Estudei minha vida toda em escola estadual. Ao ingressar na Universidade Federal, não sabia bem quais caminhos trilharia, mas sabia que queria estar no serviço público. Queria poder contribuir de algum modo para a construção do bem comum, oferecendo um atendimento de qualidade para todos e aqueles que mais necessitam. Assim, segui meu curso de graduação nessa perspectiva e, no último semestre, realizei alguns concursos como treino. E qual minha surpresa quando passei no meu primeiro concurso público! Sim, era uma alegria inesperada, era recém- formada e já empregada como terapeuta ocupacional, justamente no setor público como desejava.
Pronto, agora era só arregaçar as mangas e dar o máximo de mim!!
A importância de se doar plenamente
Nunca pensei que arregaçar as mangas não bastasse. No começo da minha experiência como terapeuta, percebi que também é necessário lutar, enfrentar, desconstruir e renascer a cada dia. Lutar pela qualidade do atendimento, por recursos, pela estrutura física; enfrentar hábitos viciosos, jeitinhos não sempre justos, o desânimo de quem está na caminhada há mais tempo… desconstruir a imagem de que não existe solução, que ninguém está a fim…
Não sabia por onde começar, parecia-me que tudo precisava ser renovado. Mas, ao mesmo tempo, era inexperiente, a mais nova da turma, a que tentava sorrir para todos, não criticar sem necessidade, mas acolher cada um. É… estava difícil conquistar a credibilidade e estabelecer alguma parceria.
Colegas que trabalhavam ali há vinte anos me diziam que um dia também tinham tido o sonho, assim como eu, de mudar o mundo mas que logo eu entenderia a dura realidade e desistiria dessa ousadia. Diante de tantos problemas surgiu um grande medo: e se estivessem certos? E se de fato esse meu desejo de transformação fosse algo ingênuo, juvenil e que iria passar? Ai, meu Deus! Quê angustia!
A esperança no setor público
Existiam infinitos problemas, questões para além de mim e daquilo que enxergava. Um passado permeado de intrigas, jogos políticos, sentimento de desvalorização, menosprezo, falta de tantas coisas, mas para mim a maior delas era a falta de esperança.
Como mudar? O que posso fazer? No íntimo a certeza de que continuaria impotente se olhasse os problemas apenas do alto, pois eram gigantes. Nova pergunta: mas existe algo que depende apenas de mim e de mais ninguém? A escuta interior de um SIM me forneceu o vigor necessário.
Poderia atender bem meus pacientes e todos aqueles que chegassem! Essa ação não dependia de sala adequada, material especifico, situação ou oposição, dependia apenas de mim!
Os frutos da minha escolha pessoal
Foi um dos anos mais intensos, cheio de questionamentos, lágrimas diárias, cansaço, momentos de descrenças, revisão de valores, escolhas profundas em relação a quem eu gostaria de ser. Conheci pessoas maravilhosas, percebi também que existiam pessoas não tão boas assim no mundo. Mas de modo surpreendente todas deixaram uma marca saudosa. Encontrei nos pacientes grandes parceiros! Juntos realizamos coisas inovadoras e significativas as quais carrego vivas comigo!
Percebi de modo mais maduro que “dar a outra face”, pregado pelo cristianismo, significa algo longe de submissão, escravidão ou humilhação. Compreendia pela primeira vez que para mim significava ser LIVRE, livre para fazer o bem, independente das circunstâncias. A atitude ruim do outro, a descrença, por vezes a perseguição ou o desânimo alheio não deveriam ser condicionadores das minhas ações, pois a liberdade me permite exercer a minha humanidade com criatividade e inteligência para muito além das condições favoráveis ou não que se apresentam.
Fazendo o bem podemos, como diria meu marido, “quebrar as pernas” de quem o recebe, pois vive-se uma experiência ilógica, como se as peças não se encaixassem mais como outrora. Se pedras se deslocam, novos caminhos podem ser percorridos. Posso dizer que vi esse movimento iniciar-se, ainda que de maneira lenta e silenciosa, naquele espaço, nas relações.
Hoje passados 5 anos dessa primeira experiência, vivo uma nova fase, em outra cidade, novos colegas, novos desafios mas eis que, também aqui, sou servidora pública com muitos outros questionamentos.
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Karina Gonçalves da Silva Sobral – Formada em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) em 2007, motivada por questões existenciais e busca de respostas em como lidar com o sofrimento do outro, dos tantos outros que já tinha encontrado nas recentes mas, intensas, práticas como terapeuta ocupacional, concluiu em 2011 a “laurea magistrale” em ciências políticas no Instituto Universitário Sophia, na Itália. Possui experiências, principalmente, no Serviço Público, na área de saúde mental, e, atualmente, é terapeuta ocupacional com atuação na educação especial.
Thiago Domingues
Sua capacidade de se entregar fez você ir mais longe, as dificuldades não te paralisaram, muito menos desanimaram, fez com que você se reinventa-se. Parabéns! Admiro muito você e o Lucas!
“Você não pode amar uma coisa sem querer lutar por ela.” – G. K. Chesterton.
Verso l´alto
Ana Elisa Marino Stivaletti
Querida Karina! Sua prática reflete sua beleza! Sou muito grata por tê-la como colega de profissão e grande amiga! Seguiremos nesta estrada com o mesmo amor e objetivo se multiplicar esse olhar especial!