Category: Amor binacional Page 4 of 12

Amor binacional: Experiências cotidianas de um casal binacional

Carta para minha primeira filha

Querida filha, esta semana, enquanto você completa seu primeiro mês aqui fora, eu tive de voltar ao trabalho. Seria impreciso dizer que fui obrigado, pois foi a minha escolha aceitar esse que é, no momento, um importante instrumento de sustento para nossa família.

Segunda-feira não foi um dia feliz para mim. Ter de me despedir e ver você dormindo partiu meu coração e me fez pensar muitas coisas, até em deixar meu trabalho! É muito triste que a nossa sociedade ainda não disponha de tempo o suficiente para que os recém-chegados tenham uma adaptação mais suave (e seus acompanhadores também).

Você ainda não sabe, mas logo irá descobrir que para mim família é tudo. O resto sempre esteve em segundo plano. E agora que você está aqui, esse sentimento é ainda mais visceral. Contudo, também voltei para o trabalho porque acredito que lá posso fazer com que o Amor que cultivamos em família ultrapasse os muros da nossa casa e chegue às outras pessoas.

Eu e sua mãe cremos firmemente que, mesmo fisicamente distantes, somos capazes de viver uns pelos outros e assim, preservarmos a nossa unidade.

Filha. Desculpe a minha ausência durante a semana. Saiba que ela também dói em mim. Vou sentir falta de trocar suas fraldas durante o dia, tentar fazer você se acostumar com os estímulos desse mundo turbulento e presenciar o milagre que é o seu desenvolvimento. Mas, fique tranquila, no final do dia eu volto.

Um beijo e nos vemos mais tarde,

Papai

A chegada da Tainá – Parte três: Gratidão

« Aproveite bem cada dia com a sua filha! Eu era muito sério quando tive meus filhos e não curti como deveria. Hoje eu me arrependo», disse um dos amigos da nossa família, antes de pegarmos a estrada de volta pra Genebra e começarmos finalmente uma nova vida, agora à três.

Os nossos corações que pareciam explodir e as lágrimas inevitáveis, tamanha a emoção, eram resultado de uma experiência extremamente intensa como é a de um parto.

Poucas horas antes, no quarto, na casa da minha sogra, já era dia 22 e com a Flavia eu tentava surfar nas ondas das contrações que de dois em dois minutos, foram rapidamente para uma intensidade difícil de acompanhar no aplicativo do meu celular. Nos intervalos, as mesmas massagens e palavras de incentivo de antes, mas agora sufocadas pelos gritos estridentes de dor e a minha incapacidade de diminuí-la.

Após uma hora de sofrimento, minha esposa disse que precisávamos voltar à casa de parto. Dentro eu pensei « Será? Mas faz tão pouco tempo que voltamos! ». Contudo, fui interrompido por mais um grito de dor e peguei o telefone para ligar, esperando que alguém que entendesse inglês pegasse o telefone.

«Oi, sou eu, Valter, o marido da Flavia. Estamos ligando porque achamos que está na hora de voltar para aí », disse em inglês. Do outro lado, dona Ruth respondeu: Oi Valter, tudo bem, podem vir. Como está Flavia, ela está bem? “. Ingenuamente disse “Sim, ela está bem”, querendo dizer que não parecia haver complicações aparentes. Contudo, minha esposa, ao meu ouvir, em meio a mais uma onda gritou: « I am not okkkkkkkkk!»  e aquele foi o sinal claro para correr para o carro rumo à casa de parto.

Já na primeira curva me dei conta de que estava sem óculos! As 1 :30h, tudo escuro e eu praticamente cego. Volto? “Nem a pau! “. Agora alguém lá em cima teria que curar minha miopia ao menos durante os 10 minutos de estrada.

Chegando na casa de parto. Silêncio e paz. Dona Ruth nos acolheu com um sorriso e uma serenidade que jamais vou esquecer. Uma sensação de alívio por não estarmos em um hospital. Entramos e logo após inspecionar a dilatação, ela nos informou que a Tainá já estava pronta para chegar. Acompanhei Flavia para a cadeira, ajudei ela a tirar a roupa, trouxe água, peguei na mão … o que mais poderia fazer? Queria estar junto. Era a minha única preocupação. Que as duas sentissem que eu estava ali para elas, sem restrições.

O momento derradeiro se aproximava. Entre inspirações e expirações, gritos e sorrisos, presenciei um dos milagres mais incríveis da natureza. Ao ver a nossa pequena Tainá e ouvir seu choro imediato, senti que meu coração ia explodir. Uma emoção que ainda aquece “dentro” ao lembrar. Lágrimas de felicidade escorreram espontaneamente de mim e lá estávamos nós três, abraçados, cheios de gratidão.

A chegada da Tainá – Parte dois: Cumplicidade

“Você está de parabéns! Foi um parceiro muito participativo. Fiquei impressionada”, foram as palavras de Ruth, o nosso anjo da guarda durante o parto, para mim, acrescentando que normalmente os companheiros que têm filhos na casa de parto são bem participativos, mas raramente ajudam as esposas sem precisar de orientação da parteira.

Juro que o comentário da dona Ruth, parteira com mais de 20 anos de experiência em partos domiciliares na Inglaterra, não encheram o meu ego. O parto nada tem a ver com egos. É um milagre tão grande que essas miudezas humanas passam longe.

Se eu pudesse resumir em uma palavra as (só?) cinco horas entre o início das contrações regulares até o nascimento da Tainá eu diria: cumplicidade. Do encher a banheira para minha esposa relaxar, a fazer massagem nas costas (que eu prefiro muito mais receber). Do proferir palavras de incentivo, aos sorrisos e a lembrança de que logo conheceríamos a nossa amada filha.

Cumplicidade é a base de qualquer família. Não tenho dúvidas disso. Porém, seria um erro pensar que ela começa no parto, ou mesmo na gravidez. O cuidado mútuo, os sacrifícios pelo outro, a empatia e a paciência se desenvolvem na vida à dois muito antes. E esse exercício passa a fazer muito mais sentido em momentos fortes como o do nascimento de um filho. Nele, a capacidade de amar, incondicionalmente, é colocada no limite.

Bom… quando voltamos da casa da madrinha da Flavia tudo realmente ficou bem mais intenso. Preparamos a banheira, a Flavia tomou banho e tentou relaxar na água, mas não encontrar uma posição confortável parecia deixá-la mais agitada. Então decidimos ir para o nosso quarto. Com um aplicativo de celular eu ia monitorando a regularidade das contrações, tentando ficar atento às reações da minha esposa para entender o aumento da intensidade delas. Mas já depois de uma hora, a dor, somada a preocupação de se o bebê estava bem, nos fez ir para a casa de parto.

A Flavia ligou e as 23h lá estávamos para um controle. Tudo bem com a mãe e filha, mas o trabalho de parto só havia iniciado. Dois dedos de dilatação. Fomos orientados a voltar para casa para a Flavia descansar, porque a “maratona” até o nascimento poderia ainda durar mais de 12 horas. Então entramos no carro um pouco decepcionados em ter que ainda esperar pelo grande encontro.

E eu? O Pai. O que senti? Nada… na verdade não lembro muito bem. Foi tudo tão intenso e estava tão preocupado em estar lá, presente, para minhas queridas, que não tive tempo para refletir.

Às 24h chegamos na casa da minha sogra novamente. Fomos para o quarto e lá começou a etapa mais difícil de toda a experiência do parto. Dor, gritos, tensão, mas dentro felicidade. Gratidão. O tema do último texto.

A chegada da Tainá – Parte um: Preparação

Quando minha esposa gritou: “Hugo! Vem aqui! Rápido” e juntos percebemos que o tampão tinha caído, senti uma serenidade gostosa fruto da minha preparação e a alegria de que logo (mesmo não sabendo quão logo) conheceríamos a nossa filha.

Se tem algo que considero um valor e que procuro colocar em prática na minha vida, desde menino, é estar preparado. Estudo, carreira profissional, relacionamentos… em todos os aspectos e momentos da minha história sempre tentei fazer bem o que me cabe, acreditando que Alguém irá cuidar daquilo que não tenho controle.

Não vou esconder que, de certa forma, preparar-me sempre me proporcionou o controle das minhas emoções, diminuiu meu medo e criou o espaço necessário para viver plenamente cada momento.

Na tarde que antecedeu aquele grito, estávamos caminhando em Zurique, passeando para aproveitar o dia bonito e a presença da minha mãe, que veio para viver junto com a gente essa nova experiência. Foi um dia gostoso e tranquilo. À noite, fomos visitar a família da madrinha da Flavia que logo ao ver o barrigão disse que ela ainda deveria esperar alguns dias pois a barriga ainda estava “alta”. Passamos uma noite super agradável até que aquele “Hugo! Vem Aqui!”, acelerou o coração dos presentes.

É realmente reconfortante sentir-se preparado. Aqui na Suíça frequentamos um curso para “grávidos” que nos fez percorrer, junto com outros três casais, a jornada do nascimento e dos primeiros cuidados. Foram horas repletas de informações úteis e descobertas extraordinárias, ao menos para mim que sou o pai.

Li quatro livros sobre paternidade, parto, gravidez para entender bem os sentimentos da minha esposa, os meus e da nossa filha. Assistimos também o documentário “O Renascimento do Parto”, que me ajudou a desmistificar os perigos do parto natural, que é o mais comum na Europa (mesmo se descobri que a Suíça é o país campeão de cesarianas do continente).

Lá da casa da madrinha da minha esposa ligamos para a casa de parto e eles recomendaram que voltássemos para casa da minha sogra o quanto antes para relaxar e ver como as coisas se desenvolveriam.

Eram umas 21:00. As próximas horas seriam bem mais intensas do que eu poderia imaginar. E assim outro valor passou a ser fundamental: a cumplicidade.

14 de setembro de 2016

Amanhã de manhã pego o avião rumo a Toronto, no Canadá, para mais uma viagem de trabalho. Tenho consciência do privilégio que é poder fazer uma viagem dessas, tanto pelo valor cultural quanto pela oportunidade profissional. Contudo, não vou mentir que ter de me despedir da minha família continua sendo doloroso. Ainda mais depois daquele 14 de setembro de 2016, o dia mais feliz da minha vida.

Na metade de 2016, logo após as maravilhosas férias na Califórnia, senti o coração turbado. A conclusão do mestrado da Flavia representava o fim de uma etapa importante da vida da nossa família. Esse foi o principal motivo que nos trouxe de volta ao Velho Continente. Mas e depois? Qual seria o próximo passo?

Acredito que um dos maiores presentes da insegurança é a necessidade que ela provoca de buscarmos mais intensamente a “Luz” que ilumina as perspectivas. E foi o desejo de me sentir novamente seguro que me levou para uma capelinha, algumas quadras distante do escritório onde trabalho, para falar com Deus. No escuro e no silêncio recuperava a paz para entregar meu coração e assim amenizar ansiedade por não saber qual caminho seguir.

Isso foi terça-feira. Na quarta, dia 14, fui surpreendido com uma ligação da Flavia se “auto convidando” para almoçar comigo. Fiquei feliz com a surpresa e pensei em levá-la para comer no refeitório de uma outra organização que tem mais opções de comida. Mas fomos barrados na porta. Voltando em direção ao meu trabalho decidi partilhar o que tinha dentro. Falei sobre a minha alegria pela conclusão do mestrado, a reflexão sobre o começo de um novo ciclo… até que…

“É verdade. Realmente um novo ciclo vai começar agora”,  disse Flavia me entregando um pequeno envelope e um sorriso.

Abri e tirei o cartão. O coração explodiu e depois eram só lágrimas, abraços, sorrisos.

Uma alegria transbordante que nunca mais vou esquecer. E como iria? Dia 14 de setembro de 2016 não foi só o começo de um novo ciclo. Aquela quarta-feira foi, sobretudo, o dia mais feliz da minha vida.

Page 4 of 12

Powered by WordPress & Theme by Anders Norén