossa primogênita. “Sim, claro”, respondi já surpreso com a ousadia rara de vivenciar aqui na Suíça.

“Você acredita em Deus?”perguntou ela em alemão. “Como?”respondi surpreso. Ela repetiu em espanhol, o que confirmou que eu a havia entendido. “Sim”, respondi tranquilamente. “Eu sabia! Dá para ver no brilho dos seus olhos”, disse ela.

Desde que cheguei na Europa, tento não só preservar, mas também cultivar a fé-encontro, que experimentava cotidianamente no Brasil. Diante da ausência de coisas, comum na minha terra natal, o “ser“ de cada um parece mais acessível. E na beleza dos sonhos, contradições e necessidades do outro é que a vida se revela em toda sua plenitude. O tal “brilho nos olhos”, para mim, é fruto de uma busca constante em dar significado à vida, indo além da minha própria existência. É descobrir o amor em mim, para mim e pelos outros.

Esse Amor que preenche e dá sentido a quem eu sou, nasce do encontro com Jesus (ou “algo maior”) a quem eu procuro fazer espaço para que Ele faça parte do meu dia-a-dia.

É bom demais perceber que, de alguma forma, esse Amor ainda transborda e consegue tocar o coração de pessoas que nem me conhecem. Com o passar do tempo e vivendo em um país em que os bens materiais parecem ocupar o espaço dos relacionamentos, eu achava que esse brilho já tinha se apagado. Que alívio!

O jovem e Deus

Deus é Jovem

Quais são as características que nunca devem faltar em um jovem? “Entusiasmo e alegria. E a partir disso se pode começar a falar de outra característica que não deve faltar: o senso de humor. Para poder respirar, é fundamental o senso de humor, que está ligado à capacidade de se alegrar, de se entusiasmar”.

Essa é uma das passagens conclusivas do livro-entrevista « Deus é Jovem », assinado pelo Papa Francisco. No diálogo com Thomas Leoncini, Francisco dirige-se não apenas aos jovens do mundo inteiro, dentro e fora da Igreja, como também a todos os adultos que por esta ou aquela razão são detentores de um papel educativo e de orientação no seio da família, nas paróquias e nas dioceses, na escola, no mundo do emprego, no associativismo e nas mais diversas instituições.

A esperança deve passar necessariamente pela fé em Deus? “Não necessariamente (…) Basta que exista uma pessoa boa para existir esperança (…) Os muros são colocados por terra com o diálogo e o amor. Se você está falando com alguém, fala de cima do muro. Então você falará mais alto, e aquele que está do outro lado do muro vai ouvir melhor e poderá lhe responder. Se você faz o bem, não tenha medo de gritar”.

Difícil não se encantar com as muitas passagens inspiradoras desse diálogo que revelam um pouco mais desse homem tão admirado. A simplicidade do discurso, as escolhas intelectuais, mas acima de tudo a humanização da Fé, faz de Francisco mensageiro de um cristianismo realmente universal. Sem fugir das perguntas, dos exemplos pessoais e de uma análise realista da sociedade em que vivemos, o Papa acredita que esperança no futuro está no encontro entre jovens e velhos. Na relação entre o entusiasmo original e liberdade adquirida pelas experiências vividas.

A alegria de estar insatisfeito

insatisfeitos

Há muito tempo tenho procurado reencontrar meu lugar dentro das estruturas religiosas que sempre tiveram um espaço importante na minha vida. A angústia pela falta de respostas foi criando um crescente sentimento de frustração interior. Insatisfeito era certamente a melhor palavra para exprimir como me sentia. Na verdade, acredito que sou um insatisfeito crônico –, mas quando me deparei com “Espiritualidade para insatisfeitos”, do teólogo cristão José Maria Castillo, entendi que isso não é necessariamente algo ruim.

O livro de Castillo é uma interessante reflexão sobre a espiritualidade como movimento interior e exterior. É um livro que, acima de tudo, propõe uma espiritualidade baseada na ação, pois como o autor mesmo afirma, “aquele surpreendente judeu que foi Jesus de Nazaré, antes de ser um mestre de espiritualidade, foi um mestre de vida, um mestre para a vida”.

Entres muitas coisas, o autor ressalta a importância da busca pela felicidade que não se limita a realização das necessidades individuais. Ele convida a viver a “Utopia do reino”, que nada mais é do que a crítica ao mundo e os valores de hoje e, ao mesmo tempo, o caminho para a construção de uma sociedade “onde os seres humanos, todos os seres humanos, encontram um sentido para suas vidas, paz, dignidade, felicidade e esperança”.

Com o livro, pude redescobrir que o meu papel como cristão é o de corajosamente renunciar a ser o centro e testemunhar a Utopia do reino. Isto é, viver conscientemente uma vida “disponível para dar vida, defender a vida e a dignidade da vida que temos de conviver. E, por isso, uma vida que comunica felicidade, paz, calma, alegria e esperança”.

Sim, é fundamental encontrar o próprio espaço de atuação, um ambiente propício para o crescimento interior e que também seja combustível para a ação social. Porém, o mais importante é entender que o centro da espiritualidade cristã é a vida.

« Espiritualidade para insatisfeitos » foi um presente nessa etapa cheia de mudanças pessoais. O livro, além de me libertar de muitas amarras interiores, ajudou a “calibrar a direção” para continuar seguindo o caminho que escolhi percorrer na minha jornada nesse mundo.

Deus 2.0

Há tempos não tinha a oportunidade de refletir conscientemente e “em voz alta” sobre a minha visão de Deus e a sua aplicação nas minhas crenças e práticas religiosas.

A escolha de qual Deus adorar é uma herança familiar e, independentemente de como levei ela a diante, ela deu forma aos valores fundamentais que carrego comigo até hoje.

Um momento chave da minha adesão pessoal ao Deus cristão, católico, foi a minha Crisma. Durante aquele período de “formação religiosa” dificultei muito a vida dos meus formadores, questionando dogmas e práticas, ao meu ver, ultrapassadas e deturpadas. Já ali não aceitava a visão de um Deus distante, estático, que pune pecadores, seleciona os bons e os separa dos maus, que exige práticas de louvor e que ignora as mazelas da humanidade.

A partir da minha adolescência comecei a amadurecer uma visão de um Deus «acompanhante», que está ao meu lado e não “fora”, da mesma forma que se manifesta dentro de mim. Ele é a minha inclinação para o bem, o meu bom senso e, sobretudo, o Amor que carrego.

Recentemente tenho procurado reconceituar Deus e a sua relação com a Felicidade. Talvez a paternidade tenha um papel fundamental nessa tentativa de aprofundar meus credos para vivê-los melhor e explicar para minha filha o porquê das minhas escolhas.

Acho que o “meu” Deus está muito mais na busca da Felicidade do que em qualquer outra coisa. Toda a Sua manifestação direcionada ao bem que mencionei acima não é estática, é processo, relação, que depende de “um outro” para existir e por isso é tão difícil de «agarrar» e rotular.

Deus é dimensão relacional da natureza direcionada ao bem. E a Felicidade está na busca interior, na nossa essência, dos atributos e da disposição (as vezes custosa) do encontro com o outro (não necessariamente humano), profundamente diferente de nós. É nesse encontro entre diferentes, dispostos e abertos uns aos outros, que podemos experimentar a potência construtiva de Deus e é ali que habita a tal Felicidade.

Sour Cristina e o testemunho de uma Igreja que quer se renovar

Sour Cristina

Estando dessas partes do Atlântico, pude acompanhar ao vivo a final do programa The Voice Itália. Essa edição, em particular, ficou famosa em todo o mundo pela presença inusitada de uma jovem freira que, com seu talento, conquistou a simpatia dos italianos ao ponto de vencer o programa musical.

A humanidade dos consagrados

Sour CristinaComo católico, admito que fiquei contente em ver uma freira participando de um programa leigo e de grande audiência. Parecia-me uma ótima oportunidade para a quebra dos estereótipos atribuídos àqueles que abdicam de “controlar”, individualmente, a própria vida para viver, em comunidade, por Algo Maior.

Por sorte, além do contato constante com os consagrados do Movimento dos Focolares, durante meus estudos na Itália, tive a oportunidade de conviver com uma freira burundiana que me fez experimentar o afeto e amizade de alguém que se tornou, profundamente, minha “irmã”.

Freiras, padres, consagrados em geral são seres humanos como todos nós. Sonham, desejam, conquistam, sacrificam e perdem. Talvez a “santificação” que lhes é conferida – principalmente por quem não os conhece pessoalmente – é consequência do estupor diante da renúncia consciente e do testemunho de vida que eles promovem.

Suor Cristina: o fenômeno midiático

Suor Cristina é a prova concreta da surpresa coletiva ao ver na mídia uma jovem freira feliz e, acima de tudo, talentosa. Geralmente, atribui-se à vida consagrada pessoas feias, infelizes, fracassadas. A jovem italiana quis mostrar que isso não é verdade, mas a maneira como tudo aconteceu foi bem constrangedora.

Talvez por ingenuidade, Sour Cristina e suas coirmãs não imaginavam que hoje o mundo inteiro estaria falando delas. Por isso, provavelmente, aceitaram participar de um programa como o The Voice. Da mesma forma, a produção do programa musical pareceu não mensurar as consequências de terem aceitado a participação freira.

[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=nJYNj6cZo10]

Contudo, ao abrir sua boca, Suor Cristina não só mostrou seu grande talento com o microfone em mãos, mas começou uma experiência inusitada, que só terminaria ontem, na final da competição musical.

Pessoalmente, sempre que assistia a uma das apresentações da jovem freira, ficava feliz com o seu testemunho midiático. No fundo, acreditava que a sua presença iria estimular o apreço respeitoso pela escolha de vida da jovem consagrada.  Erro meu. Ontem, mesmo depois de mais de um mês convivendo com os treinadores e o staff do programa, não faltaram colocações preconceituosas, estereotipadas e até ofensivas relacionadas à freira.

Erros e acertos de uma experiência nova

Suor CristinaDe certa forma, acredito que, em linhas gerais, a participação de Suor Cristina no The Voice foi um movimento mal calculado, equivocado, pois, no fundo, a freira italiana estava participando de uma competição sem querer competir, sem o – aparente – desejo de ganhar.

A jovem Sour Cristina queria, acima de tudo, testemunhar, com seu talento, a alegria da sua escolha como consagrada; mostrar que escolher Deus não é abdicar dos prazeres e alegrias pessoais. Ambos são potencializados no doar-se aos outros. Mas, o The Voice é uma competição. É um programa feito para dar a oportunidade a cantores talentosos de começar a própria carreira.

O fato de Suor Cristina abdicar da vitória ocultou o motivo pelo qual o programa realmente existe. Isso ficou evidente no seu último episódio: a freira, ao receber o troféu de vencedora, nem sequer quis segurá-lo por muito tempo. Parecia que uma exaltação pessoal esconderia o verdadeiro motivo pela qual ela estava ali cantando. Em seguida, de maneira inesperada, ela recitou um Pai Nosso “ao vivo” com aqueles – poucos – que se dispuseram a acompanhá-la.

O momento um pouco constrangedor na “apoteose” do The Voice me fez pensar no modo como o mundo religioso deseja se fazer presente na sociedade. A mesma Suor Cristina disse, inúmeras vezes, que a sua decisão de participar do programa era impulsionada pelo convite do Papa Francisco aos cristãos para “saírem dos conventos” e evangelizaremo mundo.

Aparentemente, foi isso o que Suor Cristina fez, só não sei se era a maneira correta. Isso só o tempo poderá dizer. Mas, como o Papa Francisco disse:

“prefiro uma Igreja acidentada, ferida, enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar as próprias seguranças”.

Page 1 of 8

Powered by WordPress & Theme by Anders Norén