Month: November 2013 Page 3 of 5

Apadrinhar casamentos: um convite para pensar sobre a própria família | Valter Hugo Muniz

Apadrinhar casamentos

Nas últimas semanas recebi o bonito convite para, com a minha esposa, apadrinhar casamentos de dois casais de amgios. É maravilhoso ver as pessoas com quem eu cresci junto, realizando o sonho de fundar uma família, com todas as formalidades importantes, porque elas tornam a união de duas pessoas que se amam, um evento verdadeiramente comunitário.

Isso, contudo, me fez pensar na seriedade deste que os cristãos chamam (mesmo às vezes sem viver) de sacramento. Um casal que eu apadrinhei, infelizmente, hoje não existe mais. Outro vive uma situação complicada, que parece caminhar rumo ao fim. Diante disso, comecei a ficar mais receoso em aceitar esse tipo de convite.

Este ano, descobri que o apadrinhamento é uma responsabilidade grande, não só perante a família que inicia, mas diante de Deus. Assim, disse a um desses casais que eu aceitava somente se eles nos deixassem (eu e minha esposa) livres para “dar pitaco” na família deles, sobretudo quando estiverem vivendo momentos complicados entre eles.  Ser padrinho é realmente o convite a estabelecer um vinculo verdadeiro com seus afilhados, mesmo que, devido à distância geográfica, limite-se à dimensão espiritual. Se não for desta maneira, não tem sentido. Ser padrinho se transforma em um formalismo estúpido e carnavalesco.

A realidade das famílias binacionais

header_bra_suiEste mesmo casal a quem discursei meu “atestado de intromissão”, vive uma realidade parecida com a minha e da minha esposa: a dos casamentos binacionais. Se casar já é uma grande novidade na vida de dois indivíduos, casamento entre pessoas de continentes diferentes é uma dupla-aventura.

Nesse – quase – um ano como família “suíça-brasileira”, eu e minha esposa pudemos experimentar – na pele – o quanto as diferenças culturais influenciam as atitudes e incidem diretamente no cotidiano da vida em família. Parece algo banal e às vezes até passa despercebido, mas nos momentos de dificuldade, a diversidade de alguns valores pode ser motivo de conflito. Claro que isso acontece também entre casais do mesmo país, mas acredito que aqueles formados por pessoas de países diferentes vivem essa experiência de maneira potencializada.

Por exemplo, independente onde ela se instale, fatalmente, um ou ambos os conjugues de famílias binacionais deve abdicar da própria língua, da comida, da família natural e dos amigos, algo que está ligado à essência de cada individuo. Parece-me fundamental considerar com maturidade e “respeito” esse aspecto.

Por outro lado, existe a riqueza infinita no relacionamento entre pessoas de culturas diferentes, que vão, aos poucos, se misturando, criando uma nova cultura, híbrida, capaz de aproveitar o bom e descartar o ruim das culturas de origem. Aumenta-se o background cultural, o conhecimento das línguas, os gostos gastronômicos, o mundo fica muito maior.

Não posso discursar demasiadamente sendo parte de uma família “embrionária”, com pouquíssimo tempo e experiências, mas me sinto feliz demais por fazer parte de uma família binacional. Ela me impulsiona a viver o casamento com uma seriedade capaz de superar os ruídos de comunicação – verbal ou não.

É fantástico perceber também que temos construído, com outros casais binacionais, um vínculo bonito, de ajuda e partilha mútua para, juntos, superarmos todos os possíveis obstáculos que envolvem essa palavrinha simples, mais cheia de significados, chamada cultura.

Acessibilidade e inclusão social: preocupação real ou moda? | Karina Gonçalves

inclusão social

Rampas, calçadas rebaixadas, vagas reservadas, piso tátil, sinalizações em Braile, interpretes de Libras na televisão, nas igrejas, nas escolas, ônibus e carros adaptados… Alguns indicativos de que algo tem mudado em nossa sociedade, hoje, muito mais voltada para as questões da acessibilidade e da inclusão social. No entanto, será um movimento, ainda que articulado politicamente, de moda ou trata-se de uma real busca pelos direitos de pessoas que, até outro dia, eram quase ignoradas?

A percepção de que as pessoas com deficiência poderiam construir uma história diferente daquela da segregação em entidades especializadas ou mantidas unicamente reclusas no seio familiar, começa a ser expressa nas leis e decretos a partir dos anos 80. O ano de 1981 é declarado pela ONU “Ano Internacional da Pessoa Deficiente”, marco que tornou possível, tanto uma maior consciência da pessoa com deficiência de si mesma, como estímulo para que ela passasse a se organizar politicamente e, assim, ser notada.

acessibilidade3Hoje no Brasil existem 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (IBGE, 2010), sendo que muitas delas passaram da condição da exclusão e isolamento total, a aquela de circular pelas ruas, frequentarem escolas regulares, batalhar por um trabalho. Além de frequentarem bares, restaurantes, museus, parques e prédios públicos como todas as outras pessoas da população.

Estamos vivendo um processo histórico, gradual e progressivo, o qual não deve, e nem pode, limitar-se às estruturas físicas que permitem o acesso, ainda que imprescindíveis. Existe a importância fundamental da dimensão humana relacional, o modo como cada um olha e se relaciona com a pessoa com deficiência, e o espaço politico onde as ações podem ser executadas com alcance amplo.

Esta dimensão humana relacional deve ser base para qualquer transformação duradoura e sólida. Trata-se de libertar-nos das amarras da rejeição e do egoísmo e construir uma mentalidade mais aberta e tolerante, mais compreensiva e fraterna. Significa ser capaz de gerar condições sociais e humanas para que todas as pessoas, independente de suas limitações e dificuldades, possam se desenvolver e encontrar seu espaço, sendo valorizadas e respeitadas exatamente como são.

cadeiranteEm relação aos aspectos políticos, existe a possibilidade da constituição dos Conselhos Municipais da Pessoa com Deficiência (exemplo aqui), espaços próprios de participação, proposições, sensibilização e deliberação de questões pertinentes a essa temática, com representantes da sociedade civil e do governo. Esses espaços podem ser determinantes para que os direitos das pessoas com deficiência sejam eficazmente garantidos e suas necessidades ouvidas e respondidas.  Faz parte de uma atitude de comprometimento verdadeiro com a população a consolidação de espaços como este, para que as ações, muitas vezes emergenciais e que somente acalmam os ânimos dos que estão levantando a voz, transformem-se em políticas de fato, com planejamento a curto, médio e longo prazo.

Enquanto esses espaços oficialmente não existem, momentos de embates e discussões, embora com razões e causas legítimas, não encontram ressonância e efeito concreto. Nesta perspectiva, muitos foram os avanços, mas os desafios ainda são inúmeros, existe um longo caminho a ser percorrido.

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Para ler outros textos sobre o tema clique aqui.

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Karina Gonçalves da Silva Sobral – Formada em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) em 2007, motivada por questões existenciais e busca de respostas em como lidar com o sofrimento do outro, dos tantos outros que já tinha encontrado nas recentes mas, intensas, práticas como terapeuta ocupacional, concluiu em 2011 a “laurea magistrale” em ciências políticas no Instituto Universitário Sophia, na Itália.  Possui experiências, principalmente, no Serviço Público, na área de saúde mental,  e, atualmente, é terapeuta ocupacional com atuação na educação especial.

Tufão nas Filipinas: ou mudamos ou somos cúmplices desta tragédia | Valter Hugo Muniz

Tufão nas Filipinas

“Hoje foi um dia inesquecível. Depois de acordar e tomar café da manhã fomos ver como tinha ficado, seis meses depois do Tsunami, a cidade de Banda Aceh, capital da região e lugar mais próximo das ondas gigantes que engoliram o sudoeste asiático. Percorrendo as ruas de Aceh, toda a beleza que pude vislumbrar em outras cidades, visitadas nos dias precedentes, tinha desaparecido. Ver, com os próprios olhos, aquilo que o Tsunami havia feito, ouvir cada história triste, me transformou profundamente.” (29 dias no país do Tsunami)

Esses são trechos do primeiro impacto que tive ao me encontrar com a destruição ocasionada pelo Tsunami, na cidade de Aceh (norte da ilha de Sumatra), em dezembro de 2004.

philippines_typhoon_haiyan_yolanda_9.Se você que lê tem a pretensão de imaginar o que aquele povo vivenciou, esqueça! Pois você não tem a mínima ideia. Não tente também entender o que o povo filipino agora, quase dez anos depois da tragédia na Indonésia, está vivendo. Se você nunca vivenciou, na pele, o impacto social de  uma catástrofe natural, não poderá jamais partilhar profundamente esta dor. Mas isso não é um problema.

O que mais me dói, tendo vivenciado esse tipo de experiência, mais enche meus olhos de lágrimas de indignação é ver tantas historias, tantas vidas, transformadas – pela imprensa e organizações internacionais – em números… “mais de dez mil”. Isso, mesmo com as melhores das intenções, não humaniza o acontecimento. E as fotos então? Sensacionalistas, acabam causando espanto, terror, mas será que nos movem? Transformam nossas vidas? Bem pouco, eu direi.

A dor do povo indonésio e do povo filipino não pode ser medida, isso é fato. Mas acabamos ridicularizando-a se nos contentamos em ler reportagens e artigos, partilhá-los nas redes sociais, como expressão de pena por aqueles que perderam tudo.

Esses tristes acontecimentos precisam nos transformar decisivamente. Não digo que todos deveriam fazer as malas e viajar para o outro lado do mundo, para ajudar concretamente o povo filipino. Nem acho isso muito produtivo. O que não podemos esquecer é que, não importa o que fizermos, precisamos mudar as nossas vidas:

Tufão Filipinas222 -  AARON FAVILA-ASSOCIATED PRESSNo pequeno? Talvez…

  • Observando hábitos de consumo, pensando o quanto se estamos acumulado coisas materiais, comprado desenfreadamente,
  • Pensando no modo como cada um se preocupa com a natureza, separando lixo, não desperdiçando papel e outras coisas, especialmente comida.
  • Optando em deixar o carro na garagem para usar o transporte público, ao menos uma ou duas vezes por semana.
  • Enfim, pensando no coletivo, no bem comum da comunidade internacional, e não somente no próprio conforto.

Isso tudo é pouco? Sim, mas já ajuda a amenizar as consequências dos hábitos predatórios à natureza que incorporamos no nosso dia-a-dia, sem refletir sobre eles. Acredito que essas pequenas mudanças de atitude são “ajudas concretas” possíveis à todos aqueles que estão distantes de uma catástrofe. Não me parecem necessárias mais provas de que o aumento da frequência e da intensidade dos fenômenos naturais extremos tem relação direta com o modo de vida que adotamos, individualmente e como sociedade.

filipfim_0_0_38_3500_2291Agora, se quiser fazer algo Grande… mobilize as pessoas em seu trabalho, universidade, igreja, comunidade, para arrecadar fundos ou coisas que possam ser enviadas para os filipinos. Não esqueça de buscar sempre Organizações Internacionais sérias, como a Cruz Vermelha, os Médicos Sem Fronteiras, como mediadores para que a ajuda realmente chegue a quem precisa. Depois, se sentir que isso ainda não basta, procure uma instituição que está trabalhando lá, arrume as malas, e vá trabalhar como voluntario, na assistência de pessoas e, eu garanto, sua vida nunca mais será a mesma.

Podemos fazer pouco, ou muito, não importa. O que NÃO PODEMOS é não fazer algo por aqueles que precisam, ao menos por consideração e respeito às vidas perdidas. Neste caso, como foi na Indonésia, em 2004, ou no Haiti em 2010, as vítimas estão distantes, mas poderiam (ou poderão um dia) estar mais próximas do que podemos imaginar.

Para oferecer algum tipo de ajuda humanitária, entre em contato com o Médico Sem Fronteiras

Também o Movimento dos Focolares e a Missão do PIME nas Filipinas estão se mobilizando para ajudar as vítimas do tufão. Caso você deseje contribuir economicamente, as contas bancárias são as seguintes:


Movimento dos Focolares:

FOCOLARE MOVEMENT IN CEBU
Payable to : Emergency Typhoon Haiyan Philippines
METROPOLITAN BANK & TRUST COMPANY
Cebu – Guadalupe Branch
6000 Cebu City – Cebu, Philippines
Tel: 0063-32-2533728

Bank Account name: WORK OF MARY/FOCOLARE MOVEMENT FOR WOMEN
Euro Bank Account no.: 398-2-39860031-7
SWIFT Code: MBTCPHMM

Payable to: “Help Philippines– Typhoon Haiyan“
Email: focolaremovementcebf@gmail.com
Tel. 0063 (032) 345 1563 – 2537883 – 2536407

Association for a United World (Associazione Azione per un Mondo Unito – Onlus)
BANK: Banca Popolare Etica, Rome branch
IBAN: IT16G0501803200000000120434
SWIFT/BIC CCRTIT2184D
Payable to: “Emergenza tifone Haiyan Filippine”

New Families Movement (AZIONE per FAMIGLIE NUOVE Onlus)
c/c bancario n° 1000/1060
BANCA PROSSIMA
IBAN: IT 55 K 03359 01600 100000001060
Swift: BCITITMX

Pime
Doações online aqui

As horas: reflexões sobre a relevância do tempo no cotidiano das nossas vidas | Ana Elisa Bersani

As horas

No último domingo, os relógios norte-americanos perderam uma hora, ou melhor, os moradores desse país (minha mais nova morada, os Estados-Unidos) ganharam uma hora com o fim do horário de verão. Eu demorei alguns dias para acertar os meus ponteiros e, quando o fiz, me dei conta de que desde que cheguei por aqui, há um mês, tive de ajustar as horas pela terceira vez por razões diferentes. Primeiro, a mudança de fuso horário, depois, o início do verão brasileiro (o que também me fez acertar as horas para poder continuar conectada aos amigos e a família que ficaram) e, agora, quando o outono vai aos poucos perdendo as suas cores, o regresso ao horário-sem-verão.

Essa multiplicidade de horas e ajustes me fez pensar sobre o tempo: aquela invenção humana, categoria mutável, transitória e, portanto, inexoravelmente variável. O tempo nos envolve e também é um espaço que habitamos. Mas são tão diversas as formas de concebê-lo e de se apropriar dele, tão diferentes as maneiras de encarar e de lidar com os seus determinantes.

Vez ou outra me vem á memória um excerto de um clássico da antropologia, escrito por Evans-Pritchard, em que, ao descrever os modos de vida de um povo do deserto sudanês, fala sobre a ideia de tempo entre eles, invejando-a:

Embora eu tenha falado em tempo e unidades de tempo, os Nuer não possuem uma expressão equivalente ao “tempo” de nossa língua e, portanto, não podem, como nós podemos, falar do tempo como se fosse algo de concreto, que passa, pode ser perdido, pode ser economizado, e assim por diante. Não creio que eles jamais tenham a mesma sensação de lutar contra o tempo ou de terem de coordenar as atividades com uma passagem abstrata do tempo, porque seus pontos de referência são principalmente as próprias atividades, que, em geral, têm o mesmo caráter de lazer. Os acontecimentos seguem uma ordem lógica, mas não controlados por um sistema abstrato, não havendo pontos de referência autônomos aos quais as atividades devem se conformar com precisão. Os Nuer têm sorte. (Evans-Pritchard, E. Os Nuer. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 116)

Eu e o tempo

Eu sou um ser vagaroso, do reino dos lentos, e com problemas sérios de “timing”. Ando sempre atrasada e levo uma vida bastante distante da ideia de tempo linear, programático, esquadrinhado e eficiente. Toda essa coisa de hora pra acordar, hora pra comer, pra chegar e sair, tudo isso me cansa um bocado. No Brasil ou nos Estados Unidos, sempre foi assim. Mas, digamos que aqui os atrasos parecem menos tolerados e os esquemas menos flexíveis. Talvez por isso os meus desconfortos diante do passar das horas estejam ainda mais evidentes e incômodos.

Corro uma maratona todas as manhãs desesperada para chegar a tempo de pegar o ônibus que deveria passar às 9:20, mas, esporadicamente, passa mais cedo que o horário combinado, pois não tem a mínima intenção de contemplar os que chegam no ponto no último segundo. Já me cansei de recolher roupas encolhidas na máquina de secar, por não ter calculado bem o tempo de secagem. Estou quase me acostumando ao frio glacial do meu quarto quando chego de volta a casa no fim do dia e descubro ter me esquecido de programar o aquecedor para algumas horas antes da minha chegada. Também já virou rotina escutar aquele cordial “Next, please!” quanto me demoro apenas alguns segundos a mais na fila da cafeteria da universidade procurando os trocados na carteira.

A obsessão esquemática me levou à triste dependência de calendários, agendas, listas de atividades a serem cumpridas e lembretes por toda parte. Cada uma das mais simples ações do meu dia deve ser planejada e executada precisamente em sincronia com os outros programas, as tabelas dos ônibus, os horários do banco, o fechamento das lojas, bibliotecas e assim por diante. Quase sempre, ao fazermos isso, criamos expectativas irrealizáveis que vão inevitavelmente gerar frustrações ao fim do dia. Somos todos impelidos a nos ajustar a um esquema temporal fixo e ‘supra-subjetivo’ que transforma toda e qualquer espera ou viagem perdida num desperdício de tempo insuportável.

Não ter medo de perder tempo

present-moment-road-signVivemos com medo de perder tempo ou de ser julgados pelos nossos atrasos, mas o tempo é uma categoria arbitrária. Esse nosso jeito de encará-lo tem se alimentado da objetividade dos espíritos modernos no lidar com os homens e as coisas através de uma dureza implacável. Os segundos, minutos, horas e, depois, dias, meses e anos correm sem pausa, indiferentes à vida e à morte, às alegrias ou tristezas. Não há espaço pros impulsos irracionais, pras surpresas ou tropeços. As horas parecem querer determinar o ritmo da vida, mas sabemos que são insuficientes para abarcar a experiência.

Esse texto não quer ser justificativa para minha tendência à indisciplina. Para além da minha falta de habilidade para a pontualidade, calculabilidade e exatidão, o problema colocado me parece de ordem maior. Se ao olharmos para o relógio a única coisa que ele nos disser for o quanto devemos correr para não nos atrasar para o próximo compromisso, a nossa relação com o tempo estará inevitavelmente tomada pelo sentimento de culpa diante daquilo que não fizemos ou, ainda, submetida à angústia associada ao que devemos realizar no futuro.

Parece-me que se pudéssemos resistir a essa lógica e ver além das horas que oprimem, elas nos falariam mais da brevidade e raridade dos encontros, da beleza do instante presente que não se repete, das possibilidades abertas pelas fissuras do imprevisível ou, ainda, da potência revolucionária contida na ideia de recomeço. Estaríamos, assim, mais comprometidos com o presente. E o nosso tempo se tornaria um espaço mais habitável.

ana elisaAna Elisa Bersani – Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), em 2010, é mestranda em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Com especial interesse nas áreas de Antropologia do Desenvolvimento e da Ajuda Humanitária, desenvolve pesquisa com ênfase em contextos de crise e pós-desastre. Tendo realizado pesquisa de campo no Haiti, integra, atualmente, o conjunto de Visiting Students do MIT Anthropology (Massachusetts Institute of Technology) em Boston, Estados Unidos.

Para construir relacionamentos, não bastam só dez segundos | Mariana Assis

Para construir relacionamentos

Imagine fazer parte de uma rede social na qual você compartilha fotos e vídeos para construir relacionamentos com seus amigos? Nada de novo, diria um usuário da internet. Mas e se os conteúdos compartilhados ficassem disponíveis por 10 segundos, no máximo, desaparecendo logo em seguida, sem poderem ser acessados novamente? No inicio, pode até não fazer muito sentido, mas é justamente a “quebra de paradigmas” que os criadores do aplicativo Snapchat propõem aos seus usuários.

Não à perfeição, sim à espontaneidade

Snapchat-flashy-featuresUm dos objetivos do Snapchat, de acordo com o blog do aplicativo, é disponibilizar um espaço onde o usuário pode ser honesto e espontâneo. Assim, ele se liberta do mundo perfeito criado nas redes sociais tradicionais. Os usuários têm dito que, no Snapchat, você não precisa se preocupar em tirar a foto perfeita para mandar aos amigos, pois ela não ficará por muito tempo disponível.

Pode-se talvez considerar o aplicativo/rede social uma espécie de “antídoto” para o mundo em que vivemos hoje, no qual há uma enorme ânsia de capturar e compartilhar quase todos os sentimentos, momentos e celebrações, que depois serão comentados, armazenados e ficarão disponíveis não se sabe até quando. Os perfis nas redes sociais, como o facebook, são praticamente museus de nós mesmos. Ali estão nossos interesses, o arquivo de amigos, os momentos mais especiais, as conquistas.
Contudo, olhando por outra perspectiva, a liquidez das informações promovida pelo Snapchat, não pode ser mais uma forma de nos distanciarmos do mundo real, aumentando a nossa dependência em ter de constantemente acessar o aplicativo em busca das atualizações?

A amizade deveria ser sempre espontânea

Quando nos relacionamos com amigos, a honestidade e a espontaneidade deveriam ser a base dessas relações. O que significa, então, ter mais de mil amigos nas redes sociais, sem poder ser honesto e espontâneo por lá?

Parece que, desta forma, construímos um mundo ilusório, feito de sonhos, onde, principalmente, alimentamos a ideia de estarmos rodeados por uma multidão de pessoas. Mas, como todo sonho, quando acordamos e voltamos ao mundo real, longe da perfeição daquela ilusão criada em nossa mente, nos damos conta de que, na maioria das vezes, estamos sós, não temos amigos verdadeiros.

Para Bauman, famoso filósofo contemporâneo, enquanto a vida “off-line” é movida pelos laços humanos, as redes sociais se baseiam em duas atividades: o conectar e o desconectar. É muito fácil se desfazer de um amigo que não lhe é agradável; controlar com quem, o quê e quando você vai falar. Fora das redes sociais os relacionamentos são muito mais complexos, prazerosos, satisfatórios e, ao mesmo tempo, restritivos. A partir do momento que se assume um compromisso com alguém, você, automaticamente, abre mão da liberdade individual. Ganha-se muito, mas também é necessário abdicar de algumas coisas.

Equilíbrio

As relações construídas em redes sociais podem ser vistas tanto como uma benção como maldição. Por um lado, elas nos permitem nos sentirmos mais próximos de pessoas que amamos, quando não podemos estar fisicamente juntos. Por outro, se não forem utilizadas na medida certa, nos tornam solitários, distantes da realidade.

Enfim, como em todas as dimensões da nossa vida, o desafio maior é encontrar um equilíbrio. Estarmos conectados quando nos convém, mas aproveitarmos cada segundo das relações off-line; cada momento em que temos a chance e a sorte de viver ao lado das pessoas que nos ajudam a ser quem realmente somos.

Para concluir, uma interessante reflexão do filósofo polonês,  Zygmunt Bauman, sobre a condição do indivíduo e a influência das redes sociais.

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marianaMariana Redondo de Assis – Formada em Sistemas de Informação pela Universidade São Judas Tadeu em 2005, concluiu em 2010 a pós graduação em Engenheira de Software pela Universidade de São Paulo (USP). Atua no mercado de TI há 11 anos, passando pelas áreas de suporte, desenvolvimento, projetos e pré-vendas. Atualmente é consultora de sistemas de gerenciamento de conteúdo na Thomson Reuters, responsável pelas plataformas de conteúdo para toda América Latina.

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