Segundo a UNESCO, de total de 6700 idiomas, “mais de metade se encontra em risco de extinção e a cada 15 dias desaparece no mundo uma forma de ouvir, falar, pensar e representar o Universo”. Com isso, somos levados a pensar na importância da preservação, promoção e difusão do próprio património linguístico. Essa é uma questão muito importante para o contexto educativo angolano.
O encontro inesperado
Regressávamos para a capital em uma viagem tranquila deleitando-se com as maravilhas naturais que o nosso país proporciona.
Enquanto passávamos pela Canjala, localidade da Província de Benguela, fomos interpelados por meninos a beira da estrada que nos disseram “Walale, Walale”, que significa “bom dia” na língua nacional umbundu. Imediatamente estabeleceu-se um diálogo como se nos conhecêssemos há muito tempo. Aqueles meninos nos contaram sobre os seus sonhos de se mudarem para a capital onde há mais oportunidades de vida (…).
O improviso encontro com aqueles garotos levou os meus pensamentos para um problema relevante e que constitui uma preocupação séria do ensino primário e que é hoje, uma das principais razões para a introdução das chamadas “línguas nacionais”, quer como línguas de comunicação, quer como matéria de ensino, nos novos currículos de aprendizagem.
Um exemplo para reflectir
Uma vez um perito da área de psicologia social relatava o seguinte:
“Uma personalidade ao ir visitar um lar de transicção na Província de Benguela, onde a língua nacional característica da região é o umbundu, adoptou uma menina de 2 anos que se lhe atirou aos braços. Canjala deve seu nome à terra onde nasceu e onde, por causa da guerra, ficou órfã.
Na sua nova família, Canjala foi sempre tratada com todo o carinho mas, durante algum tempo, a mãe adoptiva não entendia a filha e nem a filha entendia a mãe. A família que a adoptou não falava umbundu e Canjala não falava português. Foram longos meses de incompreensão.
Chegou a altura de enfrentar a escola e Canjala foi matriculada na classe de iniciação, onde iria aperfeiçoar a língua portuguesa em conjunto com outras crianças. Logo se verificou que as suas capacidades de aprendizagem não eram iguais às dos outros alunos. Inconscientemente, Canjala temia o confronto com os companheiros. Tornou-se agressiva e a escola começou a tornar-se em um tormento. Foi necessário repetir a classe de iniciação. Já na 1ª classe, as dificuldades continuavam e foi condenada, mais uma vez, a repetir o ano.
Acredito que esta situação deveu-se ao seguinte: no seu novo meio familiar Canjala encontrou, de facto, o carinho indispensável e as comodidades, que certamente, não teria na sua família de origem. Porém, faltou-lhe uma coisa importante: a sua língua materna, suporte indispensável ao desenvolvimento mental.
O corpo continuou a crescer, mas o intelecto parou, infelizmente, em uma idade em que os atrasos são mais difíceis de recuperar. O desenvolvimento das capacidades mentais das crianças se opera, sobretudo, antes delas entrarem na escola e a capacidade de aprendizagem das línguas, suporte indispensável para aquele desenvolvimento, é máxima por volta dos 3 ou 4 anos de idade. ”
A Preservação do Património Linguístico
Como outras práticas sociais, a educação actua sobre a vida e o crescimento das diferentes sociedades em dois sentidos: no desenvolvimento das suas forças produtivas e dos seus valores culturais. Contudo, no actual contexto educativo de Angola, que valoriza uma “educação universal”, ignorando a riqueza do património linguístico do país, a grande maioria das crianças ainda está privada de desenvolver ao máximo as suas potencialidades, com prejuízo evidente das crianças das classes sociais mais desfavorecidas.
Antes dos 4 anos de idade qualquer criança pode aprender, em um ano, dez vezes mais do que um adulto. Aos 4 anos a estrutura geral da língua materna está adquirida. As crianças que mudam de área geográfica, quando mudam antes dos 4 anos, adquirem as marcas linguísticas fonéticas e sintácticas, do novo meio. Mas, se mudarem depois dos 4 anos, manterão as características da região de origem.
O grande desafio dos professores e formadores angolanos é superar o modelo tradicional baseado na uniformização linguística, para construir um projecto educativo que, acima de tudo, seja capaz de valorizar e preservar o nosso património linguístico.
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Ivete Gwizana Leite Maria Domingos (Ivete Maria) – Formada em Ciências Matemáticas, pela Universidade Agostinho Neto (UAN). Já foi professora, operadora de telemarketing e trabalhou durante 3 anos numa agência de comunicação passando pela área administrativa e de publicidade e eventos. Ivete também teve a possibilidade de realizar um ano de intercâmbio multicultural e inter-religioso na Itália.