Month: October 2013 Page 2 of 4

O Outro, tão diferente e tão igual a mim | Karina Gonçalves

O Outro 

Minha primeira visita a um Hospital Psiquiátrico foi durante meu primeiro ano da faculdade de Terapia Ocupacional. Era uma visita acadêmica, planejada dentro da disciplina de Introdução ao Curso e foi uma experiência que me marcou para sempre porque me levou a encontrar O Outro.

Um dos antigos prédios tinha sido transformado em Museu Manicomial com o objetivo de preservar a história, para que atrocidades não se repitam, e apontar novos caminhos para o futuro.  Era possível reviver, através das imagens, dos equipamentos, das celas, camisa de força e cadeira elétrica, por exemplo, o clima de repressão e tortura, coerção e violência, além dos relatos de métodos ditos terapêuticos, aos quais antigamente os internados eram submetidos.

Nesse ambiente marcado por um passado frio e cruel, uma frase de Guimarães Rosa, entre tantas outras estampadas nas paredes, destacou-se mais do que todas: “A alma do louco não é louca”. Aquelas palavras me atingiram e provocaram em mim algo extraordinário. Ecoaram interiormente, durante todo aquele dia, nos vários encontros com profissionais e pacientes daquele lugar.

Encontrei Fátima, que há muitos anos estava institucionalizada, pois quando o Hospital foi transformado e um novo modelo de atendimento instaurou-se, mesmo podendo retornar para o seio de sua família e continuar o tratamento inserida socialmente, ela não encontrou nenhum familiar, amigo ou conhecido com quem pudesse restabelecer e resgatar vínculos sociais e afetivos. Sendo assim, permaneceu , como tantos outros, nas moradias terapêuticas. Parei para olhá-la; cumprimentá-la; seus olhos tristes, perdidos fizeram com que eu repetisse, solenemente, dentro de mim ‘aí tem uma alma tão sagrada quanto a minha’. Parece uma verdade óbvia, mas enxergar aquela pessoa como a mim mesma, com vontades, sonhos, um coração que pode chorar ou rir, me pareceu revolucionário.

Meus olhos encontraram os seus. Independente do sofrimento, da fala, às vezes, desconexa, da desapropriação de sua história, do olhar perdido e opaco aquela pessoa possuía algo que fazia com que eu me aproximasse dela sem estranhamentos, ao contrário, com respeito e acolhimento, era um outro tão diferente de mim, mas tão igual a mim! A sua ‘loucura’ não diminua em nada o seu ser humano.

Uma certeza já experimentada, mas ali confirmada pela primeira vez no âmbito da minha caminhada profissional. Qual era a certeza? A certeza da existência de algo forte que liga todos os seres humanos, independentemente da situação de dor, miséria, limites e alegrias que cada um vive.

Pareceu-me tão nobre viver pelo bem daqueles outros que ali conheci, e eis aqui meu ser Terapeuta Ocupacional. Compreendi que o fato de nos colocarmos no lugar do outro e identificar o que nos une, por sermos seres constituídos igualmente, nos ajuda a colocar o homem ao centro de qualquer prática e intervenção em saúde, não sendo possível olhar o sofrimento sem olhar para a pessoa que sofre. Tal realidade é um desafio constante o qual inicio, com alegria e imenso prazer, a compartilhar com cada um de vocês, desejando trilhar, através deste espaço, um caminho de comunhão e diálogo autênticos.

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Karina Gonçalves da Silva Sobral – Formada em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) em 2007, motivada por questões existenciais e busca de respostas em como lidar com o sofrimento do outro, dos tantos outros que já tinha encontrado nas recentes mas, intensas, práticas como terapeuta ocupacional, concluiu em 2011 a “laurea magistrale” em ciências políticas no Instituto Universitário Sophia, na Itália.  Possui experiências, principalmente, no Serviço Público, na área de saúde mental,  e, atualmente, é terapeuta ocupacional com atuação na educação especial.

escrevo Logo existo – novos colaboradores e novos projetos a caminho

novos colaboradores

Desde 2006, o escrevo Logo existo tem sido um espaço de ideias, reflexões e partilha “pessoais” com os leitores. O amadurecimento do blog, acompanhou o crescimento o autor e estimulou o desejo de continuar (com perseverança) a partilhar cada experiência, reflexão, sentimento. Contudo, há alguns meses o eLe entrou em um novo processo de amadurecimento. A unicidade passou a não bastar uníssona. Cresceu a exigência de abrir o “espaço” para novos colaboradores, com outras experiências, opiniões, reflexões, que pudessem, de alguma forma, ampliar o “alcance” da CAUSA que existe por trás desse simples blog.

Assim, passarão a integrar o escrevologoexisto.com outros quatro colaboradores; todos excelentes profissionais em suas devidas profissões, pós graduados e com experiências humanas profundas que, posso dizer com toda certeza, fizeram com que cada um deles se tornasse capaz de olhar os “extremos existenciais” para repropor o “ser humano”, como principal protagonista da história, às vezes como um dom, as vezes como “praga”.

Além desse novo time de colaboradores, todo o layout e o logo do blog estão sendo revisados. O eLe está sendo “migrado” para um servidor “pago”, graças à generosidade da amiga, leitora e, agora, colaboradora, Mariana Assis.

As mudanças irão acontecer de maneira simples e gradual. Mas, não queremos esperar muito para oferecer a riqueza e beleza dos textos que já estão chegando. A partir de amanhã, começaremos a divulgá-los, mesmo que a nova “roupagem” ainda não esteja pronta!

Espero que vocês gostem dessa nova etapa e possam descobrir, como tem sido para mim, que a diversidade do “outro” é aquilo que nos faz, ao mesmo tempo e essencialmente, únicos e iguais.

Casamento: Altamente recomendável!

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Casamento! Eita coisa boa que inventaram! É verdade. Posso garantir. Mas talvez porque, com a minha esposa, investimos nas condições necessárias para isso.

Olhando para a nossa história e a de muitos outros casais que, como nós, acreditam que a união estável entre duas pessoas é a base para a edificação de uma família, posso afirmar que sem a capacidade de renúncia e a profundidade nas escolhas e caminhos pessoais, não estaríamos festejando nossos 10 meses de casados hoje.

Bom, a renúncia é talvez a dimensão mais paradoxal “desta” vida. Pobres dos que não entendem que, sem ela, não se cresce, ninguém se relaciona! Renunciar é abrir-se, verdadeiramente, ao outro, sem, contudo, renegar a si mesmo. É perceber que a vida é feita da contínua e aventurosa “negociação de alteridades”.

Renunciar, muitas vezes, é também abrir mão do outro, para estar com ele no momento certo. Foi assim que eu e a Flavia fizemos.  Tivemos que ter a coragem (e a Fé) para superar a imaturidade do que sentíamos – e a pouca idade – para, cinco anos depois, reencontrarmo-nos e, enfim, começarmos a nossa vida juntos.

O caminho de aprofundamento das nossas escolhas e caminhos pessoais foi o outro aspecto que nos ajudou (e tem nos ajudado) na edificação da nossa família. Como tudo na vida, nos descobrimos aos poucos. Contudo, existe uma “força interior” misteriosa que – conscientes ou não – nos leva – se a seguimos – para a realização daquilo que nos faz Felizes.

Eu realmente acredito que as verdades se manifestam, principalmente, nas nossas vontades interiores. Não de maneira superficial, claro. Mas a Felicidade se revela no profundo de cada um e, procurando ser fiel a ela, percorrermos os caminhos necessários para encontrá-la.

Bom, hoje, festejando 10 meses de casamento, parece óbvio falar disso tudo. Mas não foi sempre assim. Parar chegar neste “momento” da minha/nossa história foi necessário percorrer um caminho doloroso, cheio de fracassos e, tanto a renúncia, como o exercício de ser/sermos eu/nós mesmo(s), profundamente, foram determinantes para chegar(mos) aqui, mais feliz(es) que ontem e menos que amanhã.

O individualismo dos protestantes

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O título desse comentário não quer, de forma alguma, relacionar os seguidores das religiões consideradas Protestantes, com a temática que será abordada. A escolha é, na verdade, uma crítica à onda de protestos que se instalou no Brasil e que, de uma expressão legitima de atenção pública aos direitos de determinados grupos, têm se tornado banais, beirando a ridicularizarão.

Pois bem. Como o professor Sakamoto escreveu em seu blog, eu também sou contra os maus tratos com qualquer tipo de animal, principalmente filhotes. Sobre os testes de medicamentos em animais, acredito que chegaremos a um ponto em que a tecnologia conseguirá simulações eficazes, mas, também creio que o uso de cobaias AINDA seja necessário (mas um especialista poderia certamente calibrar os “chutes” da opinião pública).

Contudo, a verdadeira reflexão proposta por Sakamoto, a respeito do descaso com o ser humano, precisa MESMO ser levada a sério. Aqui, não quero dissertar a respeito dos inúmeros casos de escravidão que ainda existem no Brasil e no Mundo, porque esse grave problema, mesmo constantemente silenciado, conta com um movimento de pessoas que já trabalham em prol da sua extinção.

Na verdade,  quando penso nos adeptos da “causa animal”, o que me causa mais revolta, é a capacidade de eles igualarem os direitos dos animais com ao dos seres humanos, ao ponto de humanizá-los, sem se dar conta de que a tal igualdade se limita à dignidade comum partilhada como “filhos da natureza”. Não nego a importância de salvaguardar a vida dos animais. Nesse mundo doente, talvez seja realmente necessário institucionalizar essa proteção. Mas, como também acenou Sakamoto, é necessário, antes de tudo, comover-nos com a exclusão dos direitos dos seres humanos. Sem que uma coisa, anule à outra.

Basta caminhar pelas ruas do centro de uma metrópole como São Paulo, para ver crianças (indefesas como os filhotes de Beagles) fumando pedra, limpando vidro de carro, jogadas pela calçada como lixos humanos e lembradas só quando cometem crimes. Diante da miséria dessas pessoas (parece que) pouca gente se move, se escandaliza, vai para rua protestar. Em vez disso, os “protestantes” gritam exigindo direitos individuais, para si mesmo, com pautas desarticuladas.

Continuemos a nos escandalizarmos com todas as injustiças existentes? Claro. Mas que ela suscite uma indignação que não se limite aos bichinhos de quatro patas, pois, enquanto isso, muitos de nossos irmãos “homo sapiens” continuarão marginalizados pelas ruas do país.

Continuamos inseguros

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Depois dos casos de espionagem contra políticos e empresas brasileiras, tenho lido bastante sobre o assunto e refletido muito sobre a segurança (ou a ausência dela) dentro do espaço público virtual.

As verdades aprendidas na escola que acenavam aos benefícios da, ainda recente, globalização, na medida em que o tempo passa, se transformam em receios, geram desconfiança. Mas será que é possível dar um passo para trás em relação a ela? Acredito que não.

O fato é que a nossa atuação no universo “ONLINE” está cada vez mais sujeita à observação. Aquilo que compramos, baixamos, visitamos e  escrevemos; tudo pode ser controlado, espionado.

Os motivos são, majoritariamente, econômicos e políticos. A internet tornou-se, não só, um espaço de troca, que redimensiona os limites geográficos, mas ela é também um “ambiente” passível de manipulação de informações que, talvez, pareciam sigilosas. Tudo é controlado também em prol da “personalização” das ofertas de consumo.

Até aí, nada de novo. Mas e eu? Eu sempre me pergunto se existe realmente um interesse “especial” em saber aquilo que faço (ou deixo de fazer) na internet.

Acredito que, enquanto eu for alguém politica e economicamente “insignificante”, pouca coisa me espera. Claro que os e-mails ou “posts” nas redes sociais podem ser interceptados e manipulados por hackers. Também meu cartão pode ser clonado e as transações bancárias interceptadas. Mas isso é, fundamentalmente, sinal de segurança diminuída? Sim, mas sem exageros.

Todo cuidado é pouco para aquilo que se faz na internet, mas é o mesmo cuidado que temos que ter circulando pelas ruas de uma grande metrópole, onde o risco de perder a vida é mais literal.

No final, continuamos inseguros.

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