Author: Valter Hugo Muniz Page 57 of 240

Valter Hugo Muniz - Formado em Comunicação Social com ênfase em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de SP (PUC-SP) em 2009, concluiu em 2012 a “laurea magistrale” em Ciências Políticas no Instituto Universitário Sophia, na Itália. Com experiência em agências de comunicação, multinacionais, editoras e televisão é, atualmente, consultor de comunicação na ONG Arigatou International, em Genebra, Suíça. Com vivência de mais de cinco anos na Europa (Itália e Suíça), participou de trabalhos voluntários em São Paulo e na Indonésia pós Tsunami (2005), além de uma breve estadia na Costa do Marfim (2014). É fundador do escrevoLogoexisto.

Lição ao definir um atentado

atentado

Sempre ouvi dizer que as diferenças enriquecem o casamento. Posso garantir, sendo casado com uma estrangeira, que essa é uma verdade fundamental.

A diferença ajuda a gente a ser mais completo, a ampliar as perspectivas, desenvolver nossa sensibilidade e, assim, errar menos. Ontem, tive mais uma prova dessa realidade.

No final da tarde, entrei na internet e descobri que tinham sido explodidas duas bombas em Boston. Como jornalista, lendo os fatos que iam sendo apresentados pelos sites e redes de televisão, concluí, pelas evidências, que se tratava de um atentado terrorista.

O evento na capital do estado Massachusetts tinha um simbolismo importante, local e nacionalmente. Duas explosões aconteceram durante a Maratona de Boston, a mais antiga do mundo (moderno), disputada há 117 anos, e que reunia atletas de todas as partes do mundo.

Para relembrar: o ataque às Torres Gêmeas foi realizado no coração econômico dos Estados Unidos (Nova Iorque), com dois aviões e em dois arranha-céus onde trabalhavam uma vasta representação internacional.

As semelhanças são muitas, mas aqui emerge o valor da diferença: O jornalista é “treinado” para realizar uma leitura imediata dos fatos, para depois definir o evento. Assim, quando alguém perguntar “o que aconteceu?” ele, rapidamente, pode dar uma resposta clara e objetiva. Já uma especialista em relações internacionais, como minha esposa, age de maneira diferente. Assim que eu defini o atentado em Boston como “ataque terrorista” ela, imediatamente, disse que eu deveria tomar cuidado com a terminologia da definição. Não entendi o porquê. Os fatos falavam por si só, mas, passadas algumas horas, assistindo ao discurso de Obama, em que ele também tomou esse cuidado terminológico, me dei conta do quanto é importante respeitar o tempo, a apuração mais aprofundada, mesmo que a notícia “tenha que sair”.

O termo “terrorismo” e a sua instrumentalização feita, especialmente pelo governo Bush, produziu um mal histórico e serviu para justificar a morte de inúmeros inocentes no Oriente Médio. A chamada “Guerra ao Terror” acentuou o ódio dos “fanáticos” e pode ser considerada uma das causas do discurso demente do ditador norte coreano.

Definir como “atentado” sim, porque foi. Mas incluir “terrorismo” é afirmar que existe uma organização “criminosa” responsável pelo ato de violência, não somente direcionado às pessoas presentes no momento da explosão, mas ao Estado estadunidense e o seu significado simbólico, como liderança do chamado Ocidente. Essa conclusão ainda precisa de tempo.

Mais uma lição que aprendi com as diferenças. Ainda bem que elas existem.

Eles já foram punidos

maioridade penal

O ser humano tem uma capacidade assustadora de se acomodar. Enquanto tudo está bem, geralmente, nós não nos movemos, nos preocupamos, principalmente com os outros. Mas, toda vez que a nossa liberdade e os outros direitos individuais são afetados, saímos aos berros pedindo justiça, liberdade, paz!

A consequência dessa “ação e reação” é, contudo, mais drástica: o desvio do cerne da questão.

Será que a sociedade (sobretudo a rica) pensa no como estão sendo educadas as crianças (sobretudo as pobres) do país? Quem são as referências? A televisão? Quem são os pais? Ou melhor, elas crescem em uma família?

Enquanto é grande a exaltação da união homossexual, por ela ser manifestação da individualidade de cada um (e eu não sou contra ela), ninguém, contudo, se pergunta quais as consequências de uma criança não crescer em uma família, estável e com as duas referências de gênero.

Além disso, a mesma classe A e B que chora a morte de seu filho e condena, com razão, o assassino, exigindo que ele passe em vez de dois, vinte ou trinta anos na cadeia, apoia (ou é motriz de) uma dinâmica laborativa de baixíssimos salários, extenso regime de horas, colocando a “instituição” família em xeque.

Contudo, a formação dos “futuros(?) adultos” tem um papel muito mais decisivo na sociedade do que se possa imaginar.  E, infelizmente, o descaso com ela faz com que todos colhamos aquilo que, como sociedade, temos plantado.

Enquanto o pobre, preto, nordestino (grande maioria entre a população carcerária) continuar sendo explorado, social e economicamente. Enquanto não nos responsabilizarmos pelo mal coletivo que o nosso comodismo – especialmente em relação aos menos favorecidos – gera, a selvageria só irá crescer.

Claro que, isso não exclui o fato de a violência ser sempre injustificável. Assim, o autor, que mesmo com todos os condicionamentos, é “livre” para decidir não usá-la, deve ser punido.

Mas, como diz o Promotor de Justiça no Estado de São Paulo e mestre em Direito Público, José Heitor dos Santos , “no Brasil, a maioridade penal já foi reduzida: Começa aos 12 anos de idade. O maior de 18 anos de idade que pratica crimes e contravenções penais (infrações penais) pode ser preso, processado, condenado e, se o caso, cumprir pena em presídios. O menor de 18 anos de idade, de igual modo, também responde pelos crimes ou contravenções penais (atos infracionais) que pratica” podendo ser “internado (preso), processado, sancionado (condenado) e, se o caso, cumprir a medida (pena) em estabelecimentos educacionais, que são verdadeiros presídios”.

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma conquista que parece querer ser abolida por alguns setores da sociedade, “ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o adolescente (menores) como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, necessitando, em consequência, de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens, autores de infrações penais, tanto que criou diversas medidas sócio-educativas que, na realidade, são verdadeiras penas, iguais àquelas aplicadas aos adultos”.

Enfim, no Brasil, como sempre, a lei que pune já existe. Mas, a tal impunidade crônica, protagonista em grande parte dos setores da sociedade, não permite que a lei seja realmente eficaz, tanto no que diz respeito ao seu cumprimento, quanto ao desenvolvimento, levando sempre em conta o fato de que estamos lidando com seres humanos.

Esses jovens assassinos, socialmente, já nasceram punidos, sem direitos, família, vida. Se a punição não tem dado resultados, parece que é a hora de encontrar outras soluções.

Uma comunicação que não é só informar

comunication

Uma das maiores descobertas teóricas que fiz durante a “concepção” da minha tese de mestrado foi a do conceito de comunicação normativa, que remete ao ideal da comunicação: informar, dialogar, compartilhar, compreender-se. O vocábulo «comunicação», em latim communicatio, é derivado de communicare e significa ação (actio) de comunicar, partilhar, por em comum.

Segundo Wolton, “de valor essencialmente humanista, a dimensão normativa enfatiza a produção de consenso e está ancorada na fraternidade, no respeito pelo outro no ambiente de diversidade cultural das sociedades modernas”.

Este tipo específico de comunicação se choca com a dimensão funcional, que, “como seu nome indica, ilustra o fato de que, nas sociedades modernas, muitas informações são simplesmente necessárias para o funcionamento das relações humanas e sociais”.

As duas dimensões, normativa e funcional, remetem aos dois sentidos do vocábulo comunicação, desenvolvidos ao longo do tempo. “O primeiro, mais antigo, significa compartilhar, comungar” e está ancorado na tradição judaico-cristã. “O segundo, usado a partir do século XVI, está ligado ao progresso técnico e remete à ideia de transmissão e difusão”.

Na verdade, o sentido moderno de comunicação, essencialmente funcional, está profundamente conectado a outro vocábulo: a informação, que, segundo Wolton, “é produzir e distribuir mensagens o mais livremente possível”. Já o sentido antigo de comunicação (normativa) implica “uma relação entre o emissor, à mensagem e o receptor”. Assim, como explica o comunicólogo francês, “comunicar não é apenas produzir informação e distribuí-la, mas também estar atento às condições em que o receptor a recebe, aceita, recusa, remodela, em função de seu horizonte cultural, político e filosófico, e como responde a ela. A comunicação é sempre um processo mais complexo que a informação, pois trata de um encontro com um retorno e, portanto, com um risco”: a “incomunicação”.

Outro aspecto importante da comunicação se relaciona aos três campos em que ela se desenvolve: técnico; econômico; social e cultural, ambos fundamentais para que a mesma possa atingir um número “massivo” de pessoas.

A comunicação moderna tem uma relação forte com o campo técnico. Mas, ele somente cria a ilusão de que, quanto maior a quantidade de informação, mais os seres humanos estarão se comunicando. Para Wolton “seis bilhões e meio de computadores não bastariam de modo algum para assegurar mais comunicação entre os homens. Quanto mais fáceis se tornam as trocas do ponto de vista técnico, mais se torna essencial e difícil satisfazer as condições culturais e sociais, para que a comunicação seja algo diferente de uma transmissão de informações”.

Por isso, o aumento massivo da informação em circulação, promovido pelo tecnicismo, cria na verdade dois problemas: “aquele das condições para satisfazer um mínimo de comunicação autêntica e o do respeito, que vai além da técnica e da economia, à diversidade cultural”.

Para concluir podemos dizer que a palavra comunicação remete a três aspectos diferentes:

1)      distinção entre as dimensões normativa e funcional,

2)      os três campos em que ela se realiza (técnico; econômico; social e cultural)

3)      a diferença entre o uso das técnicas e a comunicação em si mesma.

Sakamoto no Provocações

sakamoto

Aproveitando que, no post anterior, acenei sobre a questão da exploração do imigrante no Brasil, gostaria de recomendar a excelente entrevista de Abujamra com o blogueiro (e jornalista), Leonardo Sakamoto. A surpresa positiva foi ver a simplicidade e (aparente?) honestidade do blogueiro, enquanto respondia as diferentes perguntas sobre a educação e o trabalho escravo.

Confesso que não acompanho os textos do Sakamoto. Por desinteresse mesmo. Por isso, assim que acabou a entrevista, dei uma entrada no seu blog para ler alguns dos seus escritos. Tenho que dizer que gostei mais das escolhas editoriais, dos assuntos abordados, que da forma com que ele escreve. Talvez, tive azar e acabei não lendo o melhor do blogueiro.

Contudo, reconheço e admiro muito o trabalho realizado pelo Sakamoto, no seu blog e por meio da ONG Repórter Brasil, que denuncia a exploração escravagista e ambiental, ainda (infelizmente) muito presentes no Brasil.

Abujamra teve pouco trabalho com o entrevistado, pela sua abertura, comunicabilidade (acredito pelo fato de ser comunicador) e, sobretudo, pela sua despreocupação com as críticas a respeito do que ele realiza (o que, porém, pode ser visto como um aspecto negativo da sua postura).

Enfim, acho que vale muito a pena assistir! Mesmo que, exclusivamente, para conhecer melhor o jovem blogueiro.

“Jornalista e blogueiro Leonardo Sakamoto preside uma ONG que visa à defesa dos direitos humanos: “a [ONG] Repórter Brasil atua muito fortemente em denúncias contra fazendeiros que utilizam trabalho escravo, empresários que compactuam com o desmatamento ou com a exploração do ser humano, ou representantes políticos que tornam tudo isso possível” (conteúdo do site do Provocações)

Bloco1:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=aecbFVWU0F0]

Bloco2:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=TjyUmRXGOkE]

Bloco3:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=aMLzqV1TtlI]

O drama do imigrante

bolivianos

Ontem a noite, assistindo o Profissão Repórter, da Rede Globo, sobre a situação dos bolivianos submetidos ao trabalho escravo no Estado de São Paulo, me lembrei da difícil realidade de viver imigrado.

Por duas vezes, na Suíça e na Itália, passei um período longo no “estrangeiro” e pude experimentar, na pele, o quanto é difícil viver em uma sociedade que não é a nossa. Essas dificuldades surgem já pelo simples fato linguístico, climático e gastronômico. Três dimensões impossíveis de “escapar” e que, enquanto não superadas, geram um sentimento de solidão tremendo, fruto, especialmente, da incomunicabilidade.

Passado tudo isso (e é preciso ter muita paciência e força de vontade), começa uma nova etapa na vida do estrangeiro: a legalização. Depois que entramos em determinado país, por motivo de estudo, trabalho ou casamento, é necessário prestar contas ao estado “acolhedor” e para isso, enfrentar momentos burocráticos, muitas vezes, humilhantes.

Difícil esquecer a experiência vivida na “Questura di Firenze”, a polícia federal local, responsável pela legalização dos imigrantes. Um lugar frio, com bancos duros, sem água para beber, um único e imundo banheiro, aspectos ainda mais dramáticos porque, para ser atendido, é preciso esperar, no mínimo, 5 horas.

Essa falta de respeito do estado italiano com os imigrantes tem explicações. O número de cidadãos vindos do leste europeu, norte da África e da América Latina aumentou muito nos últimos anos e, proporcionalmente, diminuiu a paciência do governo da Itália (ainda mais o país estando imerso em uma crise econômica e social avassaladora).

Porém, é sabida que a importância dos imigrantes, em um mundo globalizado, é fundamental para o desenvolvimento econômico. A circulação de pessoas promove diferentes ideias, costumes, soluções. Isso sem contar a aceitação de “subempregos” por parte dos imigrantes que, geralmente, os cidadãos, nativos de países de histórico econômico rico, não se submetem.

Esse assunto, que parecia dizer respeito somente ao Velho Continente, tem crescido exponencialmente no Brasil. O drama de bolivianos, que cruzam a fronteira do país para trabalhar e são escravizados nas oficinas de costura, é emblemático. As causas são muitas, mas, finalmente, são sempre seres humanos e suas famílias, na maioria, pobres, que acabam sofrendo todo tipo de abuso, desrespeito, colocando o Brasil na mesma condição de “explorador” que reclamávamos dos países europeus.

Certamente não se deve ignorar um grupo, minoritário, de imigrantes que vem ao país para enriquecer, aproveitando-se da “impunidade crônica” brasileira.  Esses devem ser investigados e convidados a retornar aos seus países. Contudo, todos aqueles que chegam ao Brasil a trabalho ou para estudar (e estando legalizados) devem ser valorizados, respeitados em seus direitos (e obrigações) e, jamais, serem escravizados.

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