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Conceito de família: o Amor, a comunidade e as diferenças

Conceito de família

Há alguns meses tenho pensado seriamente na situação das famílias em geral, condicionado pelas experiências e descobertas que eu e a Flavia fizemos no continente africano.

Com o coração pesado ao olhar à sociedade “ocidental”, individualista em sua essência, percebo que existe um pensamento falacioso que tira dos casais e da comunidade a responsabilidade do sucesso das famílias.

O Amor e a comunidade

Observando o contexto africano, percebi o quanto a vida em comunidade ajuda a ver as situações com mais clareza, potencializando a tomada de decisões corretas.

Na África (que conhecemos) um casamento só é válido se tiver a benção dos pais e a aceitação da comunidade de origem. Esse consenso é, por outro lado, uma espécie de contrato social em que todos os membros da comunidade se comprometem a garantir a sobrevivência da nova família, diante possíveis adversidades que possam surgir. Dentro deste contexto, é praticamente impossível sustentar escolhas individuais, em relação a vida com outra pessoa, sem o aval comunitário, .

Nunca achei que a escolha da mulher com quem eu queria dividir minha vida deveria ter aprovação unânime. Mas, sempre estive atento as opiniões daqueles que me conhecem e realmente querem o meu bem. Parece besteira, mas essa aceitação – observada com cuidado, pois envolve outros aspectos mais complexos – foi fundamental para um SIM mais consciente e sereno.

As diferenças

Conceito de famíliaA importância do SIM sustentado pela comunidade é enorme, principalmente, porque, com o casamento, evidenciam-se as diferenças.

Talvez os casais binacionais são aqueles que melhor experimentam a maravilha proveniente do ser culturalmente diferente.  As diferenças de gênero e de família têm um peso grande em qualquer relação, mas quando o casal provém de culturas geograficamente distantes, as simples dinâmicas da vida à dois exigem uma entrega especial, para que as diferenças sejam acolhidas de maneira positiva.

Infelizmente, parece que a minha geração é culturalmente doutrinada a lamentar as diferenças e afastá-las para o próprio bem, individual. Dor, sofrimento e lágrimas devem ser rejeitados de todas as formas.

O outro: dor e alegria

Conceito de famíliaContudo, na vida a dois, geralmente é o conjugue a principal causa de felicidade e o motivo das mais reais dores. Na convivência diária com outra pessoa encaramos o grande dilema da nossa existência: ao mesmo tempo que descobrimos nossas falhas, reafirmamos escolhas, conceitos.

O outro nos ajuda a perceber quem somos e o quanto somos diferentes. Só que, na maioria das vezes, as diferenças promovem conflitos. Normais. Essenciais.  Saber lidar com esses conflitos tem, entretanto, consequências sérias, principalmente quando existem outras vidas diretamente envolvidas na relação do casal. A falta de amor, compreensão, diálogo verdadeiro (silêncio e palavra) e, principalmente, de perdão são determinantes para o futuro de uma família.

Conceito de família

A separação do casal – que nem sempre é o divórcio ou “sair de casa”, mas pode ser a recusa de viver profundamente juntos – cria seres humanos profundamente angustiados, inseguros.

A família como base da formação de um indivíduo e da edificação de uma sociedade saudável precisa ser entendida considerando a sua continuidade e não somente com o olhar diante de um momento singular, que pode ser de dificuldade, dor, incompreensão.

Para isso, a comunidade parece ter um papel fundamental. A linha tênue entre preservar a intimidade do casal – muitas vezes um “benefício” do individualismo – e partilhar as dificuldades (com as pessoas certas) parece ter, como condição, o bem comunitário e principalmente a felicidade dos filhos.

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Mudanças: montanha russa cultural, saudades e novos desafios

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Tarde ensolarada na bela – mas ainda fria – Genebra. Decido praticar um pouco de esporte, pego a minha bicicleta e pedalo rumo ao Lac Léman.  Quem já esteve em Genebra sabe bem o que é vislumbrar a maravilha que é essa cidade, como o Rio de Janeiro, bonita “por natureza”.

Durante a minha atividade esportiva, recebo a mensagem de uma amiga brasileira me saudando. Paro e envio pelo celular uma foto do panorama que estou apreciando. Em resposta, ela me pergunta se é difícil, em um mês estar no Brasil, em outro, na Costa do Marfim e, no seguinte, em Genebra.

Montanha russa cultural

rollercoasterA resposta que dei à minha amiga eu tenho repetido, quase sempre, a todos aqueles que me perguntam como está sendo a adaptação aqui no Velho Continente: “bem difícil”. Claro que estou reclamando “de barriga cheia”! Eu não sou um imigrado sozinho ou um refugiado. Estar casado com uma cidadã suíça ajuda muito a viver com tranquilidade as situações normais de instabilidade, diante da nova vida que começamos aqui em Genebra.

Porém, mesmo assim, não é fácil vivenciar, em tão pouco tempo, uma “montanha russa” de concepções culturais. Descobrimos – eu e minha esposa –  três culturas completamente diferentes, repletas de pessoas maravilhosas, mas ainda temos dificuldades de chegar às sínteses.

Mudanças: a saudade e os novos desafios

DSC_0015Ultimamente temos tido muitas saudades da África. A vida simples, com menos preocupações materiais e mais relacionamentos nos encantou e deixou uma marca forte em nossa família. Agora, desse lado do Mediterrâneo, precisamos enfrentar os novos desafios e continuar vivendo de forma equilibrada as diferentes dinâmicas culturais que a vida nos propõe.

O primeiro desafio é em relação ao impulso consumista que emerge como “pseudo-alternativa” ao vazio comum em sociedades individualistas. O desejo de “comprar para se satisfazer” parece maior quando não se experimenta constantemente a felicidade que o encontro com “o outro” oferece. Nos últimos dias, me vi agradecendo a Deus pela minha esposa, que tem sido uma ajuda fundamental para que eu não perca meus valores essenciais.

O segundo desafio é superar o imediatismo e o ativismo. Estar em uma situação de transição (em relação aos documentos de imigrante, aprendizado da língua, entre outros) cria uma certa frustração e a ansiedade de querer “fazer algo”, “ganhar dinheiro”, com urgência. Porém, muitas vezes, diante das mudanças, cabe a nós simplesmente esperar e transformar os momentos de “ócio” em oportunidade de repensar escolhas, projetos, com tranquilidade, antes de iniciar uma nova etapa da vida.

Mudar vale a pena?

As mudanças exigem grande paz de espírito e coragem para acreditar (novamente) que muitas coisas demandam tempo que, consequentemente, exige espera que, por fim, requer paciência.

Acredito que vale a pena mudar, simplesmente pelo fato de que as mudanças exigem de nós flexibilidade. Ao longo do tempo, muitas vezes, perdemos essa capacidade, principalmente quando mantemos uma vida acomodada e sem “grandes emoções”.

 

 

Os caminhos de Mandela: testemunho de liderança, de perdão e de amor

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Olhar os tempos atuais e perceber um vazio de lideranças políticas não exige MBAs ou outros estudos de pós graduação. Em um “ocidente” feito, sobretudo, de interesses individuais, não me espanta a ausência de “alguém” capaz de fazer sínteses politicas coletivas eficazes.

Testemunho de liderança

Enquanto a maioria dos políticos se aproxima de seu “povo” ancorados em instrumentos tecnológicos e com a publicidade, um homem fez da sua vida um “testemunho de liderança”: Nelson Mandela.

No final de 2013 escrevi um post falando das virtudes e do significado de Mandela para a história da África do Sul, do continente africano e do mundo inteiro. Mandela não foi um homem comum, um simples revolucionário que se sacrificou pelo seu povo e se tornou uma espécie de herói para seus conterrâneos. Não! Mandela foi um transformador, um pacificador, um negociador, um verdadeiro político.

Os caminhos de Mandela

Photo 29-04-14 00 00 54Depois da morte de Nelson Mandela e da minha (breve) passagem pelo continente africano, decidi que era a hora de me aprofundar um pouco mais sobre este personagem tão intrigante. Foi assim que me encontrei com o livro de Richard Stengel “Os caminhos de Mandela – Lições de vida, amor e coragem”.

Stengel é um jornalista e escritor estadunidense da revista Time que teve o privilégio de passar dois anos auxiliando Mandela a escrever sua autobiografia “Longo caminho para a liberdade”. Enquanto isso, decidiu escrever sobre o relacionamento pessoal construído com o líder sul-africano, desvendando o homem – político. Em setembro de 2013, muitos anos após a conclusão do seu livro, Stengel foi nomeado pelo Presidente Obama, Sub-Secretário do Departamento de Estado do governo, para a Diplomacia e Assuntos Públicos.

O desejo de conhecer mais

Terminei o livro de Stengel querendo mais. Desejando conhecer com maior profundidade Nelson Mandela e entender de onde vinham suas motivações.

É noto que Mandela não é um homem religioso, no sentido confessional. Ele, de maneira puramente humana, desejava a paz, a igualdade de direitos, a dignidade de seu povo, mas sem odiar seus opressores. Com a razão e seus sentimentos mais genuínos ele parece ter descoberto novo modo de fazer política e de superar o mal, que muitos creem inerentes ao ser humano.

 O que percebi em todos os africanos que encontrei e perguntei sobre Mandela é um profundo respeito e admiração. Mandela se foi, mas ficou o modelo de homem, capaz de gerar uma espécie de síntese da razão ocidental, com o coração comunitário que permeia a cultura africana.

Racismo, medo e a reação inesperada de Daniel Alves

Já aceitei que vivo em uma sociedade racista. Como diz o Houaiss, racismo nada mais é que o “conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias”. Outro significado é “doutrina ou sistema político fundado sobre o direito de uma raça (considerada pura e superior) de dominar outras”. Ou então “preconceito extremado contra indivíduos pertencentes a uma raça ou etnia diferente, geralmente considerada inferior”.

Teorias e crenças. Doutrina ou sistema político. Preconceito com o diferente. As explicações são variadas, mas acredito que faltou um elemento essencial na definição do racismo: O MEDO.

Racismo e o medo do outro

campanha_somostodosmacacos_racismo_danielalves_rep_690O racismo é fruto do pré-conceito em relação ao outro. Com ele, emerge a necessidade de teorizar crenças, com o objetivo de justificá-las de maneira racional (por isso as teorias, doutrinas e sistemas políticos) e assim adquirir a credibilidade que tenha status de “verdade”.

Contudo, o racismo não é fruto da razão. Permanece sempre crença. Crença de que o outro é diferente e por isso inferior, crença que o outro age diferente, por isso é inferior. Que o outro pensa diferente e por isso é inferior.

Porém, o que na verdade o contato com o outro, essencialmente diferente, causa em nós é o medo de que percebamos as nossas fraquezas, que somos nós, em muitas ocasiões, os “inferiores”. E, para não deixar que isso seja comprovado teoricamente, sabotamos qualquer pensamento que denuncie nossos limites. Atacamos para não sermos atacados! Tudo por medo.

Lição que vem da cultura africana

Na minha recente e breve passagem pelo continente africano, fiquei impressionado com a estrutura física e a capacidade de sobrevivência dos meus irmãos marfinenses, camaroneses, congoleses e etc. Os filhos do “Berço da Humanidade” não têm os instrumentos tecnológicos que nós temos para facilitar a vida e, mesmo assim prosperam, geração após geração, tornando-se indivíduos mais fortes e capazes de sobreviver às adversidades do contexto em que provêm.

Os africanos mostram o quanto somos frágeis. O quanto apoiamos-nos, como sociedade “ocidental”, em conceitos de cultura e desenvolvimento questionáveis, pois eles não nos tornam pessoas mais racionais ou física e psicologicamente estáveis. Vivendo em harmonia com a natureza, a sociedade africana (principalmente rural/tradicional) dá uma lição ao mundo do como viver bem (não necessariamente FELIZ) com pouco.

Racismo cultural e o show de Daniel Alves

O caso do racismo no futebol é um espelho do racismo cultural que borbulha no “Ocidente”, de maneira especial no Velho Continente. Por aqui, defender as diferenças é garantir a própria identidade, sem deixar que as raízes culturais morram no contato com o outro, essencialmente diferente.

No Brasil, parece que o racismo é fruto de uma ignorância estúpida, de uma cultura que se aceita “colônia cultural”, reproduzindo ideias de outros contextos e que não consegue aceitar-se, essencialmente, uma “raça de raças”. No Brasil ninguém é puramente índio, africano ou europeu.

Na Europa é diferente. O racismo é a maneira encontrada para se defender do outro: do vizinho do outro lado da fronteira e, principalmente, dos que vêm de longe. Mas a causa é sempre a mesma: medo. E as justificativas eu já acenei nos parágrafos acima. O que faltava, porém, era uma reação nova, marcante. E foi isso o que Daniel Alves, jogador brasileiro do Barcelona fez.

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Um gesto simples, mas cheio de significado. Ao ser atingido por uma banana, clara alusão (porque feita repetidas vezes aqui na Europa) a um macaco (o que, simbolicamente, o faz ser inferior) Daniel Alves simplesmente descascou e comeu a banana, desqualificando o gesto racista.

O estúpido torcedor que atirou a banana para Daniel recebeu uma lição digna de aplauso. O jogador brasileiro mostrou que é possível transformar uma agressão em algo Maior, mostrando que a fraqueza, a inferioridade, como podemos constatar, está no ator do gesto racista.

Na Suíça, sou suíço? Os primeiros passos de uma jornada de inculturação

Suíça

Desde o dia 1º de abril quando deixei, com minha esposa, as terras africanas, voltei a ser “cidadão europeu”, morando na Suíça. Mesmo já tendo vivido alguns anos no Velho Continente, não é a mesma coisa aterrissar por aqui com a família.

Vida na Suíça

SuíçaNunca sonhei em viver na Europa, não só porque sempre estive bem no Brasil, principalmente na minha São Paulo, mas porque desenvolvi sérias críticas em relação aos valores que moldam o estilo de vida dos habitantes desse continente.

Mas… quis Deus (e eu, claro) que eu me casasse com uma cidadã europeia, mesmo considerando-a muito diferente da maioria dos seus conterrâneos. Depois de um pouco mais de um ano vivendo juntos no Brasil, por motivos familiares e profissionais, decidimos passar um tempo aqui, na Suíça.

Chegar aqui, principalmente no pós África, é se deparar com um mundo completamente diferente do que 99% das pessoas estão acostumadas. A Suíça é, sem sombra de dúvidas, o país mais rico (não em PIB, mas em bem estar social) e melhor organizado que conheci. Mas, e aí? Isso basta para ser feliz aqui? Não! Não basta!

Vida no Brasil

SuíçaDesde que decidimos juntos deixar o Brasil, país repleto de limites organizacionais, impermeado de uma corrupção que assola a maioria da população, senti um certo medo (que ainda não se dissipou). Principalmente porque experimentei as diferenças, já sabia o que me aguardava dessas partes do Atlântico.

O Brasil é um país dos relacionamentos. Podem duvidar, criticar, questionar essa afirmação, mas ela é feita em comparação com outros países que conheci. Não são as estruturas, a burocracia, a corrupção que fazem dele “abençoado por Deus”, mas a alegria, a coragem de lutar e as esperança que cada brasileiro carrega dentro de si.

Valores comunitários porque compartilhados

Uma das “encarnações de conceito” mais importante que trouxe comigo da África é que um povo nada mais é que um coletivo de indivíduos, unidos em torno a valores compartilhados.

Na Suíça existe, acima de tudo, o respeito. Respeito pelo bem público, pelo bem privado, que preserva as coisas e pessoas. Mas, da mesma forma que o respeito é um grande valor, muitas vezes ele pode servir de obstáculo para a construção de relacionamentos.

Para “não atrapalhar”, parece que “culturalmente” as pessoas “daqui” permanecem distantes, não oferecem ajuda, raramente são espontâneas. Isso parece inibir grande partes dos relacionamentos, que se limitam a uma cordialidade e simpatia constantes, mas sem tocar profundamente, sem amor e sem ferida. O Outro permanece lá, no seu espaço privado, com seus direitos e deveres, mas o próximo, o necessitado (não só materialmente) passa despercebido.

O desafio da inculturação

Essa visão, talvez preconceituosa, a respeito da cultura europeia, como um todo, é que eu desejo amadurecer por aqui, nos próximos anos. Percebi que a África tem muito a ensinar ao mundo, sobretudo no que diz respeito a uma vida comunitária. Algumas lições que aprendemos lá, desejamos promover aqui, a partir do nosso testemunho como família.

É um grande desafio a tal da inculturação porque somos frutos de “algo” que edifica nossos esquemas psicológicos. É sempre uma visão “de fora” e por mais que queira, nunca serei essencialmente suíço. Mas, isso não quer dizer que não amarei essa minha segunda pátria, com o mesmo ardor e amor que tenho pelo Brasil. Para tudo é fundamental ter paciência, porque leva tempo e eu, como aprendi em Man, farei uso do “tempo africano”.

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