Valter Hugo Muniz - Formado em Comunicação Social com ênfase em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de SP (PUC-SP) em 2009, concluiu em 2012 a “laurea magistrale” em Ciências Políticas no Instituto Universitário Sophia, na Itália. Com experiência em agências de comunicação, multinacionais, editoras e televisão é, atualmente, consultor de comunicação na ONG Arigatou International, em Genebra, Suíça. Com vivência de mais de cinco anos na Europa (Itália e Suíça), participou de trabalhos voluntários em São Paulo e na Indonésia pós Tsunami (2005), além de uma breve estadia na Costa do Marfim (2014). É fundador do escrevoLogoexisto.
O desafio em comum da pandemia de COVID-19, em vez de unir população e ajudar a reverter o processo de polarização no Brasil, intensificou dramaticamente as divisões que já existiam no meu país. Incapazes de lidar civilizadamente com as nossas diferenças, tomamos caminhos opostos, agravando a crise (institucional e sanitária) que já levou mais de 300,000 vidas.
Com os rostos ainda banhados pelas lágrimas do luto e da indignação, precisamos buscar corajosamente uma forma de (re)estabelecer vínculos mínimos que nos permitam negociar a nossa existência comunitária.
Respeitar a identidade muitas vezes antagônica do outro é um processo interior trabalhoso e, não raramente, angustiante. O risco é ainda maior quando nesse processo de negociação das verdades existenciais, nos colocamos em um lugar de superioridade moral. Seja ela por motivos religiosos, intelectuais ou em decorrência de experiências passadas.
A tentativa de convencimento, a todo custo, do que acreditamos ser correto, nos leva a ignorar a longa e difícil via do diálogo no processo de síntese coletiva. Dessa posição intransigente, não é difícil descambar para agressões verbais e até para a violência física.
Não acredito na relativização da verdade e do que é correto, ainda mais quando o custo são vidas. Contudo, sou igualmente contra a imposição fundamentalista de métodos em prol do bem universal.
Nesses tempos difíceis, eu sei, estamos todos cansados! Porém, pensando no futuro dos nossos filhos, temos a grande responsabilidade de fazer da nossa indignação uma força propositiva capaz criar as condições necessárias para um diálogo construtivo.
Infelizmente, esse é um caminho vagaroso. Mas sem a paciência estratégica e uma conduta conciliadora, não conseguiremos (re)estabelecer vínculos sociais que contribuam para uma convivência pacífica, solidária e, quem sabe, fraterna.
Quando cheguei aqui em abril de 2014, além de trazer comigo o entusiasmo de uma recente experiência missionária no oeste africano, sentia a alegria de começar uma vida nova em Genebra: um lugar cheio de memórias incríveis com a minha agora esposa, Flavia.
Após a “lua de mel” dos primeiros seis meses, as diferenças culturais que antes eram vistas como riquezas, passaram a se tornar um peso difícil de suportar. Mesmo estando antes em Genebra, essa era a primeira vez que tinha o desafio da integração diante de mim, principalmente ligado à inserção no mercado de trabalho e ao aprendizado da língua local: o francês.
Naquele momento, eu era constantemente questionado por me comportar de maneira diferente, ser fisicamente diferente e, em resposta, eu me esforçava ainda mais para não perder a minha identidade brasileira.
A dificuldade com a comida e o clima, o aprendizado de uma (ou mais) nova língua e as dinâmicas interpessoais completamente distintas foram os elementos mais difíceis de assimilar. Eles foram (e as vezes ainda são) causa de dor, frustração, ansiedade e, principalmente, solidão.
Fazer comparações constantes com aquilo que tinha deixado para trás, tornou-se uma reação defensiva comum. A grande mudança aconteceu após esses primeiros três anos, quando voltei de férias para o Brasil.
O tempo vivendo distante fez com que eu perdesse a ligação orgânica que tinha com o meu país natal. O Brasil que conhecia tinha sofrido mudanças drásticas políticas e econômicas. Amigos e familiares viviam outras fases e muitos deles passaram a desconsiderar a minha visão do país, pelo simples fatos de não viver mais lá a tanto tempo.
O que pode parecer algo essencialmente ruim, na verdade foi uma janela que se abriu para um processo de integração mais profundo e livre de bloqueios interiores ligados à minha cultura original. Essa nova fase inaugurou uma dinâmica pessoal nova, menos preocupada em evidenciar diferenças e fazer comparações.
Já há algum tempo eu comecei a nutrir um sentimento de orgulho e amor pela Suíça. Depois desse longo processo de amadurecimento interior, hoje é bem mais fácil entender as diferenças como riqueza e de assimilar os elementos da nova cultura à minha própria identidade.
É difícil saber o quanto eu estar imerso em um ambiente de aceitação e respeito contribuiu para a passagem dessas fases. O tempo é, sem dúvidas, um grande aliado.
Sempre digo que a integração é um processo dramático, pois toca elementos constitutivos da nossa identidade. Contudo, por meio dela somos convidados a descobrir a nossa incrível capacidade de incorporar dimensões que vão muito além daquelas que nos originaram.
É preciso querer, exige esforço, mas, sem sombra de dúvidas, vale a pena!