Author: Valter Hugo Muniz Page 14 of 240

Valter Hugo Muniz - Formado em Comunicação Social com ênfase em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de SP (PUC-SP) em 2009, concluiu em 2012 a “laurea magistrale” em Ciências Políticas no Instituto Universitário Sophia, na Itália. Com experiência em agências de comunicação, multinacionais, editoras e televisão é, atualmente, consultor de comunicação na ONG Arigatou International, em Genebra, Suíça. Com vivência de mais de cinco anos na Europa (Itália e Suíça), participou de trabalhos voluntários em São Paulo e na Indonésia pós Tsunami (2005), além de uma breve estadia na Costa do Marfim (2014). É fundador do escrevoLogoexisto.

Pai, especial

Poder participar da geração de um novo ser foi, sem sombra de dúvidas, um dos presentes mais lindos que a vida me deu. Ser pai é, a priori, viver eternamente grato por ver frutificado o seu amor mais puro e verdadeiro.

Mas e depois? O que sobra? Fraldas sujas? Banhos? Gorfadas, babadas, xixizadas e cocozadas? Mesmo que esses sejam elementos cotidianos da paternidade real, ser pai vai muito além. Viver a paternidade é mais um convite que a vida nos faz para sermos homens melhores.

A primeira descoberta que fiz nas primeiras semanas de vida da Tainá foi que a minha grande ocupação seria tomar conta da principal cuidadora da minha filha: a mãe dela. Claro que logo que a Tainá nasceu procurei me fazer útil da melhor forma possível, com a troca de fraldas e tudo mais, mas ela precisava sobretudo da mãe, fonte de calor e de alimento. Enquanto isso a Flavia ainda estava bem fragilizada. Fisicamente cansada pela intensidade do parto, lidando com o desconforto das feridas e sobretudo a descarga hormonal que causava exaustão. Ali se apresentou a minha primeira chance de ser pai.

Aquele insight me fez descobrir que, se minha esposa está bem, feliz, descansada, a família inteira fica em paz. Dessa forma, desde o início tenho procurado exercitar a paciência, duplicar o cuidado e a atenção para que a Flavia esteja bem.

Outra importante descoberta é fruto de uma minha reflexão recente sobre a construção de vínculos com os filhos. Enquanto as mães ganham uma « ajudinha » da natureza com a gestação, a amamentação, os pais são jogados à deriva, sozinhos, nesse oceano agitado da paternidade.

Mas será mesmo que não recebemos nenhum sinal interior? Para falar a verdade, acredito que não. Talvez isso explique o porquê de vermos muito mais pais que mães abandonando seus próprios filhos. Por outro lado, vínculos que ficam para vida e sobrevivem ao tempo, como amizades de infância, casamentos, entre outros, precisam conter um elemento fundamental, que também existe na paternidade (e em outras fases da maternidade): a escolha.

Ser pai é viver diariamente a escolha de querer, do fundo do coração, construir e fortalecer os vínculos com os filhos. Não existe romantismo ou impulso interior. É escolha pura, que me faz sentir, de certa forma, especial. Troco fraldas, dou banho, faço dormir, me sentindo profundamente feliz. Não faço porque é minha obrigação, mas porque são as únicas oportunidades que tenho para, diariamente, fortalecer a relação com a minha filha.

Investir em vínculos tem tornado a minha paternidade ainda mais completa. Sinto que posso amar mais, curtir ainda mais minha família e renunciar outras coisas sem arrependimentos. Quando entro em casa deixo todo o resto do lado de fora, para poder dar o meu melhor para minha família.

Porém, pai só é pai se tem filha (o). E a minha filha é um ser maravilhoso que vou contar um pouco mais no próximo texto.

 

Mãe, incondicional

Dois meses já se passaram da fantástica experiência do nascimento da nossa pequena Tainá e só agora me sinto pronto para partilhar um pouco daquilo que temos vivido nessa nova etapa da nossa família.

Durante esse período, temos nos ajudado dia após dia a nos tornarmos pai, mãe e filha. Não vou esconder que alcançar o desejado equilíbrio tem exigido muita disposição física e psicológica pois são três novas realidades que nenhum de nós estava acostumado a viver.

Testemunhar o «nascimento» da Flavia como mãe tem sido uma das experiências mais lindas dessa fase. Como grande parte das mulheres, ela também teve de passar pelas dificuldades e inseguranças comuns nos primeiros dois meses de vida de um bebê. Algumas soluções deram muito certo, outras nem tanto, mas grande parte dos desafios iniciais passaram (e chegaram novos).

O mais interessante é notar que a Flavia não vive ansiosa para que as fases dessa nova vivência passem rápido. Desde que a Tainá chegou, todos os dias em que olho para minha esposa, mesmo cansada, sinto leveza e contemplo um semblante “novo” que para mim é Mistério. Essa experiência me fez entender que o “ser Mãe” não está na perfeição das tarefas cumpridas ou nas melhores soluções relativas aos cuidados, mas no sentimento que está por trás, que transcende e move tudo isso.

Não acredito que somos programados para algo. Muito menos para amar (ou para não amar). A vida é cheia de oportunidades para descobrirmos o Amor, que muitas vezes se traduz em empatia, paciência, perdão, mas a escolha de fazer por amor (ou não) é nossa.

Podemos reduzir a maternidade/paternidade aos seus automatismos. Lidar com as tarefas e cuidados por obrigação ou enxergá-las como expressão do melhor Amor que podemos gerar. E o Amor respeita tanto o sujeito que ama quanto o objeto desse Amor. Não pode ser nocivo para uma das partes. Assim, mesmo quando amar custa, esse amor-escolha se traduz em serenidade, leveza.

Fico emocionado pelo privilégio de respirar esse tal amor incondicional em casa. Hoje ele é bem mais concreto para mim e é fonte inesgotável de inspiração. Só de observar o comportamento da Flavia em relação à nossa filha sinto-me chamado a ser um pai melhor, que transcende o simples fazer, para aperfeiçoar-se no “como”. Mas vou explicar mais sobre minhas descobertas da paternidade no próximo texto.

Carta para minha primeira filha

Querida filha, esta semana, enquanto você completa seu primeiro mês aqui fora, eu tive de voltar ao trabalho. Seria impreciso dizer que fui obrigado, pois foi a minha escolha aceitar esse que é, no momento, um importante instrumento de sustento para nossa família.

Segunda-feira não foi um dia feliz para mim. Ter de me despedir e ver você dormindo partiu meu coração e me fez pensar muitas coisas, até em deixar meu trabalho! É muito triste que a nossa sociedade ainda não disponha de tempo o suficiente para que os recém-chegados tenham uma adaptação mais suave (e seus acompanhadores também).

Você ainda não sabe, mas logo irá descobrir que para mim família é tudo. O resto sempre esteve em segundo plano. E agora que você está aqui, esse sentimento é ainda mais visceral. Contudo, também voltei para o trabalho porque acredito que lá posso fazer com que o Amor que cultivamos em família ultrapasse os muros da nossa casa e chegue às outras pessoas.

Eu e sua mãe cremos firmemente que, mesmo fisicamente distantes, somos capazes de viver uns pelos outros e assim, preservarmos a nossa unidade.

Filha. Desculpe a minha ausência durante a semana. Saiba que ela também dói em mim. Vou sentir falta de trocar suas fraldas durante o dia, tentar fazer você se acostumar com os estímulos desse mundo turbulento e presenciar o milagre que é o seu desenvolvimento. Mas, fique tranquila, no final do dia eu volto.

Um beijo e nos vemos mais tarde,

Papai

A chegada da Tainá – Parte três: Gratidão

« Aproveite bem cada dia com a sua filha! Eu era muito sério quando tive meus filhos e não curti como deveria. Hoje eu me arrependo», disse um dos amigos da nossa família, antes de pegarmos a estrada de volta pra Genebra e começarmos finalmente uma nova vida, agora à três.

Os nossos corações que pareciam explodir e as lágrimas inevitáveis, tamanha a emoção, eram resultado de uma experiência extremamente intensa como é a de um parto.

Poucas horas antes, no quarto, na casa da minha sogra, já era dia 22 e com a Flavia eu tentava surfar nas ondas das contrações que de dois em dois minutos, foram rapidamente para uma intensidade difícil de acompanhar no aplicativo do meu celular. Nos intervalos, as mesmas massagens e palavras de incentivo de antes, mas agora sufocadas pelos gritos estridentes de dor e a minha incapacidade de diminuí-la.

Após uma hora de sofrimento, minha esposa disse que precisávamos voltar à casa de parto. Dentro eu pensei « Será? Mas faz tão pouco tempo que voltamos! ». Contudo, fui interrompido por mais um grito de dor e peguei o telefone para ligar, esperando que alguém que entendesse inglês pegasse o telefone.

«Oi, sou eu, Valter, o marido da Flavia. Estamos ligando porque achamos que está na hora de voltar para aí », disse em inglês. Do outro lado, dona Ruth respondeu: Oi Valter, tudo bem, podem vir. Como está Flavia, ela está bem? “. Ingenuamente disse “Sim, ela está bem”, querendo dizer que não parecia haver complicações aparentes. Contudo, minha esposa, ao meu ouvir, em meio a mais uma onda gritou: « I am not okkkkkkkkk!»  e aquele foi o sinal claro para correr para o carro rumo à casa de parto.

Já na primeira curva me dei conta de que estava sem óculos! As 1 :30h, tudo escuro e eu praticamente cego. Volto? “Nem a pau! “. Agora alguém lá em cima teria que curar minha miopia ao menos durante os 10 minutos de estrada.

Chegando na casa de parto. Silêncio e paz. Dona Ruth nos acolheu com um sorriso e uma serenidade que jamais vou esquecer. Uma sensação de alívio por não estarmos em um hospital. Entramos e logo após inspecionar a dilatação, ela nos informou que a Tainá já estava pronta para chegar. Acompanhei Flavia para a cadeira, ajudei ela a tirar a roupa, trouxe água, peguei na mão … o que mais poderia fazer? Queria estar junto. Era a minha única preocupação. Que as duas sentissem que eu estava ali para elas, sem restrições.

O momento derradeiro se aproximava. Entre inspirações e expirações, gritos e sorrisos, presenciei um dos milagres mais incríveis da natureza. Ao ver a nossa pequena Tainá e ouvir seu choro imediato, senti que meu coração ia explodir. Uma emoção que ainda aquece “dentro” ao lembrar. Lágrimas de felicidade escorreram espontaneamente de mim e lá estávamos nós três, abraçados, cheios de gratidão.

A chegada da Tainá – Parte dois: Cumplicidade

“Você está de parabéns! Foi um parceiro muito participativo. Fiquei impressionada”, foram as palavras de Ruth, o nosso anjo da guarda durante o parto, para mim, acrescentando que normalmente os companheiros que têm filhos na casa de parto são bem participativos, mas raramente ajudam as esposas sem precisar de orientação da parteira.

Juro que o comentário da dona Ruth, parteira com mais de 20 anos de experiência em partos domiciliares na Inglaterra, não encheram o meu ego. O parto nada tem a ver com egos. É um milagre tão grande que essas miudezas humanas passam longe.

Se eu pudesse resumir em uma palavra as (só?) cinco horas entre o início das contrações regulares até o nascimento da Tainá eu diria: cumplicidade. Do encher a banheira para minha esposa relaxar, a fazer massagem nas costas (que eu prefiro muito mais receber). Do proferir palavras de incentivo, aos sorrisos e a lembrança de que logo conheceríamos a nossa amada filha.

Cumplicidade é a base de qualquer família. Não tenho dúvidas disso. Porém, seria um erro pensar que ela começa no parto, ou mesmo na gravidez. O cuidado mútuo, os sacrifícios pelo outro, a empatia e a paciência se desenvolvem na vida à dois muito antes. E esse exercício passa a fazer muito mais sentido em momentos fortes como o do nascimento de um filho. Nele, a capacidade de amar, incondicionalmente, é colocada no limite.

Bom… quando voltamos da casa da madrinha da Flavia tudo realmente ficou bem mais intenso. Preparamos a banheira, a Flavia tomou banho e tentou relaxar na água, mas não encontrar uma posição confortável parecia deixá-la mais agitada. Então decidimos ir para o nosso quarto. Com um aplicativo de celular eu ia monitorando a regularidade das contrações, tentando ficar atento às reações da minha esposa para entender o aumento da intensidade delas. Mas já depois de uma hora, a dor, somada a preocupação de se o bebê estava bem, nos fez ir para a casa de parto.

A Flavia ligou e as 23h lá estávamos para um controle. Tudo bem com a mãe e filha, mas o trabalho de parto só havia iniciado. Dois dedos de dilatação. Fomos orientados a voltar para casa para a Flavia descansar, porque a “maratona” até o nascimento poderia ainda durar mais de 12 horas. Então entramos no carro um pouco decepcionados em ter que ainda esperar pelo grande encontro.

E eu? O Pai. O que senti? Nada… na verdade não lembro muito bem. Foi tudo tão intenso e estava tão preocupado em estar lá, presente, para minhas queridas, que não tive tempo para refletir.

Às 24h chegamos na casa da minha sogra novamente. Fomos para o quarto e lá começou a etapa mais difícil de toda a experiência do parto. Dor, gritos, tensão, mas dentro felicidade. Gratidão. O tema do último texto.

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