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Charlie

Porque só o grito de Charlie foi ouvido?

Charlie

Um dos maiores aprendizados que o estudo do jornalismo me deu foi a consciência de que, em vez de simplesmente reproduzir sem acrescentar algo novo, é melhor esperar, refletir, para “ler os fatos” de forma mais consciente, na busca por conclusões novas.

Nas últimas duas semanas, vivi a normalidade das minhas férias no Brasil com o “Je suis Charlie” na cabeça. Diante de um acontecimento triste, que chocou o Ocidente, o que eu, cidadão brasileiro, imigrante na Suíça, poderia dizer? Essa não foi a primeira ocasião em que um cartunista do Ocidente ofendeu os fundamentalistas islâmicos, da mesma forma que não foi o primeiro atentado em resposta à “blasfêmia Ocidental”. Mas, dessa vez, o ataque terrorista promoveu uma reação forte e imediata. Porque? Porque só o grito de Charlie foi ouvido?

A Europa de Charlie não é vitima

Aqui na Suíça, como em outros países europeus, a intolerância religiosa é legislada. Enquanto os cristãos têm seus direitos de culto assegurados, a comunidade muçulmana, por exemplo, é proibida por lei de construir seus minaretes, a torre de uma mesquita onde são anunciadas as cinco chamadas diárias à oração.

CharlieObservando esse fato, é possível perceber que o princípio ocidental da liberdade não é um valor culturalmente universal. O limite da Lei prevê que valores diferentes daqueles praticados no Ocidente (mesmo os que não violam os direitos humanos), nem sempre sejam permitidos, de modo particular aqueles relacionados aos seguidores do Islã. Não é por acaso que muitos jovens, cansados de serem socialmente discriminados, acabem se associando aos grupos terroristas, como o Estado Islâmico.

Comentando o “caso Charlie” com um amigo, fiquei impressionado com a sua afirmação, clara e sincera, de que a cultura do Ocidente é realmente superior e, por isso: ou o Oriente se adapta, ou não é possível dialogar. Talvez essa afirmação sirva como resposta aos meus questionamentos iniciais sobre a reação do Ocidente em relação ao “caso Charlie” e, ao mesmo tempo, o silêncio após o atentado terrorista, quase contemporâneo, na Nigéria, que tirou a vida de 2000 pessoas. Para o Ocidente, algumas vidas valem menos.

Conclusões pessoais

A escalada da violência na Europa é também um alerta para os brasileiros que, de alguma forma (social ou econômica), se considera superior aos seus iguais. O  terrorismo é, muitas vezes, fruto de uma “cultura da intolerância”.

Liberdade, igualdade e, não esqueçamos do último, fraternidade. Ninguém nega a defesa dos dois primeiros pilares da Revolução Francesa, mas poucos sabem que é justamente a fraternidade o ponto de equilíbrio para que os valores “revolucionários” sejam universais. Sem a aceitação e o respeito incondicional do “outro”, essencialmente diferente, acabamos enfraquecemos as verdades e os valores que predicamos.

Ferguson

Ferguson: um sinal de alerta à promoção negativa das diferenças

Ferguson

Nos últimos dias, fui com a minha esposa na parte alemã da Suíça festejar o aniversário de uma das minhas cunhadas. Mesmo se sou residente há 8 meses na Confederação, sempre que vou àquela região, me dou conta do quanto multicultural é esse pais que me acolhe.

Este período como imigrante também tem me ajudado muito a entender a importância de:

  • jamais fazer comparações qualitativas do país em que vivo com meu país natal e, muito menos,
  • transformar as diferenças existentes em algum tipo de preconceito.

Comparações nos levam a julgamentos, muitas vezes, perigosos. Não que eu ache importante ignorar as diferenças, relevá-las, mas é fundamental não deixar que elas se tornem “muros” que me separam da cultura em que estou inserido.

Bom, melhor exemplificar. Os suíços são pessoas discretas. Eles não perguntam naturalmente sobre a vida de ninguém e nem mesmo falam de si mesmos. Por aqui, o tempo é fundamental para a confiança e a abertura, mas, quando elas existem, “são para toda vida”. Desde que cheguei, percebi que muita gente me trata de modo “estranho” (a mim desconhecido) não porque sou isso ou aquilo (imigrante, brasileiro, etc…), mas porque acabei de chegar e ninguém ainda me conhece plenamente. Ponto.

Entender esse fato me deu paz e me ajudou a não desenvolver comportamentos preconceituosos em relação à cultura local.

 O caso Ferguson

FergusonNos últimos dias tenho acompanhado com apreensão o caso do jovem negro estadunidense, assassinado por um policial branco. Fiquei espantado com a abordagem dos meios de comunicação, que parecem promover uma atmosfera racista aparentemente superada nos Estados Unidos.

Não estou querendo ignorar um problema importante e que preocupa: no mundo inteiro tem acontecido uma escalada da violência policial. O Brasil é um exemplo vergonhoso dela.

Entre as mais violentas do mundo, a polícia brasileira é também uma das menos preparadas. A violência urbana no país, de forma geral, é consequência disso. Quando somos inteligentes e temos os meios (formação e tecnologia) para lidar com possíveis delitos, não precisamos (sistematicamente) fazer uso da violência. A razão nos ajuda a entender problemas e solucioná-los de maneira eficiente e respeitosa.

Contudo, não é o que acontece aqui e nem o que aconteceu nos Estados Unidos. As consequências? Vidas perdidas.

 A fragilidade do equilíbrio social

FergusonTenho aprendido aqui na Suíça, de quando se trata de uma sociedade multicultural, é importante tomar cuidado com a fragilidade dos “equilíbrios” sociais. Certamente os Estados Unidos tem uma história crescente e significativa de luta contra o racismo. Obama é um símbolo. Mas isso não quer dizer que as décadas de exploração contra os negros foram completamente superadas.

Mesmo tendo pouco conhecimento de causa no contexto estadunidense, devo dizer, como afrodescendente, que acho difícil falar de uma sociedade racista. Claro que o racismo pontual ainda existe e talvez sempre existirá, pois é uma forma de o ser humano “extravasar” seu medo em relação a um “outro”, desconhecido ou, até mesmo, mais “forte”.

O que vi nas manchetes dos jornais, contudo, é a volta ao discurso de um racismo social de maneira, ao meu ver, preocupante.

Devemos entender com sabedoria quais são os problemas existentes, tomando cuidado com julgamentos. Um fato é a policia ser violenta e despreparada, outro fato é ela ser “ideologicamente” racista.

O respeito às diferenças sociais como um valor e um direito é uma conquista que custou o sangue de muitos seres humanos. Não deixemos que os discursos destruam tudo aquilo que, a duras penas, construímos (e procuramos melhorar).

existência negociada

Convivência negociada: eu e o outro no mundo

convivência negociada

Hoje decidi começar um novo projeto de reflexão existencial: ocupar-me da descoberta de quais seriam as dimensões fundamentais da essência humana que me permitiriam responder a seguinte pergunta: quem eu realmente conheço? Talvez eu não encontre uma resposta satisfatória nessa vida. Entretanto, não estou obcecado pelo resultado e sim pelo caminho. Sonho que, em cada encontro, exista o interesse real e recíproco de uma convivência negociada, em que aceitam-se os dramas e privilégios de toda condição humana.

O método: conhecer

 Sempre fui um apaixonado pelo “outro”. Os motivos, para mim, são dois: curiosidade jornalística e inquietação existencial.

convivência negociadaO jornalismo, para mim, é importante, pois me faz ir de encontro com “outro”, redimensionando a minha presença no mundo e permitindo-me descobrir as potencialidades de uma convivência global.

Já a inquietação existencial é, para mim, o motivo mais intrigante.

  • Por que o “outro” me instiga tanto?
  • Por que tenho tanto interesse em histórias de vida?
  • Por que me emociono com testemunhos de superação, especialmente quando eles convergem para a realização da vontade de sentido da própria vida?

 A minha resposta pessoal para essas perguntas é a seguinte: o “outro” é quem confirma a minha existência. Confirma, não determina. Assim, talvez, o meu interesse pelo “outro” se dá, também pelo desejo indireto de me conhecer mais e melhor (e ser aceito). O interessante é que, quando mais busco conhecer o tal “outro”, mais conheço a mim mesmo e quanto mais conheço a mim mesmo, mais sou tolerante em relação ao “outro”.

Enfim. Como disse no início, quero tentar descobrir quais os aspectos mínimos necessários para poder dizer que me conheço e conheço o “outro”. O ponto de partida vou emprestar de Viktor Frankl, autor de um dos livros mais interessantes que li neste ano: Em Busca de Sentido. Nele, o autor explica que “há três caminhos principais através dos quais se pode chegar ao sentido da vida”:

  • o trabalho (não o fato de estar empregado, mas a forma como concretamente materializamos a nossa existência),
  • a experiência (encontrar alguém ou experimentar algo),
  • “o motor” (a vontade de encontrar o sentido da própria vida).

Quero desmembrar esses três aspectos e relacioná-los ao processo de autoconhecimento e conhecimento do outro. Mas para que?

 Objetivo: Convivência negociada

convivência negociadaNão quero refletir a minha existência com a pretensão ingênua de “possuí-la” e muito menos a existência do “outro”. Somos seres autodeterminantes e a vida nos dá, a cada momento, a possibilidade de mudar, de escolher um novo caminho, que não desfaz as escolhas precedentes, mas permite redimensiona-las.

Como “comunicólogo”, eu vivo me questionando se, como comunidade global, temos trabalhado, dialogado, em prol do aprofundamento da nossa convivência, que não é tolerância passiva, mas “enfrentamento construtivo”.

Gosto muito quando Dominique Wolton, um dos meus “mestres” preferidos, usa o termo negociação, para explicar a convivência com o outro.

Negociar é buscar o equilíbrio entre as perdas e os ganhos intrínsecos de um confronto existencial, é harmonizar conquistas e renúncias. Para isso, são fundamentais valores humanos como: o respeito, a paciência e etc.

As vezes, a negociação é interior. É aceitar nossas raízes. Entender que algumas escolhas foram feitas por outros seres humanos, quando a nossa autodeterminação era menos consciente, e que elas podem ter causado traumas.

Bom… nem tudo está claro, sobretudo na materialização de pensamentos, mas entender é, acima de tudo, um processo.

Quem quiser se aventurar comigo, seja bem vindo! Não deixe de compartilhar os textos nas redes sociais, por email, para que a experiência e a reflexão não se limite ao particular, mas seja “comunitária”.

Até a próxima

#convivencianegociada

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O privilégio de partilhar a vida no casamento

privilégio

Quando ouço alguém falar de casamento é comum o discurso sobre as dificuldades e os aspectos negativos de viver com o “outro”, fatalmente diferente. Admito que, com o passar do tempo, é possível deixar de valorizar, com a mesma intensidade, as delicadezas que nos unem. Por isso, é fundamentar estar sempre atento! Porém, muitas vezes as pessoas esquecem do privilégio que é partilhar a vida com outra pessoa.

Dificuldades pessoais, vividas juntos

Nos últimos meses tenho enfrentado algumas dificuldades no meu trabalho. Nada de novo para alguém que deve se inserir em um mercado de trabalho desconhecido e que, geralmente, dá pouco valor para os profissionais que vêm “de fora”.

Diante dessa realidade, o que mais tem me incomodado é, pela ausência (momentânea) de uma rede de contatos, ter de “engolir alguns sapos” indesejados.

Em um período muito breve de tempo eu tive que ter fluência em dois idiomas: um desconhecido (o francês) e um pouco usado (o inglês). Esses desafios ligados ao aprendizado das línguas fazem com que eu, em alguns momentos, tenha dificuldade de expressar de maneira clara e simples aquilo que penso e sinto.

Assim, no trabalho, com uma gestora complicada, essa dificuldade é ainda maior, o que acaba gerando ansiedade e angústia.

O privilégio da vida à dois

O interessante desse processo doloroso que tenho vivido tem sido perceber o privilégio de partilhar a vida com minha esposa.

privilégioSem dúvidas é fundamental aprender a não levar os problemas do trabalho para dentro de casa, despejando frustrações pessoais no ceio familiar. Tenho procurado partilhar minhas dificuldades como uma experiência, uma oportunidade que a vida me dá, para crescer e descobrir o valor das coisas e pessoas. Não quero, de forma alguma, que isso se torne um peso para a nossa família.

Conversando com a minha esposa sobre os obstáculos que temos de superar para ter uma vida equilibrada, lembrei muito dos meus pais. Os dois lutaram muito para dar o mínimo para mim e minhas irmãs. Hoje, muito graças a eles crescemos, conquistamos muitas coisas e, mais do que tudo, aprendemos a ver a dificuldade como uma possibilidade de crescimento conjunto.

Não tenho mais meus pais fisicamente próximos. Por outro lado, vivo com prazer cada desafio ao lado da minha esposa. Na maioria das vezes não temos respostas mas, juntos, temos descoberto que o amor que cultivamos entre nós é capaz de iluminar os caminhos sinuosos que ainda não percorremos.

Medo do casamento

Medo do casamento: sentimento que engrandece a escolha

Medo do casamento

No final deste ano, eu e minha esposa completamos nosso segundo ano de casamento. Uma conquista bonita, simples, mas muito pequena se comparada à vida que esperamos, com a graça de Deus, viver juntos.

Contudo, o mês de dezembro será também especial para a “parte brasileira” da nossa família, pois minha irmã mais nova irá se casar. (A minha irmã mais velha também se casou em dezembro).

Medo do casamento

Passados os dois primeiros anos, talvez eu tenha um pouco mais de consciência a respeito da seriedade e da grandeza daquele sim que demos em dezembro de 2012. De lá pra cá foram muitas aventuras, descobertas, dores e alegrias, mas o amor sempre cresceu, pois nos empenhamos, todos os dias, em cuidar desse maravilhoso sentimento.

Porém, nem todos os casais que conhecemos seguiram o mesmo caminho. Alguns (a minoria, ainda bem) não conseguiram crescer juntos, ou talvez não tiveram a mesma força de vontade de renunciar sonhos pessoais pelo bem da vida em família. Isso gerou em mim um certo medo do casamento. Não do meu (mesmo sabendo que, se não cuidamos um do outro, também nós podemos nos distanciar), mas do risco de não ver, aqueles que amo, felizes.

Dom e dor para comunidade

Medo do casamentoUma coisa eu tenho certeza, um casamento, quando dá certo, é um dom imenso para a comunidade, a família. Quando não dá é, proporcionalmente, um sofrimento. Às vezes me pergunto se aqueles que se casam têm consciência dos laços que são criados e se eles se sentem responsáveis por eles.

Casar é compartilhar nossa existência, não só com o outro, mas com todo o contexto que ele traz consigo. Às vezes ele é bom, positivo. Mas pode também ser marcado por traumas, dores, desvio psicológicos que só um especialista pode ajudar a administrar. Em ambos os casos, é fundamentar querer estar juntos, apesar de tudo! Mas, quando o desafio parece grande demais, podemos também contar com amigos, familiares que nos ajudam a relembrar o valor da nossa união. Eu já escrevi isso, mas procuro sempre me recordar: Não existe casamento sem comunidade.

Temer é sinal de respeito

Acho bom temer. Talvez o medo do casamento seja um sentimento que engrandece a escolha, o sim para “toda vida”.

Casar é transformar-se acompanhado, desenvolver-se com o outro. E, como qualquer trabalho em andamento, nem sempre tudo é tão bonito de se ver. Mas, olhando para tantos casais que, de alguma forma, souberam ocupar-se e não preocupar-se com o amor de um pelo outro, continuo acreditando que é possível sim amar alguém durante toda vida. Basta a vontade reciproca, saber recomeçar e ouvir quem já testemunhou as aventuras de muitos anos de casado.

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