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As crianças e a crise econômica mundial

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_ Oi Pedrinho, tudo bem?
_ Tudo… vamo jogá bola?
_ Ai… nem vai dar….
_ Por que meu?
_ Meu pai quer que eu volte cedo pra casa hoje?
_ Mas a gente tem que aproveitar o horário de verão, né?
_ Pois é, mas meu pai ta muito nervoso ultimamente.
_ Ah é, por quê?
_ Ele diz que é porque estão caindo as bolsas de todo o mundo. Começou a cair nos Estados Unidos, depois na Europa e agora ta caindo até aqui no Brasil…
_ Sério… mas o que são essas tal bolsas?
_ Não sei, meu pai até tentou me explicar, pois não vou mais ganhar um Ipod, porque as coisas importadas estão caras agora… o que entendi é que são bolsas mesmos, acho que de um material bem forte, que guardam todo o dinheiro dos ricos de cada país.
_ Caramba… além de ser forte devem ser enormes. Aonde será que eles guardam essas bolsas?
_ Não sei, mas deve ser em um grande cofre, tipo aquele do Tio Patinhas.
_ Com certeza….
_ O pior é que nem o Wii que ele tinha prometido comprar eu vou ganhar mais!
_ Que injusto!!! Mas por que essas bolsas gigantes estão caindo?
_ Dizem que é porque inventaram um monte de dinheiro de mentira, que não existe mesmo, e deram para um pessoal que começou a comprar coisas e não conseguiu pagar de volta. Aí quem emprestou o dinheiro falso se ferrou, porque tinha dito para as outras pessoas que o dinheiro era de verdade!
_ Caramba… bem que a minha mãe diz que mentira tem perna curta. Mas e aí? O que vai acontecer agora? Nunca mais poderemos ter os brinquedos que vimos quando viajamos pra Disney no ano passado?
_ Não sei… o que meu pai disse é que agora ninguém vai poder mais dizer essas mentiras, porque os presidentes emprestaram o dinheiro para esses mentirosos e agora vão ficar de olho. Que nem quando a gente fica de castigo no canto…
_ Coitados…
_ Pois é, mas o que eu quero mesmo é que essa confusão termine logo, pra poder jogar videogame ou pelo menos ficar brincando na rua até tarde.
_ Bom… vamos torcer né… esses adultos são mesmo complicados e só atrapalham a gente.

Geração Iphone

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“É engraçado quando a gente pensa que cresceu completamente livre da dependência do celular. O mundo sempre se virou muito bem sem ele. Mas agora parece algo improvável, inaceitável. Não ter celular é estar fora do mundo. Ao menos do mundo em que as pessoas têm mais facilidades para se comunicarem”.

Desperto-me com o toque “vai trabalhar vagabundo” do Chico que uso no meu celular e pressiono a tecla 1 para dar bom dia à minha mãe, dormindo no quarto ao lado.

“_ Oi… bom dia… bom trabalho”, ela responde e me levanto para tomar café e me aprontar pra sair.
Aproveito os minutos de número 2 para mandar um SMS pro colega de sala, a respeito do trabalho que apresentaremos a noite na faculdade.

Tomo café, saio de casa e vejo uma infinitude de pessoas conversando, com seus mediadores eletrônicos, que otimizam o tempo e permitem que os mais distantes, diferentes, apressados cidadãos consigam se comunicar no mundo “papa-gente”.

Chego ao trabalho e do meu ramal, discuto com a chefe as tarefas do dia. Passo a manhã no telefone apurando fatos, conhecendo gente nova e nas pausas, matando a saudade da Rosinha, em intermináveis ligações. Bendito celular!

Aproveito o almoço para ligar para os amigos que não “encontrei tempo de encontrar”. Todos bem, felizes, uns estudando, outros também trabalhando, outros “esse número mudou” ou “o celular está programado para não atender ligações”. Mas, a saudade fica, parece nunca passar por telefone.

De volta ao trabalho, mais e mais ligações, que só perdem para a quantidade de emails. Por ramal pergunto à moça que está ao meu lado como ela está e por ramal faço requisições internas, sonhando com os tempos em que as pessoas se olhavam, se encontravam… triste por saber que alguns sentimentos bons se esvaem com as mudanças globais.

Volto pra casa, carente de atenção, de sorrisos, abraços e então aproveito os jogos do celular pra passar o tempo, sem pensar no que me fazia feliz.

Na faculdade, agora as aulas são em teleconferência, os trabalhos organizamos via MSN, fora os recadinhos e lembretes trocados no Orkut.

Depois do longo dia comunicativo vou pra casa e me desligo. Quero conversar comigo mesmo. Ffalo, pergunto como estou, me abraço e sinto que alguns dos meus desejos primários ainda precisam ser realizados. Que até meu Iphone 3G, com internet rápida, vídeo mensagem e tudo mais, não satisfazem.

“Se Deus tivesse celular eu ligaria agora e pedia para ele voltar logo, antes que tudo aqui no mundo vire um caos, mas tenho certeza que o celular dele deve estar ocupado”.

Sobre o celular:

“Uma pesquisa realizada em 30 países por uma empresa de consultoria em tecnologia revelou que 36% dos jovens brasileiros de até 15 anos têm celular. E 25% deles estão na faixa de 6 a 9 anos. O celular se transformou no sonho de consumo da garotada. (Portal G1) – 06/07/2008

“O Brasil tem hoje uma população de 81,3 milhões de jovens com idade até 23 anos, dos quais 71% têm aparelho celular”. (Data Popular, com base em dados do Ibope e IBGE)

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Crônica feliz

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Acordei lembrando que deveria escrever uma crônica feliz pro programa de rádio. Mas descendo os degraus das escadas do condomínio, encontro o filho de uma doméstica chorando por não querer ir novamente pra escola.

“Mas filho, pare logo de manha, você precisa estudar pra não ser um nada como a sua mãe!”
“To cansado de apanhar dos moleques da minha sala e a professora, não ensina mais nada de novo, porque os bagunceiros não deixam”.

Sim, foi só uma troca rápida de frases, mas senti uma singela tristeza, sabendo que das crianças é que se desenha o futuro da sociedade.

Caminhando e desviando das inúmeras fezes dos cães da burguesia, sinto vergonha em ver um senhorzinho limpado a sua bengala daqueles dejetos animais que imundam as calçadas do meu bairro. Porém, ainda tinha na cabeça a idéia de fazer a tal “crônica feliz”.

Pego o ônibus para ir ao trabalho, lotado, apertado, sinto-me desumanizado.
As pessoas irritadas, cansadas, sofrem, sufocadas no “busão” que segue rumo ao centro.
“Do que você ta rindo? Perdeu alguma coisa?”, é o insulto que ouço do jovem que está em pé na minha frente.

A indignação só acaba quando chega a compaixão.
Um acidente de moto, deixou estirado e ensangüentado o motoqueiro e seu filho, sem capacete, que, pela mochila nas costas e pelo horário, se dirigia para a escolinha.

Feliz! Feliz! Eu pensava! Numa auto – violência, estupro mental, para tentar descobrir coisas boas nesse mar de indiferença.

O tempo e o trânsito parados me fazem cair em um “quase desespero”, pois agora arriscava perder o emprego. Os minutos iam passando e eu pensava somente no ponto. Não poderia chegar atrasado novamente.

Desço do ônibus correndo, empurrando quem está a minha frente, passo o sinal vermelho, quase perco a vida, mas não consigo chegar a tempo.

Ao entrar sou avisado que a chefe me espera em sua sala e quando entro a notícia: “Pode ir embora e não precisa voltar mais, hoje você terá uma tarde livre, uma tarde feliz”.

Voltei caminhando… “e as pessoas não entendem o porquê de não conseguir escrever uma crônica feliz”.

O dia em que caí da bicicleta

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21:15. Resolvo voltar para casa, pois já fiz o trabalho que seria cobrado na aula seguinte. Fico batendo papo com o pessoal na praça de alimentação, até me levantar e decidir ir embora.

“Se eu morrer, foi bom estar com vocês”, comento de forma jocosa aos meus amigos e me despeço com a usual alegria que sinto quando estou na faculdade.

“Será que aproveito para fazer uma visita para a Mariana?”. Penso, pego o celular e ligo. “Esse telefone está programado para não receber mensagens”. Ok, me rendo e decido voltar.

Pego a Tina (bicicleta) e começo a descer a Monte Alegre, com a pressa e os cuidados usuais, mas desta vez não terminaria aquele trajeto com ela.

Desvio dos carros em velocidade média, mas sou surpreendido com o frear de um carro na hora em que iria ultrapassá-lo.

Silêncio.

A batida me jogou de queixo em direção ao vidro traseiro do carro, que foi completamente destruído. Com o impacto, na volta, fui amortecido pela grande mochila que abrigava meu notebook e a câmera digital recém comprada. Parecia o fim, mas ficou tudo intacto.

Demorei uns 5, 10 segundos para me dar conta do que tinha acontecido e só percebi que não era um sonho, quando senti o sangue jorrar do meu queixo. “Você brecou em cima e nem deu seta!” Mas, minha preocupação em saber se tinha quebrado alguma coisa, foi maior que a revolta diante da imprudência do motorista.

Fui levantando aos poucos e pedi um pano para estancar o sangue do queixo. “Como você vai fazer com a bicicleta?” perguntou uma moça que passava e morava no prédio ao lado. Tina estava destruída, justo ela, minha grande companheira, mas naquele momento tinha que resolver a minha situação.

Esperamos 15 minutos, a policia não apareceu e pedi para eles me levarem no hospital Santa Cecília, mas chegando lá “nós só atendemos Intermédica”, foi o que ouvi desapontado porque meu seguro é Bradesco. “Perto de casa tem um pronto socorro, me levem lá”, disse aos meus atropeladores, pessoas simples, pobres, que mostravam apreensão e desconfiança no como as coisas iriam se desenrolar.

Chegamos ao pronto socorro e fui atendido imediatamente. Fiquei inconformado com a indiferença dos atendentes e do enfermeiro da sala de curativos. Deitado, rezando e pensando no que poderia ter acontecido, agradeci a Deus e pedi força para suportar as dores dos pontos e das injeções que viriam.

Dr. Rossi chegou mudo e saiu falando bastante. Deu a anestesia local e com agulha e linha foi remendando a pele que se soltou do meu queixo. Após os muitos pontos e as orações, estava pronto. Fiz algumas perguntas em relação è limpeza e exames na cabeça, mas o médico me tranqüilizou. “Fique amanha em casa, em repouso e faça exames se tiver sonolência ou vomito”.

Pensando que o terror daquela noite já tinha terminado, ouvi do Dr. Rossi: “Acho melhor você tomar uma Bezentacil, para não infeccionar o machucado”.

“Que merd…” pensei, mas me lembrei da Paulinha (amiga que faleceu recentemente por conta de uma fibrose cística) e criei coragem.

“Valter Hugo!”

“Sou eu! Tia, eu vou chorar com essa Bezentacil”

“Vai nada!”

Entro na sala, levanto a camisa e abaixo as calças. O penetrar da agulha assusta, mas nada se compara a dor do líquido gelado que se espalha pelos glúteos. “Por ti Senhor, por ti”, é o que consigo dizer diante daquele momento.

Respiro e ando cambaleando até a porta. Agradeço as enfermeiras, dou boa noite a todos, procuro sorrir. Afinal de contas, estava vivo, consciente.

Encontro minha mãe e minhas irmãs na porta do pronto socorro, assustadas após a notícia que eu havia dado um pouco ante da Bezentacil. “Está tudo bem”.

Retirando-se para se encontrar – A história de minha mãe

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A 125Km da capital pernambucana, Palmares é uma das cidades mais tradicionais do estado nordestino. O nome “palmares” deriva da grande quantidade de palmeiras que existia na região, que também deu o nome do Quilombo mais conhecido da história brasileira: O Quilombo dos Palmares.

A ligação da cidade do interior pernambucano com Eleusa Muniz de Lima Silva também vai de encontro com as diversas lutas travadas no nordeste brasileiro.”O tio do meu pai era do bando de Lampião e constantemente eles se refugiavam nas casas dos familiares, no interior de alagoas. Depois de sofrerem algumas ameaças e com medo de morrer, meu avô pegou a família e fugiu para o interior de Pernambuco”.

Seu pai, Eugênio Muniz de Lima, filho único, nasceu e cresceu em Igarapeba, cidade perto de Garanhuns, região montanhosa do Planalto da Borborema, também conhecida como Suíça Pernambucana, por causa de seu clima ameno no verão e temperaturas baixas no inverno, atípico para a região. Conheceu sua futura esposa com 10 anos. “Minha avó materna tinha que viajar e deixou minha mãe com a família do meu pai. Enquanto meu pai segurava minha mãe no colo, a avó disse que se ele cuidasse dela direitinho, prometia ela em casamento”. Independentemente do peso dessa afirmação, após alguns anos eles realmente se casaram e foram morar em um engenho em Montepio, subdistrito da cidade de Palmares.

A história das famílias pernambucanas está guardada nos velhos e cobiçados engenhos de açúcar. Os engenhos floresceram em Pernambuco até meados do século XIX e na segunda metade do século em diante, sofreram drásticas transformações para atender à crise daquele período. Muitos desapareceram, engolidos pelas grandes usinas, outros permaneceram, “de fogo morto”, ao abandono.

Eugênio Muniz trabalhava justamente para uma usina de açúcar, comercializando mantimentos para os “peões” que ajudavam na colheita da cana. Para trabalhar no sítio da usina, recebeu uma grande casa onde nasceu Eleusa Muniz e seus 15 irmãos.

Dos filhos de Eugênio Muniz e Ester Honorina, 5 morreram ainda bebês, totalizando 11 as crianças que cresceram na família. Até os 7 anos, Eleusa, a sétima dos filhos sobreviventes, viveu uma farta vida de criança. “Durante as manhãs caminhava uma hora para ir à escola, em um outro sítio, e mais uma para voltar. Á tarde brincávamos muito. Tomávamos banho no riacho, comia fruta no pé e andávamos de bicicleta à noite. Era a vida mais feliz do mundo”.

Com a mãe traçou um relacionamento pouco afetivo. “Ela era triste, nunca ria, vivia só para o meu pai e contava com alegria que adorava passar a roupa dele, para que ele pudesse ir dançar nos bailes”.

“Adotada” por uma família rica, Ester Honorina cresceu de maneira reprimida e moralista. “Eu e meus irmãos não gostávamos dela porque ela era chata e metódica. A gente só podia sentar à mesa se estivesse com o cabelo penteado e a roupa arrumada”.

Eleusa Muniz ficou no Engenho Montepio até os 7 anos de idade. Lá, conviveu também com o enteado Zé Francisco, que depois de muitos anos a acolheu na capital Paulista. Zé era considerado irmão e “diziam que era filho bastado do meu pai”. Ele, com os irmãos, passavam também os dias brincando. Programas de calouros, brincar de roda, passa anel, “toca” (que correspondia ao pega-pega) e esconde-esconde, eram algumas das brincadeiras que faziam.

“Sabia do que acontecia (no mundo) quando vinham os viajantes lá em Montepio e contavam as histórias de suas viagens”. Essa era a única relação de Eleusa com a realidade externa a Montepio.
Quando as irmãs mais velhas cresceram foram morar em Palmares para estudar e depois em Catende, outra cidade próxima, onde Eleusa viveu por quase toda adolescência. “Aí começou o maior desastre da minha vida. Em Catende não tinha como brincar e minha mãe, sempre desconfiada e repressora, não nos deixava ter amigos”.

Após os três primeiros meses em Catende, sua mãe voltou definitivamente para viver com o pai no sítio, passando a responsabilidade de criação dos filhos para as mais velhas. “Minha mãe descobriu que o meu pai a havia traído com uma das mulheres que trabalhavam para ele e, para sustentar a família, resolveu ficar perto dele”. Eleusa soube disse só depois de muito tempo, mas desde criança todos amavam muito o pai. “Ele era o amor de nossas vidas.

Durante os anos vividos em Catende, muitas vezes Eleusa e os irmãos tinham que voltar ao sítio, devido a períodos de estiagem na safra de cana, que acarretavam dificuldades financeiras. Mesmo com essas intermitentes dificuldades a família sempre viveu em boas condições. “Havia sempre muita fartura e minha mãe prezava por coisas finas, de bom gosto, fruto de sua criação”.

A então adolescente sentia muito a ausência dos pais quando estava em Catende, pois existia um grande clima de briga e desavenças entre os irmãos. “Ia todas as férias ficar com os meus pais no sítio e não suportava a imaturidade do relacionamento entre meus irmãos mais velhos”.
Justamente nesse período, em 1958, quando tinha 13 anos, teve um primeiro “namorico” com o garoto Zé Luis, que a levava ao cinema, mas “era muito safado” e por isso o namoro só durou três meses.

Durante o Ginásio, que corresponde ao Ensino Fundamental de hoje, viveu “fora de casa” uma vida superficialmente divertida. Dançava twist, hali gali e rock nos bailes. Brincava com os colegas de classe e fez as primeiras amizades importantes: com “Pingüim” e as inseparáveis Ana Célia, Amara, Marisa e Betânia. “Divertia-me, mas era muito revoltada”.

A revolta de Eleusa era uma reação espontânea a todo tipo de desarmonia que encontrava nas relações e lugares onde passou. A sua vida no Engenho Montepio fez com que desenvolvesse um grande amor pela natureza, os animais, as plantas, que eram a demonstração da beleza que existe nas relações da fauna com a flora. Assim, as desavenças em casa e mesmo as brigas políticas dos responsáveis pelo Movimento Luiza de Marilac, que ela participava como voluntária, geravam grande frustração e revolta interior.

Diante de todos esses conflitos interiores Eleusa desenvolveu o hábito de dar gargalhadas espalhafatosas, quase ensurdecedoras, para extravasar toda a sua indignação perante os paradoxos que encontrava no mundo.

Aos 16 anos acabou o ginásio e foi dar aula no Engenho Souza, próximo de Catende. De fevereiro a outubro daquele ano, morou sozinha na casa da antiga professora, até ser demitida por conta de um jogo político que fez com que a antiga professora retomasse o cargo.

Em 1964 Eleusa voltou para Catende e durante 3 anos fez o curso que equivalia ao Ensino Médio, que a concederia o direito legal de dar aula. Nesse período, namorou com o amigo Pingüim. “Era uma amizade pura, mais um companheirismo do que qualquer outra coisa”. Porém todos os conflitos interiores e a falta de referencia afetiva não a deixava se envolver com ele. Até que um dia descobriu que ele havia outra namorada e assim terminaram o namoro.

Em 1966, quando acabara o curso, foi de férias para Recife, visitar a amiga Ana Célia e nunca mais voltou. Arranjou primeiramente um emprego de telefonista e passou a morar na casa da amiga.

O irmão Ernane, aquele com quem Eleusa tinha construído a mais forte amizade na família, ia visitá-la algumas vezes, mas foi na casa da amiga que ela descobriu o verdadeiro modelo de família. “Dona Lenira, a mãe de Ana Célia, era uma mulher alegre, totalmente o oposto da minha mãe. Naquela casa as pessoas se amavam, sofriam juntas e todos me consideravam membro da família.”

Porém, o vazio existencial não havia passado. Eleusa tentava preenchê-lo lendo livros religiosos e de auto ajuda. “Outra coisa que me sustentava eram as missas aos domingos.” A jovem não acreditava nas pessoas, era fechada. Passava os seus dias com a família de Ana Célia, ia ao cinema, aos bailes finos, assistia tv e lia.

Fez um curso de secretária, mas acabou indo trabalhar de telefonista e recepcionista em uma empresa do grupo Matarazzo, a Metalgráfica do Norte. Ficou lá um ano e meio e depois se transferiu para a empresa de transporte Expresso São Geraldo.

Eram os primeiros anos da década de 70 e ali aconteceu uma grande mudança em sua vida. Ajudou o irmão Ernane a encontrar trabalho em Recife e passado alguns meses, ele começou a falar de um Movimento chamado Focolares, um grupo de pessoas que se reuniam, do qual ele havia começado a fazer parte. “Fiquei morrendo de medo, pois achava que ele estava virando comunista. Naquele período existia muita perseguição para qualquer tipo de grupo que se reunia”.

Assim, certo dia, o irmão de Eleusa a convidou para uma “palestra”, que na verdade era um encontro do tal Movimento dos Focolares. “Chegando lá e percebendo onde estava fiquei revoltada, também porque meu irmão não estava lá”. Durante a manhã ela ficou ouvindo as experiências, os temas apresentados e na hora da missa, já estava envolvida com a atmosfera do encontro. Sentiu-se iluminada e quando encontrou o irmão, não sabia o que dizer.

No dia seguinte as pessoas haviam percebido uma grande mudança em Eleusa. “Passei a ver que existiam pessoas nos ônibus e até o meu gerente perguntou o que eu tinha. Entendi que havia feito uma grande descoberta: Aprendi a ver Jesus no outro”.

A partir desse momento aquele vazio existencial começou a ser preenchido. Foi visitar seus pais, voltou a procurar os irmãos, se interessar por eles, vencendo todas as aversões que havia desenvolvido durante o seu crescimento.

No primeiro semestre de 71 arrumou uma casa para os pais morarem com eles em Recife, mas 2 meses depois eles voltaram para o interior do estado. Ao final daquele ano, durante as férias, Eleusa foi encontrar o pai no Engenho onde eles estavam morando e decidiu acompanhá-lo na viagem para São Paulo, mas houve um acidente e o pai teve que ser hospitalizado.
“Depois de cuidar deles e voltar das férias, houve alguns desentendimentos no trabalho e resolvi sair. Logo em seguida encontrei um emprego na Tecnobrás”.

Porém, a sua vida no Recife estava com dias contados. Depois de 3 meses, em março de 1972, Eleusa foi para São Paulo procurar emprego e hospedou-se na casa do irmão – enteado, Zé Francisco.

Encontrou trabalho na empresa Guarapiranga, em que trabalhou por 9 anos. “Passei a ter contato social, estar na presença de grandes empresários e pessoas importantes”. A vida de trabalho se alternava com os empenhos no Movimento que Eleusa havia reencontrado na metrópole paulistana.

Os anos passaram e em 1980 ela se envolveu com Luís Barbosa. “Era operário e cresceu na empresa. Passou a ser gerente e vivia atrás de mim”. O homem fez com que os extintos humanos fossem reacendidos dentro do coração amargurado de Eleusa. “Ele fez brotar toda a afetividade que achava não ter. Por causa dele é que acredito que tive vontade de me casar”.

O relacionamento de 6 meses terminou quando Luís contou a ela que tinha uma noiva, depois de ter participado de um encontro do Movimento do Focolares. “Ele percebeu que eu não era uma qualquer e que não podia ficar me enganando, mas me disse que não queria perder a minha amizade”.

Por outros 6 meses Eleusa sofreu como nunca. “Sofria que queria me matar”, pois eles continuavam se encontrando, mas não tinham mais nenhuma relação afetuosa. Foi a grande frustração amorosa, superada aos poucos, com a ajuda das amigas do Movimento. “Um anos depois conheci o Valter (atual marido), namoramos 11 meses e casamos e aí começou uma nova fase na minha vida”.

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