Leis

Uma das lições mais bonitas, em relação aos sistemas políticos, que recebi durante a laurea magistrale no Instituto Sophia, na Itália, é que, tanto as estruturas, como as regras que constituem um sistema democrático, têm como finalidade suprema servir o ser humano.

O Legislativo cria leis para proteger o bem comum e a convivência das diferenças. O Executivo “executa” a prática dessas leis e o Judiciário, as protege, julgando os desvios de conduta em relação às mesmas. Contudo, esse sistema regrado é gerenciado por seres humanos. As leis não estão acima dos indivíduos e, por isso, os desvios devem ser interpretados, mensurados e julgados a partir do todo, levando em conta o quanto eles prejudicam o bem comum e a convivência das diferenças.

Infelizmente, o que aconteceu ontem no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), com a decisão da perda de pontos e o consequente rebaixamento da Portuguesa, foi um equívoco “técnico” que se repete nas mais variadas instâncias do Judiciário brasileiro.

Pessoas ou robôs aplicando as leis?

LeisMuitos diziam que uma decisão contrária, que não penitenciasse à Portuguesa, acabaria abrindo precedentes perigosos. É verdade. Não acho que a punição para o time paulista seja questionável, pois o erro existiu, ferindo o regulamento. O que faltou, porém, foi o exercício de uma capacidade que nos faz seres humanos, permitindo-nos interpretar e mensurar um fato aplicado às leis vigentes, considerando o seu contexto. Resumindo: faltou bom senso.

Não sejamos hipócritas: o futebol não é um esporte racional. Se o fosse, em vez de um árbitro e dois bandeirinhas, que constantemente erram, interferindo diretamente no resultados dos jogos, teríamos câmeras e robôs espalhados pelo campo.  A presença humana de um árbitro, capaz de interpretar, permite que as decisões sejam tomadas, possivelmente, de maneira mais justa (não sei se um robô, por exemplo, poderia saber quando um jogador simula).

Claro que, por outro lado, a presença humana nos campos de futebol aumenta a possibilidades de desvios, manipulações por gratificações econômicas, entre outras coisas. Mas, mesmo diante desses riscos, tenho minhas dúvidas se seria melhor robôs, em vez de pessoas, arbitrando.

Punição merecida, mas desmedida

LeisBom, se dentro do campo (ainda) não temos robôs, fora dele, no Judiciário também não.  E, em minha opinião, a lógica aplicada é a mesma. Os seres humanos (e suas ações) transcendem às leis, por isso, um juiz, suportado por uma ampla quantidade de regras úteis e racionais, para tomar uma decisão justa, precisa desenvolver a capacidade de interpretá-las, tendo em vista os princípios e a finalidade que geraram as mesmas, especialmente, o bem comum.

No caso da Portuguesa é evidente que, se se tratasse de um time de maior força política, as decisões seriam tomadas de maneira diferente. O fato é que, olhando o erro cometido, – a escalação de um jogador em situação irregular, nos últimos 15 minutos, na ultima rodada do campeonato e em um jogo sem maiores consequências para os outros times – não se pode dizer que foi uma falta grave. Punir à Portuguesa com o rebaixamento é, como disse o Juka Kfouri, “condenar à prisão perpétua um ladrão de pães”.

Reitero que o erro existiu e a Portuguesa deve sim ser punida. Só penso que deveriam ser “guardadas as devidas proporções” do seu desvio de conduta, e ela fosse punida com a perda de mandos de campo no próximo ano ou o pagamento de uma multa.

No entanto, rebaixar o time paulista é castigar, sem perceber que a punição desmedida (e como ela ressoou no mundo futebolístico) não conduz ao bem comum. A medida do STJD coloca o futebol como um esporte onde são as regras que norteiam o espetáculo, o que acaba, indiretamente, abrindo precedentes para o aumento da sua burocratização, que tira a atenção dos gramados espalhados pelo país, entregando-a aos tribunais.