Minha primeira visita a um Hospital Psiquiátrico foi durante meu primeiro ano da faculdade de Terapia Ocupacional. Era uma visita acadêmica, planejada dentro da disciplina de Introdução ao Curso e foi uma experiência que me marcou para sempre porque me levou a encontrar O Outro.
Um dos antigos prédios tinha sido transformado em Museu Manicomial com o objetivo de preservar a história, para que atrocidades não se repitam, e apontar novos caminhos para o futuro. Era possível reviver, através das imagens, dos equipamentos, das celas, camisa de força e cadeira elétrica, por exemplo, o clima de repressão e tortura, coerção e violência, além dos relatos de métodos ditos terapêuticos, aos quais antigamente os internados eram submetidos.
Nesse ambiente marcado por um passado frio e cruel, uma frase de Guimarães Rosa, entre tantas outras estampadas nas paredes, destacou-se mais do que todas: “A alma do louco não é louca”. Aquelas palavras me atingiram e provocaram em mim algo extraordinário. Ecoaram interiormente, durante todo aquele dia, nos vários encontros com profissionais e pacientes daquele lugar.
Encontrei Fátima, que há muitos anos estava institucionalizada, pois quando o Hospital foi transformado e um novo modelo de atendimento instaurou-se, mesmo podendo retornar para o seio de sua família e continuar o tratamento inserida socialmente, ela não encontrou nenhum familiar, amigo ou conhecido com quem pudesse restabelecer e resgatar vínculos sociais e afetivos. Sendo assim, permaneceu , como tantos outros, nas moradias terapêuticas. Parei para olhá-la; cumprimentá-la; seus olhos tristes, perdidos fizeram com que eu repetisse, solenemente, dentro de mim ‘aí tem uma alma tão sagrada quanto a minha’. Parece uma verdade óbvia, mas enxergar aquela pessoa como a mim mesma, com vontades, sonhos, um coração que pode chorar ou rir, me pareceu revolucionário.
Meus olhos encontraram os seus. Independente do sofrimento, da fala, às vezes, desconexa, da desapropriação de sua história, do olhar perdido e opaco aquela pessoa possuía algo que fazia com que eu me aproximasse dela sem estranhamentos, ao contrário, com respeito e acolhimento, era um outro tão diferente de mim, mas tão igual a mim! A sua ‘loucura’ não diminua em nada o seu ser humano.
Uma certeza já experimentada, mas ali confirmada pela primeira vez no âmbito da minha caminhada profissional. Qual era a certeza? A certeza da existência de algo forte que liga todos os seres humanos, independentemente da situação de dor, miséria, limites e alegrias que cada um vive.
Pareceu-me tão nobre viver pelo bem daqueles outros que ali conheci, e eis aqui meu ser Terapeuta Ocupacional. Compreendi que o fato de nos colocarmos no lugar do outro e identificar o que nos une, por sermos seres constituídos igualmente, nos ajuda a colocar o homem ao centro de qualquer prática e intervenção em saúde, não sendo possível olhar o sofrimento sem olhar para a pessoa que sofre. Tal realidade é um desafio constante o qual inicio, com alegria e imenso prazer, a compartilhar com cada um de vocês, desejando trilhar, através deste espaço, um caminho de comunhão e diálogo autênticos.
Marilia Mantoan
Ka, faz muito tempo que não te vejo mas seu texto me tocou bastante.
Essa visita foi tão marcante, e sob vários aspectos intrigante, que acabei por fazer meu estágio obrigatório em saúde mental lá em Santa Rita. Acredito, passados alguns poucos anos, que a experiencia me fez querer fazer parte de algo mais humano e digno do que era feito na época. E é com bastante alegria que vejo que não foi apenas comigo! Um abraço apertado, saudoso e em paz! Beijo Mah
Umaia El Khatib
…e a luz se fez.. e quem podia ver, viu… e a transcendência que nos constitui.. que nos envolve.. que nos guia… segue silenciosa, sutil, serena… mantendo-nos eterna, profunda e infinitamente imantados uns aos outros… para além do tempo e do espaço físico…
Gratidão Karina (com K!)
beijo no coração
Umaia
Silvana Freitas
Os antigos hospitais psiquiátrico … eram verdadeiros holocaustos, genocídio em massa com: crianças abandonadas, jovens grávidas, pessoas com deficiência, prostitutas, mulheres trocadas por seus maridos, que optavam pelas amantes… enfim…se não tinham problemas psiquiátricos com certeza adquiririam viviam a margem da dignidade humana, eram torturados, humilhados, passavam fome, viviam nus e comiam fezes…e o pior mantidos pelos Estado. Silvana Freitas