Não que tenhamos nos surpreendido pelo mau tempo e a chuva se preparando para cair. Afinal de contas, isso aconteceu durante quase todo o “projeto de verão” que tivemos esse ano aqui na Suíça.
A grande novidade dessa Segunda-Feira estava na mais importante mudança na nossa família desde a chegada da Yara, há quase dois anos. Hoje, porém, os holofotes e a nossa alegria estavam particularmente na Tainá, nossa primogênita.
Há meses temos conversado sobre o seu ingresso no Jardim de Infância. Procurado explicar as novas dinâmicas e o fato de que agora ela começaria a trilhar seus caminhos sem a presença da sua irmãzinha e grande parceira de aventuras.
Pais e mães nunca estão preparados para esses momentos de desapego. Esse novo ciclo tira das nossas mãos o controle, o monopólio dos estímulos e de sermos figuras únicas na educação das nossas filhas. Agora a Tainá terá novos amigos, novos modelos que vão contribuir para quem ela será mais adiante.
Algumas lágrimas escorrem, de alegria e um pouco de apreensão. Mas a nossa passarinho foi voando, destemida, alegre, 100% Tainá.
Hoje, de certa forma, ressignificamos o nosso papel de pai e mãe, aceitando o convite da vida para sermos, sobretudo, grandes acompanhantes das nossas filhas. São elas as verdadeiras protagonistas das próprias histórias.
Um detalhe.
Ao sair de casa, a Tainá escolheu pegar na minha mão no caminho da escolinha. Dentro senti uma alegria incrível por me sentir “Porto Seguro”.
Muitos novos ciclos virão, mas é esse o meu maior desejo. Continuar sendo um “lugar” visível onde ela pode ancorar segura, sempre que precisar.
Acabei de falar com o meu pai, que semana passada festejou seus 73 anos de vida. Que privilégio eu sinto de ser filho dele!
Pensar no meu pai me faz sempre refletir sobre o impacto dele na minha vida enquanto pai, homem e, acima de tudo, ser humano. Apesar dos seus limites e vazios, ele sempre esteve presente, com um olhar sereno e um sorriso acolhedor que me fez sentir amado.
Hoje, mesmo com toda abertura da sociedade e o incentivo do Feminismo, o papel do homem continua problemático. Além do machismo estrutural, que muitas vezes custa a vida de mulheres em todo mundo, outro aspecto negativo de impacto avassalador é justamente a aceitação da ausência dos pais dentro de casa. Na partilha das tarefas domésticas, mas sobretudo na falta de participação na educação e no acompanhamento de filhos e filhas.
Infelizmente, existe também um certo conservadorismo imbecil que sustenta a manutenção de papéis ditos tradicionais com justificativas religiosas. Família é um espaço dinâmico, que encontra o próprio equilíbrio no esforço comum e cotidiano de pais e filhos para que todos encontrem a propria realização. TODOS. Nos mais variavelmente coloridos caminhos.
Rotular ou encaixotar os papéis de pais e mães é como cultivar um jardim monocromático.
Que hoje seja um dia para festejarmos pais presentes (valeu pai!), protagonistas, abertos e dinâmicos.
É esse pai que eu tento ser, esforçando-me e rezando todo dia para me aproximar mais dele.
O desafio em comum da pandemia de COVID-19, em vez de unir população e ajudar a reverter o processo de polarização no Brasil, intensificou dramaticamente as divisões que já existiam no meu país. Incapazes de lidar civilizadamente com as nossas diferenças, tomamos caminhos opostos, agravando a crise (institucional e sanitária) que já levou mais de 300,000 vidas.
Com os rostos ainda banhados pelas lágrimas do luto e da indignação, precisamos buscar corajosamente uma forma de (re)estabelecer vínculos mínimos que nos permitam negociar a nossa existência comunitária.
Respeitar a identidade muitas vezes antagônica do outro é um processo interior trabalhoso e, não raramente, angustiante. O risco é ainda maior quando nesse processo de negociação das verdades existenciais, nos colocamos em um lugar de superioridade moral. Seja ela por motivos religiosos, intelectuais ou em decorrência de experiências passadas.
A tentativa de convencimento, a todo custo, do que acreditamos ser correto, nos leva a ignorar a longa e difícil via do diálogo no processo de síntese coletiva. Dessa posição intransigente, não é difícil descambar para agressões verbais e até para a violência física.
Não acredito na relativização da verdade e do que é correto, ainda mais quando o custo são vidas. Contudo, sou igualmente contra a imposição fundamentalista de métodos em prol do bem universal.
Nesses tempos difíceis, eu sei, estamos todos cansados! Porém, pensando no futuro dos nossos filhos, temos a grande responsabilidade de fazer da nossa indignação uma força propositiva capaz criar as condições necessárias para um diálogo construtivo.
Infelizmente, esse é um caminho vagaroso. Mas sem a paciência estratégica e uma conduta conciliadora, não conseguiremos (re)estabelecer vínculos sociais que contribuam para uma convivência pacífica, solidária e, quem sabe, fraterna.
Quando cheguei aqui em abril de 2014, além de trazer comigo o entusiasmo de uma recente experiência missionária no oeste africano, sentia a alegria de começar uma vida nova em Genebra: um lugar cheio de memórias incríveis com a minha agora esposa, Flavia.
Após a “lua de mel” dos primeiros seis meses, as diferenças culturais que antes eram vistas como riquezas, passaram a se tornar um peso difícil de suportar. Mesmo estando antes em Genebra, essa era a primeira vez que tinha o desafio da integração diante de mim, principalmente ligado à inserção no mercado de trabalho e ao aprendizado da língua local: o francês.
Naquele momento, eu era constantemente questionado por me comportar de maneira diferente, ser fisicamente diferente e, em resposta, eu me esforçava ainda mais para não perder a minha identidade brasileira.
A dificuldade com a comida e o clima, o aprendizado de uma (ou mais) nova língua e as dinâmicas interpessoais completamente distintas foram os elementos mais difíceis de assimilar. Eles foram (e as vezes ainda são) causa de dor, frustração, ansiedade e, principalmente, solidão.
Fazer comparações constantes com aquilo que tinha deixado para trás, tornou-se uma reação defensiva comum. A grande mudança aconteceu após esses primeiros três anos, quando voltei de férias para o Brasil.
O tempo vivendo distante fez com que eu perdesse a ligação orgânica que tinha com o meu país natal. O Brasil que conhecia tinha sofrido mudanças drásticas políticas e econômicas. Amigos e familiares viviam outras fases e muitos deles passaram a desconsiderar a minha visão do país, pelo simples fatos de não viver mais lá a tanto tempo.
O que pode parecer algo essencialmente ruim, na verdade foi uma janela que se abriu para um processo de integração mais profundo e livre de bloqueios interiores ligados à minha cultura original. Essa nova fase inaugurou uma dinâmica pessoal nova, menos preocupada em evidenciar diferenças e fazer comparações.
Já há algum tempo eu comecei a nutrir um sentimento de orgulho e amor pela Suíça. Depois desse longo processo de amadurecimento interior, hoje é bem mais fácil entender as diferenças como riqueza e de assimilar os elementos da nova cultura à minha própria identidade.
É difícil saber o quanto eu estar imerso em um ambiente de aceitação e respeito contribuiu para a passagem dessas fases. O tempo é, sem dúvidas, um grande aliado.
Sempre digo que a integração é um processo dramático, pois toca elementos constitutivos da nossa identidade. Contudo, por meio dela somos convidados a descobrir a nossa incrível capacidade de incorporar dimensões que vão muito além daquelas que nos originaram.
É preciso querer, exige esforço, mas, sem sombra de dúvidas, vale a pena!
Das pessoas assassinadas no país entre 2008 e 2018, 75,5% são negras, segundo o Atlas da Violência. Uma pesquisa da ONG Rio de Paz, mostrou que entre 2016 e 2019, 91% das crianças mortas por “balas perdidas” no Rio de Janeiro, eram negras.
Só com o endurecimento das leis para crime de racismo, oportunidades iguais para os e as jovens pretas e, sobretudo uma política de reparação histórica, é que podemos tratar uma sociedade adoecida pelo racismo, como é a brasileira. Porém, o diálogo também nesse âmbito acabou polarizado, banalizando o fato de que todas as vidas importam, inclusive as vidas pretas.
Sem uma resposta incisiva e transversal continuaremos limitando a nossa luta à busca de uma justiça esvaziada de significado porque incapaz de olhar o todo e transformar as estruturas da nossa sociedade.