Category: Estórias Page 9 of 16

O dilema de Júlio

Dilema

Bip… Bip…
Julio vivia cansado da falta de reconhecimento dos seus atos em casa. Ninguém via nada de bom no que ele fazia, mas para apontar suas falhas, todo mundo tinha um comentário pertinente a fazer.

Ele sempre foi do tipo de jovem que gosta de ser desafiado, criticado, mas agora não era a mesma coisa. Não existiam palavras de incentivo ou esperança por parte dos seus e, gradativamente, ele estava perdendo o conceito de amor verdadeiro que só uma família é capaz de dar.

Bip… Bip…
As coisas pioraram quando o conformismo diante das suas “cabeçadas” chegou ao seu relacionamento com a Tina. Até mesmo a namorada começara a duvidar da possibilidade de crescimento de Julio, já nem dizia nada quando ele a magoava e não acreditava mais nas promessas do garoto.

Um certo dia, andando pelas ruas da grande cidade, encontrou uma criança que perguntou:

Bip… Bip…
_ Por que você está triste moço?
_ Estou cansado de viver, principalmente porque ninguém mais acredita que posso melhorar.
_ Mas é assim tão importante o reconhecimento das pessoas pelas coisas que você faz? – perguntou sabiamente a criança.
_ Não muito, quer dizer, sim…é importante… principalmente em relação às pessoas que estão ao meu lado. Vivo recebendo elogios de pessoas que tenho um tipo superficial de relacionamento, mas quando elas se aproximam e me conhecem mais, parecem contaminadas por um mormaço que esconde AQUELE Sol que cada um tem dentro de si.

Bip… Bip…
_ Bonito isso que o senhor disse…. mas eu te entendo também… os adultos estão quase sempre preocupados com o próprio umbigo, que dificilmente reconhecem as vitórias alheias e como o fracasso dos outros geralmente os incomoda diretamente, não fica difícil enxergar o negativo de quem erra.

Bip… Bip…
_ Pois é… é isso mesmo… mas sabe… isso me deixa triste… queria muito que as pessoas tivessem mais esperança em mim… sei das minhas capacidades, mas vejo que elas são sustentadas pela certeza de que eu estou aqui para servir quem está ao meu lado… e se nisso não encontro serventia, a vida não tem muito porquê.

_ Sim… entendo… mas tenha calma… paciência… não exija dos outros àquilo que não cabe a eles. Esses dias eu assisti um filme que dizia que TODOS estamos sozinhos, mas por sorte esse sentimento de solidão pode ser compartilhado.

Bip… Bip…
Quando se deu conta daquilo que havia ouvido, Julio percebeu que a criança havia desaparecido e que aquele Bip era o som da máquina que mede os batimentos no hospital. Na prancheta que a enfermeira tinha esquecido ao lado da cama constava: 30 de julho. Fazia seis meses que ele estava deitado naquela cama.

O respiro de Glauco

respirar

Glauco começou a fumar com 12 anos. Pra fazer média com os amigos da escola, é claro, porque já tinha consciência suficiente pra saber que o cigarro era algo prejudicial pra sua saúde. Mas, como pré-adolescente ta sempre procurando aventuras, nem ligou pra nóia típica de adulto chato e careta.

Com 14 anos começou a jogar bola na categoria infantil. Até que era bom, nenhum Robinho da vida, mas tinha habilidade e um chute forte. Só que já ali, o poder do tabaco começou a fazer efeito. Não agüentava jogar os três tempos e isso o fez perder a artilharia do campeonato, tão sonhada, para um magricela da escola rival.

Tirando esse percalço, Glauco até que tinha uma vida normal. Ia bem na escola, saía com os amigos, só perdia mesmo na corrida. Até que entrou na USP e conheceu a Carolina. Morena do sorriso encantador, um pouco mais baixa que ele. Demorou seis meses pra se aproximar dela e quando conseguiu, descobriu que ela tinha aversão a cigarro.

Fez de tudo para parar de fumar. Tentou chiclete, adesivo e até terapia, mas era tarde, já estava viciado. Passou os quatro anos amargando uma desilusão que beirava o desespero. Olhava para Carolina e a desejava sempre, mas, o cigarro era “ciumento”.
Porém a frustração durou até conhecer a Joana, que fumava dois maços por dia e de companheira de tragos, passou a ser sua esposa.

Tiveram filhos normais, sem problemas respiratórios, mas Glauco nunca agüentava brincar mais de meia hora com os meninos. Com as leis que limitavam a presença do fumo em lugares públicos, passou a se isolar em casa, não saía mais, pois não dava pra ficar sem cigarro.

Com 55 anos, descobriu um câncer no pulmão. Tinha uma enorme mancha preta no raio x e os médicos deram mais 2 ou 3 anos de vida, e só. Os anos passaram, a saúde foi piorando e logo ele não conseguia mais sair da cama.

Via seus filhos o olharem apreensivos, ainda meninos. A esposa havia morrido há dois anos. Mas agora era a sua hora e o desespero de pensar com quem as crianças ficariam, ocasionou uma falta de ar, a última, percebida com um “bip” contínuo e com o choro estridente dos meninos que, de agora em diante, teriam que respirar sem a presença dos pais.

*respiração (in italiano)

Seu Lula

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Encontramos o Lula na Virada Cultural. Sempre sorridente, falando rápido e às vezes baixo, que tínhamos que nos esforçar pra ouvir o que ele dizia. Catador de latinhas de compreensão extramente refinada, capaz até de acertar os pré-conceitos intuitivos em relação a nós.

Alguns minutos dedicados a um transeunte que, acredito, é ouvido raramente. E nesse escutá-lo o alguém ganhou nome, rosto, ganhou história. Sofrida, sim, mas tão interessante como as nossas viagens aos Alpes, passeios na Disney, nos Shoppings centers. Atividades burguesas que não nos fazem mais feliz que ninguém.

Fui-me levando o Lula no coração, sem saber onde ele mora, nem quanto tempo mais vai viver.
Por isso é que entreguei tudo a Deus na minha singela oração.

O Cubo Mágico

Recebi quando era bem novo um cubo de seis faces coloridas.
Engraçado o quanto aqueles arranjos em azul, verde, amarelo, vermelho, laranja e branco se multiplicavam com um simples movimento despretensioso.

Porém o mais interessante foi ver que cada pequena face que compunha um dos lados do cubo era uma pequena dimensão da personalidade do menino dos olhos azuis.

Desde muito novo ele me acompanhou, vivemos juntos incríveis aventuras e contemplei muitos “arranjos e desarranjos” visando uma organização necessária e também os momentos em que era melhor preservar a falta de precisão nas cores de cada face.

O menino-cubo, (ou seria o cubo-menino??) me ajudou a descobrir o significado de tantas coisas, o sentido verdadeiro de um Amor muito além do que eu poderia entender sozinho, pois fazia parte de uma dinâmica nova, pouco conhecida pelo mundo das pessoas “normais”.

Assim, aos poucos, o tempo foi passando e eu fui vendo que meu rosto ia aos poucos se delineando nesse enorme cubo. Fui me dando conta também que outros rostos já brilhavam em uma das muitas facezinhas que compunham uma determinada cor.

Desde então descobri que não só sou um pouco do menino, mas ele é um pouco de mim.

(Cubo mágico ou Cubo de Rubik é um quebra-cabeças tridimensional, inventado em 1974, pelo húngaro, escultor e professor de arquitetura Ernő Rubik. Inicialmente recebeu a denominação de Cubo Mágico, mas em 1980 o nome foi mudado para Cubo de Rubik. Apesar da mudança, no Brasil continua sendo conhecido pelo nome dado originalmente pelo autor. – wikipedia)

O dia em que as Flores esqueceram da chuva

foto de fausto nocetti do flickr

Era uma vez um lindo jardim onde viviam as mais lindas flores do Reino. Girassóis, orquídeas, margaridas, copos de leite e, é claro, a Rosa.

Desde sempre, o Sol as aquecia e a chuva lhes fornecia a água para que todas estivessem sempre nutridas.

Porém, temendo um período de seca quase iminente, o responsável pelo Jardim começou a regar e proteger as plantas como lhe convinha.

Todas as manhãs o Regador ia lá e dava tudo o que as flores precisavam, até mexia na terra e assim elas foram crescendo e se desenvolvendo sempre saudáveis e bonitas.

Um dia, o Regador ficou doente e não pôde ir ao Jardim regar as flores e assim, a nutrição matinal acabou sendo prejudicada. Já ao meio dia, elas já não conseguiam fazer as próprias fotossínteses, sobretudo a Rosa.

O fato de estarem habituadas aos cuidados do Regador fez com que elas não percebessem que as nuvens começavam a providenciar uma forte chuva.

Depois de quase uma hora, caiu um forte temporal, mas as flores não perceberam porque estavam se perguntando por qual o motivo houvera a displicente ausência do Regador.

Os dias foram passando e o Regador nunca mais voltou. As flores não aproveitavam a água celeste para voltarem a se nutrirem e assim, foram ficando fracas, morrendo aos poucos, até que o Jardim desapareceu.

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