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Quando o futebol nos cega

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Hoje o país parou para falar do jogador Neymar. Novo Pelé, Neymar’s Day… é assim que a Espanha intitulou seus jornais esportivos.

Contudo, o “triste” em meio à festa que deve, contudo, ser sempre acenado, é a fabricação “artificial” de ídolos – maiores no nome que no futebol – que sustenta o “pão e circo” e  acalma os ânimos em momentos de crise socioeconômica.

Esse fanatismo futebolístico, movido especialmente pela mídia mundial,  coloca Brasil e Espanha, as duas nações que envolvem a transferência do jogador Neymar à Europa, em situações parecidas.

Enquanto a Espanha vive uma crise socioeconômica sem precedentes, as suas duas maiores equipes de futebol do país, Barcelona e Real Madrid, gastam, ano após ano, milhões de euros em transações futebolísticas. Um desprezo ético que a mídia local parece ignorar.

Desta parte do Atlântico, a situação não está nada melhor. Crescimento econômico irrisório, aumento preocupante da violência e, enquanto isso, estamos esperando as Copas, a Olimpíada e festejando a ida do, já milionário, Neymar à Europa. Momentos como esse último sugerem uma verdadeira reflexão ética de um modelo (atual) de futebol que, acima de tudo, desvaloriza os benefícios que o esporte traz para a huma(comu)nidade.

Modelo alemão

A Alemanha, grande vencedora do principal campeonato Europeu,  parece ter um modelo a ser seguido. Privilegiando a formação de novos jogadores e na sua profissionalização, o país, que também tem sofrido com a crise econômica mundial, adota uma austeridade econômica que reflete nos seus clubes de futebol, obrigando-os a provar que têm saúde financeira para competir nas ligas profissionais.

As muitas regras da federação alemã de futebol, além de impedir os times de contrair dívidas, diminuindo os riscos de falência, transforma o esporte em um “produto lucrativo ético”, além de um importante capital para a formação humana dos jovens do país.

70.000 pessoas aguardam Neymar no Camp Nou, estádio do Barcelona. Milhões em todo mundo – principalmente no Brasil – acompanham a transmissão midiática do acontecimento. O “Pão e circo” nos move, nos ajuda a esquecer os problemas cotidianos, as dificuldades da vida, mas ele não deveria JAMAIS “cegar” nossas consciências.

Cúmplices do genocídio africano

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Vou explicar porque acho que somos cúmplices do genocídio africano:

Experimente encontrar na internet, fazendo uma “busca google” mesmo, notícias sobre a Serra Leoa. Você irá perceber que o país da África Ocidental é pouco mencionado pela mídia internacional.

Os motivos e interesses são muitos e, um deles, é possível descobrir assistindo ao fantástico filme estrelado por Leonardo di Caprio, Blood Diamond (Diamante de Sangue, em português).

No país africano, na década de 90, Danny Archer (mercenário sul-africano) e o pescador Solomon Vandy, apesar de terem nascido no mesmo continente, têm histórias completamente diferentes. Eles se encontram por conta da busca de um raro diamante cor-de-rosa, encontrado em Serra Leoa e, a partir de então, as suas vidas nunca mais serão as mesmas.

A base econômica de Serra Leoa ainda é a mineração, especialmente diamantes. A riqueza que satisfaz o luxo de milionários no Norte do planeta, contudo, não se converte em resolução à triste situação socioeconômica do país que, apesar da vasta riqueza natural, tem 70% de sua população vivendo na extrema pobreza.

Eu, particularmente, respeito a indústria cinematográfica que se preocupa somente em entreter, mas acredito que o cinema precisa ter sempre um viés de engajamento, de denúncia, visando o despertar das consciências, principalmente no que diz respeito ao consumo de artigos produzidos por meio da exploração da miséria dos mais “fracos”.

Blood Diamond” faz referencia à Guerra Civil de Serra Leoa, que durou 11 anos, de 1991 à 2002, e contabilizou dezenas de milhares de pessoas mortas e mais de um terço da população de refugiados. O conflito no país africano tornou-se conhecido internacionalmente pelos massacres, amputações de membros, uso massivo de crianças-soldado e, sobretudo, pelo tráfico de diamantes, como método de financiamento das forças rebeldes.

Em outro filme, “O Senhor das Armas”, Yuri Orlov (interpretado por Nicolas Cage) vende armas às milícias durante a Guerra Civil de Serra Leoa. Já no universo literário, o livro do jovem Ismael Beah, “Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado”, conta a sua comovente história na Guerra Civil do país.

Diante da tragédia em Serra Leoa, uma consequência positiva foi Processo de Kimberley (Kimberley Process Certification Scheme), criado em 2003 (um ano após o fim do conflito), e que visa certificar a origem de diamantes, a fim de evitar a compra de pedras originárias (e financiadoras) de áreas de conflito.

Quando o mal é justificável

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Uma manhã como todas as outras. Difícil de levantar por conta do frio. Tomar banho, um cafezinho, escovar os dentes, beijo na esposa e já estou pronto para mais um dia de trabalho.

Contudo, hoje, nem tudo ocorreu de maneira pacífica. No caminho para o metrô, um grupo de pessoas olhando atentamente um senhor de idade, correndo atrás de um homem, segurando um pedaço de pau na mão, gritando, por motivos a mim desconhecidos, mas que me causaram evidente estranhamento.

Já no metrô, “ensardinhado”, duas mulheres, uma jovem e uma idosa, deferindo ofensas recíprocas porque uma empurrou, a outra não pediu licença e transformando o silêncio paulistano em um clima hostil. Como é possível que alguém não aceite ser empurrado em um metrô superlotado? É preciso aprender a arte de ser “conduzido pela massa” sem achar que o motivo dos “empurradores” sejam pessoais.

Há uma semana venho acompanhando pela mídia os inúmeros e, aparentemente, frequentes casos de violência banal cotidiana. Não a violência presenciada hoje, na rua, no metrô, mas aquela capaz de tirar vidas, por um celular, pelo incômodo do barulho, por 30 reais…

A barbárie crescente, para mim, não é surpresa. Somos constantemente violentados pelo Estado, pela lógica “Capitalista” da exploração e, assim, é impossível que a violência não se dissemine socialmente. Mas, o que antes era aceitação do “rebanho humano”, hoje é cada vez mais reação coletiva violenta. Socar, esfaquear, assassinar é um mal que se justifica, que exprime a revolta dos explorados. Será?

As justificativas em relação a violência podem ser muitas. Históricas, sociais, psicológicas… até mesmo a união entre duas ou três dessas, mas o que vale, ou parece que vale, em meio a barbárie, é aprender a olhar humanamente quem está ao nosso lado.

Tanto o mal, quanto o bem, tem uma capacidade de difusão surpreendente e, ambos, se plasmam nas nossas atitudes, na nossa cotidiana capacidade de amar, tolerar (que não é acomodar-se) o contexto em que estamos inseridos.

Quando a apuração tendenciosa é evidente

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É sempre difícil saber quais são os verdadeiros interesses que se escondem nas reportagens que vemos/lemos. Por mais que os fatos sejam objetivos, existe sempre um enfoque que direciona o leitor/espectador para determinadas conclusões.

O que aprendi, na minha formação, é que o jornalista pode, ao ler os fatos de um evento, condicionar o receptor às suas conclusões, às suas verdades, destruindo aquele valor objetivo que está no DNA dos fatos, mas que se torna subjetivo a partir do momento em que é “lido”. Pode-se ver esse dilema claramente no modo como a Rede Globo apresentou o fracasso corintiano na Copa Libertadores, quarta feira passada, e a Virada Cultural, ocorrida neste final de semana.

Após o fim do jogo que decretou a eliminação do Corinthians, a torcida corintiana deu um show. Aplaudiu, cantou, vibrou, mostrando que futebol é mais que vencer. Porém, a exaltação feita pela mídia da “religião” Corinthians é o que mais me incomoda, porque os mesmos corintianos fanáticos que deixam tudo – inclusive família ou emprego – pelo time, se acabaram “na porrada”, fora do estádio, depois do jogo. Logo em seguida da tal “festa”, membros de torcidas organizadas rivais, se espancaram brutalmente, como animais. Torcedores do mesmo time, que dentro do estádio estavam cantando juntos. Uma vergonha! Interessante, contudo, que a Rede Globo (e também outros meios de comunicação) fez questão de diminuir, quase ignorar o episódio violento. Mas, para mim, a festa foi ofuscada pela violência brutal. As imagens estão aí pra falar.

O mesmo comportamento, mas na contramão da exaltação positiva, a Globo teve em relação à apuração dos fatos da Virada Cultural (que acabou pautando outros veículos, como o Estadão).

É verdade, os números mostram: essa foi a edição da Virada mais violenta, com 2 mortes, inúmeros roubos, arrastões e esfaqueamentos. Mas, proporcionalmente, o evento promovido pela prefeitura de São Paulo foi um grande sucesso. 4 milhões de pessoas espalhadas pelo centro da cidade. Muitas atrações para todos os públicos. Famílias, idosos, portadores de deficiência, todos ali para desfrutar desse maravilhoso evento.

Contudo, claro, a violência (fato objetivo) ofuscou de certa maneira, o evento.  Mas será que ela deveria ser estampada nas capas de jornais e nas chamadas do Fantástico como principal aspecto da Virada?

A minha resposta é não! Esta leitura tendenciosa, como aconteceu também na eliminação do Corinthians na Libertadores, só prejudica as avaliações sobre ambos os acontecimentos. Em nenhum dos dois eventos houveram só coisas boas, então por que só a festa corintiana foi hegemonicamente positiva?

Triste é saber que a violência dos torcedores corintianos também afetou a Virada. Depois do título, ontem à noite, dezenas de torcedores brigaram nas redondezas da Estação da Luz, ao lado do Show do uruguaio Jorge Drexler, que fechou a Virada. Porque isso não foi noticiado?

O longo Inverno Árabe

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Todas as vezes que alguém me entende e adere às minhas ideias fico feliz, pois o “gostinho da razão” parece o melhor alimento para as nossas vaidades humanas.

Ampliando o contexto e olhando para os acontecimentos que envolvem a Comunidade Internacional, é possível perceber um mesmo sentimento de felicidade (e a consequente vaidade) Ocidental, em relação a aparente adesão dos Estados árabes à democracia, lutando para derrubar ditadores, opressores. Simbólico o nome dado ao acontecimento: Primavera Árabe. O renascimento, o sentimento global de “novos tempos”, capaz de superar a “barbárie” do Oriente Médio.

Contudo, a tal felicidade pela adesão dos valores democráticos ocidentais tornou-se frustração diante da tragédia instalada na região, principalmente na Síria. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, desde o início da revolta contra o regime do presidente Bashar al-Assad, em março de 2011, morreram no país mais de 80.000 pessoas, metade delas civis.

Existem muitas controvérsias a respeito dos números divulgados pelo Observatório, principalmente porque se acredita que ele é expressão dos interesses dos países Europeus, que buscam diversas formas de pressionar o governo sírio. Mas, certamente, a contagem é aproximativa.

Dados da ONU, dizem que o conflito já deixou 4,2 milhões de deslocados e 1,4 milhão de refugiados. Triste também é realidade enfrentada pelas mulheres. Algumas refugiadas sírias estão sendo vendidas para serem noivas na Jordânia e, assim, ajudar suas famílias.

Recentemente, em uma reportagem da BBC, testemunhas relataram que em Saraqeb, no norte da Síria, helicópteros do governo teriam lançado ao menos dois artefatos contendo um gás venenoso.

A diplomacia internacional tem buscando um percurso político para sair da crise síria, mas os esforços não têm mostrado resultados relevantes. Talvez a universalidade dos valores ocidentais precisa ser revista.

Enquanto isso, milhares de pessoas perdem suas vidas, suas casas, sua terra. A violência desse genocídio e o impasse nas instituições internacionais que deveriam intervir mostram que a racionalidade conquistada no pós Segunda Guerra, ainda está longe de promover uma paz global duradoura.

Pelo visto o  Inverno Árabe ainda será longo.

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