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Paris: Talvez eu estaria entre as vítimas

Ontem foi difícil dormir. E não foi porque estava atordoado com a repetição exaustiva das mesmas imagens, à lá Cidade Alerta, pela televisão francesa. Também não foi porque estava com medo, mas por me dar conta de que, se os atentados tivessem ocorrido duas semanas mais tarde (quando estarei em Paris para o COP21), talvez eu estaria entre as vítimas.

Dar-me conta dessa possibilidade tornou o drama dos mais de cem mortos na capital francesa, um pouquinho mais “meu”. Seria eu a deixar a esposa viúva, os familiares com o coração dilacerado, os amigos revoltados. A dor dos meus iria além dos números. 20, 30 50, 100 mortos. Entre eles estaria o Valter Hugo, brasileiro, 31 anos, funcionário de uma organização internacional de Genebra, repleto de sonhos, mas com um fim triste.

Com esse exemplo gostaria de mostrar que no instante em que a tragédia alheia ganha um rosto, uma história, uma identidade, conseguimos imediatamente nos sensibilizar, não importa quão distantes estamos dela. Ouvir que centenas de refugiados estão morrendo diariamente na desesperada travessia do Mediterrâneo não nos comove, até que, entre eles, vemos o corpo de uma criança, pequena, frágil, inerte em uma praia grega. Isso nos faz sentir mal.

Refugiados, imigrantes, muçulmanos fundamentalistas… parece que toda generalização desumaniza. Não são 150 corpos em Paris, 40 em Beirute, além dos milhares na Síria, na Palestina, no Burundi… são seres humanos, com histórias, família e amigos, como todos nós.

O que acontece é que, infelizmente, muitas sociedades decidiram abrir mão dos laços comunitários que ligam efetivamente os indivíduos em um mesmo espaço físico. Família e religião, por exemplo, dois guardiões dos valores fundamentais da pessoa humana são atacados pelos “fundamentalistas do Estado Laico”, que como os grupos terroristas, não admitem nenhuma forma de diálogo com quem não compactua com as suas meias verdades.

Governos e governantes que se consideram embaixadores dos direitos humanos, mas que fecham os olhos para os seus “iguais” que estão morrendo diariamente tentando fugir das guerras promovidas pela ganância desses mesmos “guardiões da humanidade” não podem simplesmente se fazerem de vítima. Quem está vendendo as armas para os grupos terroristas? Quem está explorando o petróleo de suas terras? Quem está sustentando ditaduras em troca de benefícios comerciais? Quem está impedindo a liberdade de culto dos não cristãos? Quem está humilhando outras culturas, defendendo-se com a incorruptível liberdade de expressão?

Não quero ser insensível nesse momento de comoção mundial, mas é hora de olhar para essas tragédias, não só as europeias, mas as mundiais, com a maturidade necessária. Sem um exame de consciência pessoal e comunitário não dá para resgatar a Humanidade perdida no processo de desenvolvimento econômico, que exterminou o valor do outro, essencialmente diferente.

E, finalmente, enquanto continuarmos querendo enfrentar o terrorismo com mais ódio, armas e declarações de guerra ou mesmo com a “indiferença do dia seguinte”, vamos estar arriscando tudo, nosso futuro e a Paz.

Quem paga a conta da crise econômica na Suíça ?

É verdade ! Nós brasileiros precisamos nos liberar do tal « Complexo de Vira-Lata » quando nos comparamos aos países considerados desenvolvidos. Todo país tem problemas e o caminho rumo ao bem-estar social é muito menos linear do que a maioria pensa. Mudanças culturais não podem ser impostas « verticalmente », mas devem ser internalizadas de maneira transversal por cada cidadão. Claro que o Governo tem um papel importante em liderar e orientar essas mudanças, mas a aceitação e a adoção cotidiana delas dependem de cada um de nós.

Esse parágrafo introdutório é fruto de uma reflexão feita nos últimos dois dias. Vivendo na Suíça, um dos países mais ricos e desenvolvidos da Europa, tenho a oportunidade de observar as decisões políticas de outro ângulo. O caso mais curioso é a greve dos funcionários públicos do « estado » de Genebra esta semana. O motivo é simples: precisando economizar aproximadamente 700 milhões de francos (2,6 bilhões de reais), o Governo local apresentou orçamento para 2016 com cortes drásticos que afetarão particularmente a vida dos funcionários públicos, que discordam com veemência da decisão. Ontem, cerca de 11 mil pessoas tomaram as ruas do centro da cidade de Genebra exigindo uma revisão e um diálogo aberto com os trabalhadores.

Conheço bem esse filme: em momentos de crise que impulsionam uma expressiva diminuição dos gastos, quem são os primeiros a pagar a conta no Brasil? Os professores. Claro que, no caso da crise de Genebra, o corte de 5% dos funcionários se estende a todo o setor público, mas incluir os profissionais da educação nesse processo pode gerar consequências dramáticas a longo prazo.

É importante também ressaltar que, comparado aos outros « estados » Suíços, os funcionários públicos de Genebra ganham mais e trabalham menos. Por outro lado o custo de vida, impulsionado pela presença da comunidade internacional (funcionários da ONU e diplomatas, que têm privilégios fiscais) é extremamente alto.

A conclusão é simples. Com menos entradas e mais custos, as contas não batem e o Governo precisa tomar decisões impopulares. A minha pergunta, porém, é a seguinte: Porque em vez de empurrar esses custos « goela abaixo » da população, o Governo não estuda uma diminuição dos benefícios fiscais das agências da UN e representações diplomáticas?

O desafio da síntese cultural na integração como imigrante

Há mais de um ano experimento “na pele” o que significa ser imigrante. A decisão de deixar meu país e abrir mão, além da minha família e amigos, da minha língua, da cultura e do clima, teve consequências profundas na maneira como eu me relaciono comigo mesmo e com os outros.

A primeira obrigação de quem imigra é integrar-se. Contudo, integração é um processo traumático. Para entrar completamente em uma outra cultura é preciso, antes de tudo, aceitar as limitações de ter de se expressar em uma língua que não é a sua, se conformar com sabores que não está acostumado e aprender a suportar climas até antes desconhecidos. Língua, comida e clima são para mim a « tríplice dinâmica » que, por primeiro, incide diretamente na identidade do imigrante. Passada essa primeira “fase” surge o desafio ligado às dinâmicas sociais: burocracia, leis, hábitos, preconceitos, ignorância, formas de viver e ver o mundo as vezes completamente opostas.

Claro que no meu caso o impacto foi menor. Além estar casado com uma cidadã do país em que vivo atualmente, somando as experiências anteriores, esse é o meu sexto ano fora do Brasil. Tive o privilegio de ter vivido com pessoas de culturas diferentes da minha, conhecido o continente asiático e o africano. Entretanto, é a primeira vez que vivo no estrangeiro sem data de retorno. Como imigrado, trabalhar, pagar impostos, lidar diariamente com hábitos são partes de uma experiência realmente inédita.

Tudo bem, mas como eu me sinto diante disso tudo? Estranho. Por mais que tenho todas as condições ao meu favor, ainda sofro com as diferenças relacionadas as dinâmicas sociais. Estar integrado em um país que privilegia, a todo custo, a ordem, o planejamento, a segurança a longo termo e o respeito, colapsa com meu jeito “brasileiro de ser”, onde a ginga e o samba exprimem bem a vida que eu tinha, baseada em criatividade, capacidade de improvisar e nas relações.

Não acho que a vida no Brasil é melhor. Não vou ser hipócrita. Mas, o Brasil é a nação em que forjei minha identidade e, mesmo com graves problemas, será sempre a minha pátria.

Aqui, do outro lado do Atlântico, tenho me esforçado para chegar a tal “síntese cultural”, que vai me ajudar a viver integrado, mas sem renunciar completamente ao meu “Brasil interior”.

Admito que esse tem sido um grande desafio. As vezes interiormente dolorido. Por outro lado, tem me feito mais forte, resistente e consciente de que tudo é caminho, processo. E é preciso ter paciência.

O crime europeu contra a humanidade

Tenho assistido com impaciência e tristeza a omissão escandalosa das instituições internacionais em relação ao fluxo crescente de imigrantes que procuram desesperadamente abrigo no Velho Continente. O número total de mortos é ignorado pois, infelizmente, algumas vidas valem menos que outras.

Contudo, o que tenho lido nos jornais pelo mundo afora é o que chamo de eloquência sofista. Os discursos são bonitos, as fotos são polêmicas, mas a verdade nunca é relevada. Vale o jogo dialético de quem argumenta melhor pela defesa dos próprios interesses.

Na minha percepção, o que estamos vendo nesse momento histórico é consequência da exploração, da hipocrisia e da falta de humanidade das grandes potências do Norte. Condena-se, por exemplo, o Estado Islâmico, mas não há um debate claro e transparente sobre a venda de armas ou a compra de petróleo que sustentam as ações do grupo extremista. Outro exemplo invisível nas páginas dos jornais é a constante manipulação de empresas e governos do Ocidente que, para usufruir dos recursos naturais alheios, fomentam diariamente conflitos internos nos países africanos, expulsando milhares de cidadãos de suas casas.

Tenho a consciência de que o que eu estou dizendo não é nada de novo. Não tenho essa pretensão. Entretanto, acredito que é hora de não só lamentar o drama humano, mas nos forcarmos em debater as verdadeiras causas desse crime europeu contra a humanidade.

o crime europeu contra a humanidadeHoje, eu li a curiosa declaração de uma intelectual brasileira dizendo que o drama da Europa é um drama mundial e que o Brasil deveria ajudar. Ok. Pensando nos seres humanos, no problema imediato das vidas que estão em perigo, eu concordo que os outros países do mundo também são convidados a manifestar a sua solidariedade. Por outro lado, sou veemente contra qualquer tentativa de mundialização de uma responsabilidade que deve ser assumida pelas Grandes Potências. Elas se esbaldam no lucro da exploração, mas não têm peito para enfrentar as consequências dela.

Todos aprendemos nos bancos da escola, existe uma lei natural onde « para toda interação, na forma de força, que um corpo A aplica sobre um corpo B, dele A irá receber uma força de mesma direção, intensidade e sentido oposto. »

Enfim, insisto que o debate não pode estar somente voltado para a acolhida ou o fechamento das fronteiras para quem precisa, mas deve buscar seriamente um consenso e um comprometimento político na busca pelo o equilíbrio real (e legal) entre interesses econômicos e direitos humanos, intervenção ou respeito à soberania nacional, sem jamais esquecer que o ser humano, no Norte ou no Sul, tem um valor incomensurável.

refugiados

Refugiados e a questão da acolhida

Pela primeira vez no século XXI, o número de pessoas forçadas a deixarem suas terras para sobreviver se igualou ao período pós Segunda Guerra Mundial. O Pew Research Center apresentou um dado extremamente assustador: atualmente, um em cada 122 cidadãos do mundo foi expulso de sua terra. Ontem, dia 20 de junho, foi o Dia Mundial dos Refugiados. Mas o que isso significa para a maioria das pessoas do planeta?

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Imigrantes econômicos e refugiados


refugiadosEu sempre fiquei incomodado com o uso do conhecimento como instrumento de poder e opressão. Infelizmente, é esse o mundo em que a população mundial vive. Não importa a teoria, se você consegue provar com instrumentos lógicos que o seu argumento faz mais sentido, a Verdade lhe pertence. Contudo, muitas vezes as soluções passam por comportamentos humanos particulares e, de certa forma, impossíveis de quantificar. A manipulação dos conceitos relacionados aos imigrantes econômicos e refugiados, seguida da falta de uma solução “racional” eficaz se encaixa perfeitamente como exemplo.

Na prática, imigrantes econômicos e refugiados viajam frequentemente da mesma forma. Porém, enquanto os primeiros optam por deixar seu país para melhorar as perspectivas econômicas de si e suas famílias, os refugiados têm de se deslocar para salvar suas vidas ou preservar sua liberdade. Os imigrantes econômicos, se não estão legalizados, não têm o direito a permanecer em outro país, podendo muitas vezes serem extraditados (expulsos). Já os refugiados estão sob proteção de leis e convenções internacionais, além de contarem com o apoio da ACNUR (Agência da ONU para refugiados) com comida, abrigo e segurança. Dessa forma, dá para entender porque é a mídia europeia, quando relata os naufrágios no Mediterrâneo, quase sempre toma o cuidado de não usar o termo “refugiado”, pois isso garantiria a esses migrantes tanto o direito de acolhida como de ajuda humanitária.

O conceito de refugiado

refugiadosO conceito de refugiado, mesmo se mais antigo, tornou-se lei internacional – como os europeus costumam dizer – no final da Segunda Guerra Mundial, em julho de 1951, com a Convenção Relacionada ao Status do Refugiado. Pensada e promovida no contexto europeu, a Convenção tinha como base proteger a população do continente de uma possível perseguição pelo próprio governo do país, por razões de raça, religião, nacionalidade, participação de um grupo particular ou de opinião política. O terror da perseguição nazista é uma justificativa suficientemente para a necessidade da Convenção.

Entretanto, com o passar do tempo o termo tem sido remodelado, com o acréscimo de novas dinâmicas, novos contextos, mas a lógica parece continuar a mesma: leis feitas por intelectuais europeus, para defender os modelos, princípios e o bem-estar europeu, que todos chamamos internacionais.

Claro que é importante valorizar a base do direito internacional desenvolvida no Velho Continente, mas como enfrentar uma questão global com o uso de instrumentos tão limitados culturalmente, com atores políticos tão tendenciosos e interesses particulares maiores do que os comunitários?

Questão da acolhida

Quando os inúmeros navios de europeus desembarcaram na América do Sul durante as Guerras Mundiais, cheios de cidadãos fugindo de um conflito armado, a grande maioria foi acolhida, mesmo sem uma proteção legal. Estima-se que entre julho de 1947 e dezembro de 1951 a América do Sul recebeu 96.118 refugiados e através da mediação da Organização Internacional para os Refugiados, o Brasil recebeu nesse período 28.848 pessoas[1]. Aqueles refugiados se tornaram cidadãos, foram integrados à sociedade, conseguiram trabalho mesmo em países que talvez não tinham condições econômicas para acolher essa quantidade de pessoas.

Historicamente, tanto o continente africano, quanto a América Latina enfrentam a questão dos refugiados sem excluir uma da dimensão humana que, muitas vezes, pode ser a mais eficiente: a acolhida. Sem a disposição coletiva de acolher quem precisa e, sobretudo, sem assumir pessoal e coletivamente a responsabilidade diante desse drama global, partilhando experiências, recursos e boas práticas, estaremos contribuindo para um dos fenômenos sociais com consequências futuras ainda mais dramáticas.

[1] Statistisches Jahrbuch für die Bundesrepublik Deutschland 1960, p. 75.

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