Category: Estórias Page 15 of 16

Diálogo silencioso

Diálogo silencioso
Caminhava tranqüilo pela cidade, de altos prédios e caminhos sinuosos, tortuosos.

Pessoas que olham e me vêem sorrindo, talvez se perguntando o porquê desse gesto ingênuo.

Comem tapioca, bolo de fubá e um cafezinho, nas barracas que parecem banquetes ao ar livre.

Paro no semáforo para esperar, como espero o tempo, amores, amigos. Saber esperar é uma grande virtude.

Impaciento-me olhando o mendigo, bêbado, esparramado no chão do metrô. Queria fazer alguma coisa, mas abstenho-me, covarde que sou.

E nesses segundos, não, minutos de caminho do céu para a terra, me perco em pensamentos, às vezes absurdos, a respeito da vida que tenho levado, das dificuldades, do mundo.

Continuo andando, olhando as pessoas e imaginando o que se passa dentro de cada alma, coração.

E… Chegando em casa, preparo o café, sento em frente ao computador, para externar àqueles minutos, quase segundos, de diálogo silencioso comigo mesmo.

Inferno

Inferno

Tive outro sonho.
Aqui, porém, não havia nenhum Jardim.
Via um corredor escuro que, como na paisagem de outrora, não conseguia ver os confins.

Estava preso dentro daquele claustrofóbico lugar , sozinho. De repente apareceu um grande telão com imagens da minha vida até agora. Tantos momentos, até esqueci onde estava e senti uma alegria discreta.

Percebia o quanto tinha recebido até então… Uma família maravilhosa, amigos verdadeiros, uma linda namorada, um trabalho, a possibilidade de estudar em uma excelente universidade sem pagar, poder fazer esportes… Não conseguia acompanhar todos àqueles dons, todas as coisas boas que tinha recebido até então.

Tão repentinamente quando apareceu, o telão desapareceu, e simultaneamente surgiram fotos ao longo do corredor.

Crianças nas ruas, deitadas, cheirando cola, pedindo esmola.

Velhos carregando papelão em seus carrinhos de mão.
Aquele senhor que me pediu um pãozinho quando saía apressado da padaria.

Eu conhecia aquela gente, aquelas pessoas! Tinha- as ignorado em diversas ocasiões.

Lembro que a minha aversão à esmola nem era justificativa, pois o Sr. José queria somente conversar comigo àquela noite.

Senti um arrependimento tomar conta de mim… tinha recebido tanto e via todos àqueles necessitados, incontáveis, que havia desprezado.

Quis subitamente acordar daquele pesadelo, mas era tarde.

A minha doação por eles, a minha oportunidade de “retribuir” à todas as graças que havia recebido tinha acabado.
Estava morto e o não poder mais amar, me fez entender que aquele corredor escuro do arrependimento era o Inferno.

Amigo do Facebook

Facebook

Hoje encontrei um amigo de escola que não via há muito tempo… Vi a sua fotinho nas atualizações do Facebook.

Nem sei por que, decidi escrever um Oi para saber como ele estava. Cinco minutos depois chegou sua mensagem de resposta: “Nada bem, minha mãe faleceu ontem à tarde”.

Tomei um baita susto. A tia Dulce! Gostava tanto dela… Aquele sorriso… Como foi acontecer? Escrevi outra mensagem “Cara, que mal… espero que você esteja bem”.

Pensando comigo mesmo percebi a impessoalidade da minha mensagem. Quem estaria bem depois da morte da mãe? Nossa… Que burrada, porque fui escrever aquela mensagem? Devia ter feito essa cortesia com outra pessoa…

Mais tarde, entrei no seu Perfil e descobri o email do Anderson (nome do filho da tia Dulce). Fiquei triste pelo meu fora e achei que era melhor escrever algo mais pessoal, um email, oficializando o meu pesar.

Escrevi umas quatro linhas dizendo que estava contente de ter entrado novamente em contato com ele e lamentando a morte da tia Dulce. Assinei até como: seu sempre amigo…

No final do dia recebi a resposta de agradecimento e convite para o enterro que seria no dia seguinte.

Enterro? Como posso aparecer lá, depois de tantos anos de omissão?

Depois de muito pensar, na manhã seguinte, escrevi um SMS pro Andersom dizendo que não poderia ir, mas que estaria com ele, de alguma forma, pois os nossos laços de amizade eram para sempre. Nem eu acreditei naquilo que escrevi.

Enfim, no final do dia, recebi um outro SMS dizendo: Obrigado, sua amizade e suas mensagens valem mais que a sua presença.

Bebida Púrpura: para mudar o mundo em doses homeopáticas

Bebida Púrpura

Aquela publicidade me causara certa impressão pois, como qualquer Jovem.com, sedento de mudanças, me senti de certa forma provocado a experimentar tal bebida. Naquele mesmo dia, depois da cansativa e entendiante jornada de trabalho, corri para o mercado para comprar a Bebida Púrpura. Acreditei que encontraria uma fila “vaticânica”, mas me assustei em ver que o mercado estava vazio.

Dirigi-me ao setor de bebidas e encontrei rapidamente aquilo que desejara durante todo o dia. A vontade era tão grande de beber que quase abri a garrafa sem pagar. Saindo do mercado, destampei rapidamente a garrafa, daquela que seria para mim a resposta a todos os meus anseios e bebi tudo num só gole. Afastando-a da boca, senti rapidamente algo estranho.

Admito que em algum lugar, talvez em um dos livros do Gaarder, havia ouvido falar da presença desta Bebida Púrpura, porém os sintomas que eu experimentava no momento eram opostos à aqueles conhecidos até então.

Senti as mais diversas dores que acredito existirem no mundo, em cada parte do meu corpo… fome nos pés, cansaço nos fios de cabelo e tantas outras que invadiram cada singular célula do meu corpo e por alguns segundos pareciam querer me assassinar. Claro que tudo durou pouco, mas quase não consegui me manter em pé depois do que acontecera. Posterior àqueles momentos de inconsciência, quis relacionar as conseqüências de ter experimentado a Bebida Púrpura, com a publicidade que eu vira apresentada no outdoor. Não cheguei a nenhuma conclusão.

Caminhando de retorno a minha casa vi um mendigo jogado no chão, cercado de pessoas que no ponto, esperavam o ônibus que tardava a chegar. Claramente não era a primeira vez que eu presenciava tal espetáculo, mas naquele momento algo me dizia de não permanecer passivo àquela situação.
Assim decidi ir ao encontro daquele pobre e o ajudei a levantar, coisa de demasiada insignificância, mas que até o momento passava coadjuvante ao transcorrer cotidiano da minha semana. Também perguntei o nome dele e descobrindo que ele não comia a quase três dias, resolvi dar o croissant que tinha guardado para o dia posterior. Continuei o caminho de retorno e entrando no meu condomínio fui acolhido por uma careta do porteiro, que parecia expulsar-me do meu próprio condomínio. Retribuí surpreendentemente com um sorriso, verdadeiro, e isso provocou certo espanto do mesmo.
Chegando em casa uma grande confusão… enquanto meus pais brigavam por causa da triste situação econômica que estamos atravessando, minhas irmãs esbofeteavam-se paralelamente, pelo controle da televisão. Inconscientemente passei diante de todos e fui para o meu quarto, deixei a mochila e entrei na cozinha pra ver se tinha algo pra comer… Ao entrar percebi uma enorme pilha de louças sujas e quase que instantaneamente arregacei as mangas e comecei a fazer algo que nunca havia feito na minha vida: Lavar os pratos. Terminando, tomei um banho e estando cansado fui para cama dormir.
Deitei, fechei os olhos e senti uma felicidade misteriosa. Nunca havia me sentido com tal plenitude… e porque?? No mesmo instante me lembrei daquilo que o slogan publicitário havia proposto, sorri comigo mesmo, virei me bruços e dormi, esperando que a Bebida Púrpura superasse a Coca-Cola em vendas.

Ofertório

Ofertório

Depois de ouvir o que o meu Amigo disse, enfiei a mão no bolso pra ver se encontrava alguma moeda para oferecer. Senti somente resquícios de tecido e o folder de corretora de seguros amassado. Passaria em vão daquele Ofertório.

Ao deixar a Sua casa, lembrei que até minha namorada me havia recusado um abraço no momento difícil em que eu vivia e, chegando na minha, fui ignorado pelos meus pais, que preferiam dar atenção aos personagens do Big Brother.

Nessa constante busca de viver pelos outros, de esquecer limites, fraquezas, que muitas vezes geram desentendimentos e sofrimentos, me vejo sempre diante de obstáculos interiores quase sempre intransponíveis.

Todos os meus pensamentos, a postura hedonista que tenho diante das coisas e das pessoas, têm um significado, um motivo, aparentemente imperceptível, pois a vida na metrópole nos impulsiona a cada vez mais fazer e menos pensar.

Assim, deixo de viver pelos outros, me fecho nesse meu eu, limitado, se isolado, sem sentido sozinho e conseqüentemente as crises, questionamentos, dúvidas, adquirem proporções inimagináveis.

Saio do banho pensando em tudo isso. No quanto falta fazer a minha parte… Preciso ser mais consciente, coerente, menos máquina e mais amor.

A subjetividade desses “filosofismos” desaparece quando vejo a presença de tantas pessoas que caminham ao meu lado, que muitas vezes passam batidas, mas que são peças-chave para que eu viva a minha experiência de sujeito empírico até o fim.

Amanhã, quando encontrar meu Amigo, terei muito para oferecer: minha alma, meu ser, meu SIM.

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