Sempre achei um absurdo o pedantismo dos intelectuais que, de suas cadeiras Giroflex, tomando seus expressos Lavazza, discutem sobre a sociedade brasileira e seus problemas sociais “irresolúveis”. É fácil estar aqui sentado, respirando ares europeus, enquanto tem gente, no meu país, pagando imposto sem um retorno do governo, ou pior, sendo tratada como animal, abandonada nos leitos dos hospitais, ganhando uma miséria, morrendo indigente.
Há algumas semanas, estou lendo a trágica história do manicômio de Barbacena, narrada de maneira encantadora pela jornalista Daniela Arbex. Entrar a fundo no intitulado “holocausto brasileiro” é se dar conta de como os “socialmente fragilizados” são esquecidos, explorados e até mesmo executados de maneira sistemática no Brasil.
A culpa é do governo
Quando um filho é mal educado, desobediente, sem limites, grande parte das pessoas atribui esse comportamento à ausência de pais educadores presentes. Para mim, um governo que abdica de dar instrumentos para que os cidadãos sejam educados da melhor forma possível é cúmplice do subdesenvolvimento e do desrespeito social
Não acredito que o Estado deva ser paternalista, no sentido negativo que atribui ao governo um poder absoluto. Contudo, deveria ser exigido dos líderes políticos um compromisso ético de “paternidade”, ajudando a população, principalmente a camada formada por cidadãos em condições sociais inferiores, a encontrar seu caminho para o desenvolvimento individual, visando também o coletivo.
Tanto no exemplo da relação pai-filho, como no caso do governo-povo, indiscutivelmente, é fundamental educação. Hoje de manhã, lendo as manchetes dos jornais brasileiros, mas especialmente assistindo ao vídeo de um arrastão em Recife, não pude deixar de pensar quais seriam as razões que levaram ao caos social, a capital de um estado repleto de belezas naturais e de cultura.
Estive em Recife, mais de uma vez, nos últimos 5 anos e vi, com meus próprios olhos, o que o governo, estadual e municipal, tem feito com a cidade e o seu povo. Por isso, de certo modo, não me surpreendo com o que vi. Quando se tratam de seres vivos, a gente sempre colhe o que planta.
A culpa é minha, sua, nossa
Todo esse contexto de descaso do governo, porém, justifica o vandalismo que as imagens das câmeras mostraram, especialmente, no Recife? Não. E novamente faço a mesma alegoria do relacionamento pai e filho.
A falta de educação dos pais não determina de maneira absolutamente negativa o futuro dos filhos. Cada indivíduo, no despertar da sua consciência, tem a possibilidade de escolher, talvez não no que diz respeito aos aspectos materiais, mas no que concerne a ética.
O mal que um pai ou um governo faz de maneira ativa ou passiva não nos rouba a possibilidade de pensar eticamente o modo como vamos reagir, nos rebelar. É fácil usar a repressão ou a exploração social como justificativa para a violência. Difícil é encontrar soluções criativas e pacificas, como fizeram Gandhi, Martin Luther King e Mandela.
Que país nós queremos?
O discurso acima é bonito, claro. E pior, está sendo feito de longe, “em cima do pedestal” que tanto condeno. Mas foi a maneira que encontrei de, neste momento, exprimir minha revolta contra o governo e contra o meu povo.
Aqui, do outro lado do Atlântico, procuro estudar, inculturar-me e promover os valores positivos que o Brasil me deu: a coragem de lutar trabalhando honestamente e sem reconhecimento, de sorrir mesmo diante da dificuldade, de cultivar a esperança. As injustiças que vivo, como imigrante, não me fazem optar pelo vandalismo, a desonestidade e o desrespeito. Procuro fazer escolhas individuais éticas e, sempre que possível, questionar e exigir respeito.
Tenho a certeza de que o Brasil precisa mudar, urgentemente, “de cima para baixo”, mas isso não nos tira a mesma urgência de mudarmos também “debaixo para cima”. Colocar o Brasil no caminho certo exige que alguns valores “de base”, como a educação e o respeito, sejam partilhados entre governantes e governados.