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Reconectar, Brasil

Voltar ao Brasil para reconectar

Eu nunca fiquei tanto tempo sem voltar ao Brasil. A culpa é da pandemia de COVID-19. Essa situação excepcional criou uma desconexão entre o “helvetismo” que cultivei como imigrante nos últimos seis anos e a brasilidade que carrego dentro de mim.

Na minha terra natal, eu sempre sou convidado a ver o mundo na perspectiva dramática do outro, muito por presenciar diariamente a miséria, a privação e o desamparo dos mais vulneráveis. Há muito tempo esses elementos não fazem mais parte do meu cotidiano.

A diferença entre realidades não só me afastou das dinâmicas constitutivas de quem eu sou, mas também me distanciou de alguns dos meus compatriotas. Para eles, sem a vivência, eu perco um componente chave para analisar a situação sócio-política brasileira. 

Daqui a exatas duas semanas, se tudo der certo, estarei de volta ao meu país. Mas dessa vez o mundo não é mais o mesmo. Estamos todos conectados pelas realidades impostas pela pandemia de COVID-19. Contudo, as feridas e o vazio que essa experiência tem causado de maneira diferente em cada um de nós precisam encontrar significado no desejo profundo de reconexão, de reencontro. Mesmo se com máscaras e distância física.

Crises são sempre oportunidades incríveis de avaliação interior. Foram nesses exercícios que eu entendi o quanto o outro é parte de mim e eu sou fruto do outro. É essa reconexão que estou indo buscar no Brasil para, quem sabe, me sentir novamente completo.

Racismo

Superar o racismo com o encontro

Falar sobre racismo sempre foi algo estranhamente distante para mim. Apesar de ter crescido em um ambiente jocoso em relação a minha cor, raras foram as situações em que me percebi inferior, simplesmente pela cor da minha pele ou por ocupar um espaço que não correspondia às expectativas dos brancos. Foi assim na escola, na universidade, na Igreja ou no mercado de trabalho, apesar de nunca ter encontrado um negro ocupando uma posição de liderança nesses ambientes para me espelhar.

A primeira vez que fui vítima do preconceito racial foi em uma das escolas particulares em que estudei. Durante um debate sobre as eleições daquele ano fui ridicularizado em voz alta por uma colega branca por não apoiar um determinado candidato que era preto como eu. Senti-me humilhado diante dos meus colegas, mas engoli a ofensa sem saber que estava sendo vítima de racismo. Muitos anos depois, dessa vez na Itália, fui ofendido e maltratado por suspeita de furto em um supermercado em Figline Val d’Arno. Um sentimento de indignação e desrespeito difícil de explicar.

Ontem foi ao ar o episódio sobre Racismo Estrutural do canal do YouTube Papo Objetivo em que fui convidado a partilhar minhas vivências como preto fora do Brasil. Essa foi a primeira oportunidade de externalizar publicamente o que venho descobrindo há alguns anos: a importância da luta pelo reconhecimento e a igualdade de direitos dos pretos, o valor da reparação histórica e, principalmente, a compaixão comigo e com todos aqueles que não sentem na pele as consequências do racismo estrutural.          

Um dia desses, aqui na Suíça, estava sentado em uma mesa repleta de pessoas brancas, discutindo sobre o racismo de forma inflamada, cheia de propósito. E eu estava lá, ouvindo tudo. Ninguém em momento algum pensou em me perguntar sobre a minha experiência enquanto negro. Por outro lado, era bonito perceber uma preocupação comum em todos de se tornarem pessoas melhores, mais conscientes do racismo estrutural.

Ao tomar a palavra, ressaltei a importância de enfrentar o racismo com a perspectiva do encontro. Não basta limitá-lo a uma discussão puramente intelectual. É preciso ir de encontro ao preto, à preta, à cultura preta, à arte preta. Eu sempre me pergunto: quanto amigos pretos as pessoas brancas têm? Quanto da cultura preta, da arte preta as pessoas conhecem? Quais dos autores e autoras pretas as pessoas já leram? No encontro a gente descobre as belezas e os limites do outro, profundamente diferente de nós, e a partir dele ampliamos a nossa percepção desse outro, ficando mais atentos para não o ferir ou ofendê-lo. 

Paralelamente, é fundamental educar as novas gerações para uma cultura antirracista. Temos o desafio de ajudar as meninas e meninos pretos a serem apresentados à questão racial não a partir do racismo, da violência. Eles precisam internalizar a sua negritude enquanto potência, como disse a jornalista Adriana Couto, durante o programa Roda Viva com o rapper Emicida.

O caminho antirracista é um caminho de luta quotidiana, mas que precisa ser feito com profunda compaixão e respeito. É preciso uma evolução que desça da cabeça e chegue aos braços e ao coração.

Suíço

Suíço-BRASILEIRO

Em 2020 completei seis anos vivendo fora do Brasil. Um tempo valioso de inúmeros desafios superados, escolhas, medos e incertezas. Quem vê de longe, no superficial das redes sociais, não tem como compreender o processo traumático de ter que redimensionar as próprias raízes e referências, para se adaptar a uma outra cultura com valores e dinâmicas tão diferentes.

Aqui na Suíça eu não sou turista. Não estou aqui para fazer uma experiência de trabalho ou estudo e depois voltar para casa. Agora eu sou (também) suíço. 

Entender isso não me tirou nada. Não me faz menos brasileiro. Aliás, essa foi a primeira lição que aprendi como imigrante: inculturar-se não é perder o que se tem, mas estar aberto para enriquecer-se com o novo, aceitando as diferenças ou simplesmente suportando-as com paciência, quando necessário.

Aqui em Berna, onde atualmente vivemos, ainda existe o obstáculo da língua. Já aprendi dois dos quatros idiomas nacionais, mas ainda falta o mais importante deles: o alemão. Contudo, o sentimento agora não é mais de intrínseca desconexão, mas de simbiose entre a minha brasilidade e o que eu considero “helveltismo”.

No último sábado, primeiro de Agosto, festejei mais um aniversário da Suíça. Não escondo o orgulho de ter como segunda pátria um país que nasceu de um pacto. Esse pequeno pedaço de terra no coração do continente europeu foi criado a partir da vontade recíproca de estar juntos, se unir. (Em alemão existe a palavra “Willensnation” – nação de vontade). Depois de um bom tempo vivendo aqui, posso dizer que essa é uma nação que sabe tirar proveito da sua diversidade, edificada no respeito mútuo. Uma receita quase infalível para o sucesso socioeconômico e o bem comum.

Amor

Três anos de um amor sublime

Erick Fromm, em seu fantástico livro A arte de amar, ressalta que, por seu caráter altruísta, o amor de mãe é considerado a forma mais alta de amor e o vínculo afetivo mais sagrado.

E quem sou eu para questionar o amor de mãe? Nem ouso me comparar! Porém, desde o dia 22 de maio de 2017 tenho me esforçado para elevar o meu amor paterno ao patamar de doação e empenho que vejo e admiro em tantas mães, sobretudo a que convivo diariamente.

A paternidade me fez deslumbrar um amor novo, avassalador. Daqueles que dói o coração com a distância e que aquece a alma na convivência. A vida tem sido esse festival de emoções desde a chegada da Tainá, nossa primogênita, que hoje completa seu terceiro ano de vida.

Tainá é um tsunami de energia, alegria e sapequice. Habilidosa bilíngue, exímia desenhista e sensível como só uma criança é capaz de ser. Tainá me faz experimentar um amor sublime. Que ama por eu estar aqui, ser seu pai. A única moeda de troca é o meu tempo, quantitativo e qualitativo.

Hoje a festejo com a gratidão de filho de Deus e o orgulho de ser seu pai. Faz três anos que a Tainá tem sido a estrela que ilumina nossas manhãs, nos ajudando a ser pessoas melhores, aceitando nossos inúmeros limites. É uma caminhada incrível que temos o privilégio de poder percorrer juntos.

Obama e o caminho para uma unidade mais perfeita

Desde a primeira vez que assisti Barack Obama discursar fiquei apaixonado pela maneira como o ainda candidato a presidente dos Estados Unidos partilhava suas ideias com seus compatriotas.

Os discursos de Obama apresentados no livro “Nós somos a mudança que buscamos” revelam muito dos seus ideais, valores e a visão de um país a caminho de uma unidade mais perfeita.

O livro mudou a maneira como eu vejo esse que foi um dos mais brilhantes líderes do século XXI . Ele transformou a minha admiração ingênua por Obama em um profundo respeito por tudo aquilo que ele realizou, apesar das incoerências.

… para mudar é preciso mais que dizer o que se pensa – é preciso ouvir também. Em particular, é necessário ouvir aqueles de quem discordamos e estar dispostos a entrar em acordo.

Pronunciamento na CERIMÔNIA de formaTura da universidade de howard, 7 de maio de 2016

O paradoxo da ascensão de Donald Trump logo após um líder como Barack Obama é no mínimo intrigante, e mostra que a democracia é um longo, complexo e tortuoso caminho, cheio de imperfeições e frustrações, mas que, mesmo assim, como diz o próprio Obama, é a melhor alternativa que temos.

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