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Amor binacional: Experiências cotidianas de um casal binacional

Yara: Um rio de felicidade – Segundo ato

Chegamos na casa de parto de Berna para o nascimento da Yara sem saber ao certo se já estávamos no quase. A minha única certeza é que devia fazer o esforço para direcionar o foco do que sentia para o suporte e a presença que a Flavia precisava.

Costumo dizer que não existe nada mais mágico do que o momento da chegada de uma vida no mundo de cá.

Após sermos recebidos pelas sorridentes, e super jovens, parteiras, entramos em uma sala com luz baixa, aconchegante, mas logo o trabalho de parto evoluiu e nos dirigimos à banheira. A Flavia queria muito ter um parto na água, com a esperança de que ia ajudar a aliviar a dor.

O que experimentamos a partir do momento que entramos na sala de parto, com a banheira, naquele 12 de Setembro, foi bem diferente do que vivemos com a Tainá. As contrações vinham, mas a Yara não. O fato de não ter uma parteira experiente o bastante para guiar a Flavia nesse momento exigente, foi tirando a tranquilidade dela (e minha) e o parto foi se alongando.

Depois de diversas tentativas, fomos informados que a Yara estava virada, em uma posição que dificulta a “expulsão” (nome feio) do bebê. Mas a Flavia continuava lá. Percorrendo a maratona dela. E eu, procurando encorajar com sorrisos, palavras de incentivo e suco de frutas.

Lembro como se fosse ontem da palidez e a exaustão no volto da minha companheira. O medo e a apreensão. Ali, mais uma vez, via meu caráter controlador sendo provado. O que podia fazer era pouco, mas nada era desculpa para me desconectar daquele momento sagrado.

Puxa empurra, puxa empurra. 

E finalmente a nossa rainha do rio deslizou sobre as águas da banheira. 

Alívio? Ainda não, pois a Yara não estava respirando. 

Davi

Davi e (é) o milagre

Faz tempo que desenvolvi um ceticismo teimoso a respeito do impacto concreto da oração. Rezar com as minha filhas me ajuda bastante a continuar praticando, mas há anos perdi a conexão intensa que tinha com o divino enquanto orava. Mas o que isso tem a ver com o nascimento do nosso terceiro filho?

Reviver “dentro” as horas angustiantes do trabalho de parto do Davi ainda causa calafrios, mas partilhar tem um papel terapêutico para mim.

Tudo começou às 23:48 do dia 10 de Junho, quando comecei as registrar as contrações regulares que haviam iniciado algumas horas antes e anunciavam que o Davi chegaria naquela noite. Lá pelas 1:20 e contrações a cada dois minutos, fomos para a casa de parto onde o nosso filho deveria nascer. Chegando lá, as dores da minha esposa aumentavam e paralelamente a minha angústia em poder “somente” estar lá, sustentar com palavras de encorajamento, um copo de água.

Aqui preciso fazer um adendo a respeito de uma dimensão da minha personalidade que me causa bastante sofrimento: a necessidade de ter o controle das situações. Controlar sempre foi um mecanismo de sobrevivência para mim. Ajudou-me a lidar com as dificuldades, a superar desafios, bolar planos, encontrar soluções. Por outro lado, a falta de controle me causa bloqueio, sofrimento e, sobretudo angústia.

Foi essa angústia que senti das 1:40 até as 5:10, período em que tive que presenciar a dor da Flavia, aliada a minha impotência. Claro, sofrer psicologicamente é quase irrelevante, se comparado às ondas expulsivas dentro da minha esposa, que tentavam trazer o Davi para nós sem sucesso. Simplificando: a cabeça do Davi estava “emperrada” e o trabalho de parto não conseguia avançar.

Eu nunca tive problemas sérios em relação aos idiomas que tive de aprender ou os que unicamente entendo, como o alemão. O fato é que a situação exigia cabeça e coração em sintonia e que os nossos interlocutores não estivessem sempre se comunicando no dialeto da Suíça. Aos gritos, minha esposa foi clara: precisávamos ir para o hospital.

Enquanto percorríamos os corredores brancos da “Frauenklinik” (Clínica da mulher, em português), levantei a cabeça e percebi que já eram 5:10. Coração e pernas já estavam exaustos. Entramos em uma das salas e lá, cinco profissionais da saúde nos esperavam para tentar ajudar no parto. Tentativa após tentativa, agora com a Flavia sedada, ficava claro para todos que o Davi não sairia naturalmente do ventre da sua mãe.

E aqui as orações escalaram dentro de mim. Diante da minha impotência, do desespero interior por agora entender pouco ou quase nada do que as médicas e enfermeiras conversavam, me senti como o Cristo que sempre acreditei: abandonado. Ali, “sozinho”, pedia Luz naquele longo e aterrorizante túnel. Paradoxalmente, encontrei forças ao pensar em todas as pessoas que sempre estiveram conosco e que, naquele momento, faziam da minha solidão, multidão.

Finalmente, uma jovem enfermeira chegou até nós e apresentou os termos de consentimento para a iminente cesariana. Eu e a Flavia nos olhamos, esgotados, incapazes de refletir alternativas. Só me lembro de a Flavia dizer que queria que o bebê viesse para os nossos braços assim que nascesse e que aquilo era muito importante para nós.

Parece que ali uma das médicas entendeu que uma cesariana seria a última alternativa para nós. E então nos disse que tentaria uma última manobra antes de irmos para o centro cirúrgico. Ali as esperanças se renovaram. Entendi que deveria aumentar meu encorajamento. Ainda dava.

Manobras, extrator a vácuo e as 6:11h do dia 11.06, depois de três longas contrações e um esforço heróico da minha esposa, finalmente nos encontramos com o nosso Davi.

Vê-lo nos braços da Flavia parece que acionou o botão de desarme dentro de mim. Lágrimas de desespero, alivio, exaustão, gratidão. Aconteceu inesperadamente o milagre que precisávamos.
Absolutamente nada foi como esperávamos, mas no final, fruto de decisões e ações corajosas: das médicas de tentar, da Flavia empurrar e eu, orar, o Davi estava lá nos nossos braços.

Muitas coisas aconteceram após o nascimento no hospital aqui na Suíça. O sentimento de invisibilidade ao acompanhar o meu filho sozinho na neonatologia e assistir a intervenções nele sem que os cuidadores sentissem a necessidade do meu consentimento.

Foi um dia mágico e ao mesmo tempo doloroso. Um dia em que as lágrimas vinham e voltavam. Elas ainda escorrem interiormente.

Porém, apesar de tudo, quero muito que fique o registro do poder da oração, do “entregar nas mãos de Deus” e acreditar que o Ele está, como sempre esteve, com a nossa família.

Reflexões

Reflexões de última hora

Enquanto a data prevista para chegada do nosso terceiro filho se aproxima, tenho de admitir que tem sido muito difícil encontrar a mesma conexão que tive comigo mesmo na chegada da Yara e sobretudo da Tainá. 

Não é uma questão relacionada aos filhos, mas como a vida vai se desenhando na medida em que a família cresce. O coração alarga, mas o tempo, por outro lado, não parece cultivar algum tipo de generosidade expansiva. Os dias continuam limitados às 24 horas em que tentamos atender todas as crescentes demandas.

Nessa fase, além de lidar com a fragilidade de uma esposa que se prepara para um momento fisicamente ultrajante, temos duas filhas que continuam precisando de atenção, cuidado e acolhimento. As dinâmicas familiares também se entrelaçam com as responsabilidades profissionais, a família alargada, os amigos. Não falta espaço no coração, mas sim tempo para cultivar as relações que nos abastecem.

Como costumo dizer, na família, o pai é sempre o último. É uma passagem gradativa, um convite ao serviço. E pais são chamados a servir silenciosamente, cuidar, sem esperar reconhecimento ou reciprocidade.

Nesses momentos, o que me sustenta é viver cada realidade com atenção. Abertura. Humildade. Sem vitimismo. Procurando fazer o melhor que posso, com as forças que tenho. E me desculpando comigo mesmo e com os outros, quando sobra pouco para dar.

Só assim eu encontro sentido, felicidade para continuar caminhando e servindo. 

Tainá

Tainá agora é Cinco

A Tainá é um ser humano incrivelmente especial (e olha que eu já encontrei muita gente na minha vida). Pela sua sensibilidade, inteligência, empatia, alegria, criatividade, sede de aprender, rebolado e a sua veia artística.

Tainá é uma menina agradável de se conviver. Uma menina simples, segura, inteira, por méritos dela e com a nossa pequena ajuda.

Tainá é destemida, persistente e companheira.

Hoje, 5 anos atrás, vivi o dia mais feliz da minha vida. Com poucas testemunhas, sem euforia, mas a mais plena e profunda paz.

O nascimento da nossa primogênita chacoalhou o meu mundo. Me fez descobrir um amor que transborda e assusta, como tudo o que é grande na vida.

Hoje festejo essa menina sapeca, certo de que ela cresce saudável, no corpo, na mente e na alma, para trilhar o próprio caminho. 

E que eu possa estar por aqui muitos anos, para vislumbrar cada fase que ela viver, do meu assento VIP de pai.

vida

No advento da chegada da viDa

Em um pouco mais de um mês a nossa família deverá vivenciar mais uma grande mudança desde que eu e a Flavia decidimos caminhar juntos: a chegada do nosso filho, Davi.

Você que está lendo esse post talvez não saiba, mas tenho uma forte inclinação para o demasiado controle das coisas. Tenho sérias dificuldades de manter a serenidade quando as coisas fogem da minha alçada e ter filhos é um maravilhoso convite para entender que a vida pode ser ainda mais extraordinária quando deixamos ela fluir, sem precisar antecipar tudo. (Escrever, por exemplo, também é uma forma de dar forma aos sentimentos para melhor dominá-los!) 

Nesse período pré-nascimento, ansiedade e o medo não faltam, justamente pela impossibilidade de controlar o que irá acontecer nas próximas semanas e meses.

Se você que me lê já vivenciou a chegada de uma vida, talvez consiga entender. No meu caso, indo para o terceiro parto, sinto que o medo aumenta ainda mais pois a sensação é que tenho muito mais a perder.

Mas do que eu tenho medo? De alguma coisa dar errado no parto, de perder a Flavia, o Davi, de não estar presente para dar meu apoio, de não estar preparado.

Preparado. Ê palavrinha que denuncia o meu ser controlador.

A chegada da vida, do Davi, todo esse período de preparação dos corações e dos braços tem sido um revisitar aquilo que é mais importante para mim: a família. É também lembrar o quão fundamental é acreditar que a falta de controle nem sempre é algo negativo. Às vezes ela é o espaço necessário para que Deus nos faça experimentar o Amor de maneira inesperada, mais profunda e completa, como foram os outros partos.

Então vamoquevamo!

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