Category: Estórias Page 14 of 16

A rosa e o girassol

rosa e o girassol

O Jardineiro dispôs suas flores no imenso jardim, jogando as sementes ao acaso, para que nascessem naturalmente e pudessem crescer da mesma forma. Depois de alguns anos cresceram as mais diversas flores, mas, sobretudo, rosas e girassóis.

As rosas cresciam belas, seus botões preanunciavam o desabrochar de uma beleza inigualável, única, que a fazia se destacar entre as outras flores do jardim. Porém, o que não se sabia é que seus espinhos muitas vezes sufocavam o nascimento de outras flores, acabava-as matando, o que fazia com que o Jardineiro se questionasse a respeito do valor de uma beleza individual, que acabava limitando aquela região do jardim a poucas flores.

Do outro lado estavam os girassóis, simples, longe de serem belos como as rosas, porém à distância, devido a quantidade incontável de flores, pareciam um tapete amarelo que executava sua dança durante o dia, sempre em direção ao Sol.

A particularidade dessas flores era justamente resplandecer a Sua beleza, sem deixar de estimular o crescimento, a vida e a harmonia junto às flores vizinhas. O baile em consonância gerava uma união de pensamentos, pois o efeito de massa fazia com que todos os girassóis soubessem onde estava o Sol, mesmo se um deles fosse pequeno ao ponto de não enxergar o astro celeste.

Essa busca coletiva pelo mesmo Ideal os fazia estar sempre juntos. Era impossível sentirem-se sozinhos e essa união era o que transformava a beleza modesta de um girassol no espetaculoso “tapete amarelo” que se observava à distância.

Alguns girassóis às vezes se rebelavam por serem menos atraentes que as rosas do outro lado do jardim, mas vendo as rosas sempre sozinhas, percebiam que era melhor o menos perfeito, em acordo com os outros, do que o mais perfeito, em desacordo.

Assim os girassóis estavam sempre juntos, não deixando nunca de crescer, pois aquela vida coletiva proporcionava o nascimento de outras flores e que aumentava ainda mais o amarelo, espelho do Sol, daquela parte do jardim, enquanto do outro lado, a Rosa nascia, crescia e morria, sempre sozinha.

Construindo meu mundo

Construindo meu mundo

Hoje pequei o Lego e fui construindo meu mundo…

As mais variadas ideologias disponíveis no Shopping center “Ventos de Doutrina” me permitiam usar regras sociais de acordo com o meu gosto e, melhor ainda, criá-las selecionando aquilo que me convinha de cada uma delas… Consumismo, Hedonismo, Individualismo, Liberdade, ou melhor, Libertinagem me parecia mais excitante.

Construí as casas grandes, pequenos palácios, e as peças que iam sobrando, eu as deixava de lado pra ver se dariam para serem usadas depois. Passei horas edificando aquele meu ambiente, transformando sonhos em objetos concretos e me divertia vendo que a minha criatividade queria sempre oferecer novas idéias. Quando acabava de criar um objeto, logo vinha uma idéia mais interessante…

Depois de ter criados parques, museus, bares, casas, clubes, carros, daquela que chamei Perfeitolândia, peguei aqueles resquícios de peças e, afastado da cidade, criei uma cidadezinha para os bonequinhos sem alguma parte do corpo… cabelo, braço, mão, perna….a minha favela.

Quando a cidade estava pronta, pensei no tipo de habitante que eu gostaria que habitasse nela. Tinha diversos bonequinhos, mas queria que estivessem lá os melhores, os escolhidos, universitários, inteligentes, leitores da Folha, para estarem em sintonia com a minha obra prima.

Apoiei-me na ideologia comprada no “Ventos de Doutrina”, o Individualismo, para selecionar os bonequinhos para a Perfeitolândia. Queria que as pessoas fossem felizes independentemente de qualquer coisa… que buscassem por si só sucesso, fama e é claro, Felicidade. Elas estavam desvinculadas.

Fiquei horas imaginando, como o Vendedor de Histórias de Gaarder, como essas pessoas se relacionariam… Cada uma na sua, construindo as suas verdades, edificando seus conhecimentos a partir do zero. Porém, fui percebendo que, quando se comportavam assim, isoladas, elas cometiam erros bobos, primários. A procura de respostas individuais às coisas que atingem o ser humano intrinsecamente parecia uma corrida de bate-bate infinita. Quando se conseguia andar um pouco, logo as pessoas se chocavam entre si, gerando conflitos intermitentes e infinitos.

Foi aí que entendi o significado das raízes, das tradições, das primeiras gerações. Das regras calcadas em experiências milenares e não simplesmente em vontades do século XX. Nesse momento tive conhecimento de que, olhar para trás, escutar os avós, nos permite fazer mais experiências positivas, tropeçar em novos e não nos mesmos obstáculos e assim, contribuir efetivamente para que a Perfeitolândia fosse realmente uma Cidade Maravilhosa. Porque busca emancipar-se e não simplesmente SER de modo estático, perfeito, como as peças do Lego (e as pessoas do nosso mundo).

A garota dos porquês e o girassol

garota dos porquês

Os questionamentos da “garota dos porquês” há tempos chateavam as pessoas a sua volta. A mania de querer entender tudo, seus sentimentos e ações, era somente suplantada nas horas em que a doce menina estava dormindo. Momento no qual ela mergulhava em aventuras que sempre respondiam alguma coisa, mas que igualmente fazia emergir dúvidas novas.

A “garota dos porquês” tinha ganhado do seu Pai um girassol. Simples, belo e que buscava desempenhar seu papel natural, acompanhando o movimentar cotidiano do sol. Seu amarelo forte, as pétalas, tudo seguia uma harmonia particular, sobretudo porque as chuvas abundantes nunca deixavam de nutrir a flor.

Nos períodos de seca, a “garota dos porquês” ia sempre no jardim regar o girassol. Com o regador cheio, inundava o solo e nutria a flor, que em troca, iluminava a garota com todo seu frescor e sua beleza, que decorriam dos cuidados dela.

Uma forte característica da “garota dos porquês” era que ela tentava sempre entender o mundo. Vivia intensamente cada momento, cada experiência, queria descobrir a beleza em cada coisa.

Porém um dia, ela foi convidada para fazer uma longa viagem para a terra da pizza. Foi uma grande surpresa, pois ela nunca havia saído de casa. Depois da felicidade inicial, veio uma tristeza profunda… ela teria que deixar o girassol… quem iria regá-lo enquanto estivesse fora?? E como ela viveria sem poder contemplar sua flor?

Contudo, devido as circunstância, ela se foi… a despedida foi muito difícil, pois o girassol era quem a escutava e acolhia suas dúvidas e medos.

Durante a viagem choveu todos os dias. Nunca o girassol esteve tão belo, as chuvas foram tão abundantes. O medo da “garota dos porquês” foi inócuo, pois seu Pai estava sempre de olho na flor.

Porém, a falta que o girassol fazia e principalmente a impossibilidade de contemplá-lo, deixava a “garota dos porquês” cada vez mais preocupada.

Tinha muitas coisas para fazer e conhecer na viagem… aos poucos ela foi esquecendo do girassol, tinham outras flores bonitas para contemplar e ela começou a pensar se realmente gostava do girassol.

Perguntas e porquês irrespondíveis fizeram com que ela entrasse em uma crise por não encontrar respostas e não se sentir igual à antes. Contudo, o girassol continuava o mesmo, não faltava água e ele estava reluzente.

A viagem acabou e a “garota dos porquês” voltou para casa. Tinha descoberto um novo mundo, contemplado diversas flores, mas ao ver o girassol lembrou de tudo aquilo que tinha vivido antes, do companheirismo e o crescimento sempre acompanhado pela bela flor.

        As experiências da “garota dos porquês” fizeram com que ela aprendesse como cuidar melhor dos girassóis e também o melhor modo de cultivar flores novas. Ela tornou-se uma jardineira e tanto e, enquanto cuidava das flores, preocupa-se menos em responder os seus porquês irrespondíveis.

A princesa, o espelho e a janela

princesa

Uma nova fase começou na vida da princesa assim que ela redescobriu quem realmente era e reaprendeu a se olhar no espelho. Parecia que tinha um novo mundo para viver. Passou a ver o quanto as suas virtudes, mas também seus defeitos serviam para tornar o reino ainda mais belo.

A coroa que ela havia perdido tornou-se irrelevante, na medida em que ela notava o quão bonitos eram os seus olhos, delicados seus cílios, avermelhada a sua boca. Era realmente uma jovem magnífica.

Porém, o tempo passava e diante das suas dificuldades e desencontros consigo mesma, a princesa buscava o espelho sempre que era preciso apaziguar sua alma. As respostas pareciam estar sempre nela, escondidas no próprio ser, na própria imagem.

Assim, a princesa foi ficando cada vez mais tempo em seu quarto, para se conhecer minuciosamente e explorar suas capacidades ao máximo, para então cativar ainda mais seu povo. Consequentemente, o espelho tornou-se o principal objeto do quarto. Ela passava horas em frente a ele, não via mais ninguém, quase esquecera como eram as outras pessoas.

Mas um dia, improvisamente, vendo seu reflexo no vidro como estava acostumada a ver no espelho, aproximou-se da janela e vislumbrou a “infinitude” territorial do seu reino. Lá longe conseguia observar os pássaros planando em volta do cume das montanhas, as árvores floridas, as crianças correndo, os comerciantes na feira… Tudo era realmente lindo.

Havia esquecido do mundo e suas belezas depois que começou a passar horas, todos os dias, diante do espelho. Ali, a princesa se deu conta do quanto havia perdido. A dimensão sem medidas do mundo.

Daquele momento em diante ela dividia alternadamente o tempo em que olhava para si mesma, admirando as belezas que existem do outro lado da janela.

A primeira parte da história está no post A Princesa e a Coroa (https://escrevologoexisto.com/2007/04/05/a-princesa-e-a-coroa/)

Silênciar

Silênciar

Acordo assustado depois de uma noite mal dormida.

O som do sinal da escola ao lado ressona nos meus ouvidos, preparando-me para mais um longo dia.

Levanto, me troco, preparo o café e o silêncio que se instaura perturba.

Ligo o rádio, a tv, para não ouvir eu mesmo.

Saio, vou trabalhar e o meu walkman me acompanha em cada minuto do dia. Nada de brechas, o silêncio me incomoda, me entristece.

O dia passa e procuro conversar com as pessoas, estar o menos possível sozinho, para não correr o risco de ouvir a minha voz.

Chego em casa, ligo a TV. Nem me sento para assistir, mas fujo do silêncio.

É o silêncio que me fala, grita para que eu seja ao menos modestamente consciente de que existem passos necessários, escolhas delimitadoras, caso almeje a Felicidade.

Encosto a cabeça no travesseiro e me rendo. Dou-me conta da vida mesquinha e alienada que tenho vivido. Faço muito e vivo pouco. Nem tudo tem sentido, nem sempre acredito que o que eu faço vale a pena. Quase nunca estou feliz.

Aquele diálogo momentâneo, de poucos minutos comigo, serviram para que eu aprendesse a silenciar.

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