Month: August 2013 Page 1 of 3

Ainda 200 milhões de indivíduos

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Sempre questionei a afirmação de uma “forma” preestabelecida dos relacionamentos e intuições. Não é porque são pai e mãe de sangue, que o filho, automaticamente, vai amar; não é porque é religioso, que um fiel é, positivamente, santo ou, negativamente, alienado. Nem mesmo o fato de duas pessoas se casarem a transformam, de imediato, em família.

Não! Tudo é um processo, uma conquista cotidiana, “homeopática”, pois feita de pequenos passos em direção uns aos outros, para que se possa criar uma “estrutura” que nos dá uma identidade, não só individual, mas também coletiva.

É essa leitura que faço do Brasil. Ontem, os meios de comunicação anunciaram que superamos os 200 milhões de habitantes. Somos talvez o segundo maior conglomerado de diferenças étnicas e culturais do mundo, depois dos Estados Unidos. Índios nativos, afrodescendentes, imigrantes da Europa, Ásia, Oceania e dos países vizinhos da América. Mas isso basta para sermos, realmente, um povo?

Bem, a nossa história e as distâncias geográficas parecem ter promovido uma forte divisão entre os diferentes “povos” que habitam no Brasil. Mesmo estando no mesmo “grande pedaço de terra” nós não nos conhecemos. Basta conhecer um gaúcho para perceber que a sua identidade repousa no particular e não se integra com o resto do país; ou encontrar um pernambucano “da gema” para sentir o “bairrismo” que incide até nos habitantes de estados vizinhos.

Somos muitos, mas ainda estamos divididos. O que acontece no norte não interessa ao Sul. Aquilo que se vive no nordeste tem pouco valor para o centro-oeste.

Culturalmente, as diferenças dividem ainda mais. Danças, sotaques, comida, trabalho. Tudo nos divide e o que nos une, além do idioma comum, parece ser só o futebol.

Nesse processo para que sejamos um povo, emerge fundamental a tomada de consciência da nossa história, o interesse e o respeito progressivo das diferenças regionais, culturais; o mesmo caminhar em direção uns dos outros, que permite que um casal se transforme em família, um grupo de jogadores se torne um time.

“Eu tenho um sonho”: Que tenhamos o mesmo interesse e admiração pelos brasileiros de outras regiões, que manifestamos pelos estrangeiros do Norte, americanos e europeus. Assim, quem sabe, em médio prazo, sejamos não só 200 milhões de indivíduos, mas um único povo.

Médicos (do Brasil ou de Cuba) não são super-heróis

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Antes de escrever esse post, passei alguns dias refletindo, tentando entender o debate em relação à necessidade de mais médicos, que culminou com a vinda de profissionais cubanos para trabalhar nas “periferias” do Brasil.

Primeiramente, critico todos os jornalistas, médicos, políticos, o Dimenstein, e tantos outros que estão levando o debate para os extremos. A verdade é uma soma de fragmentos e qualquer escolha adotada, por melhor que seja, não conseguirá jamais englobar todos os aspectos que envolvem a discussão. Não adianta banalizar ou polemizar. Aqueles que se fazem “defensores dos pobres” ou “corporativistas” precisam entender que o “melhor caminho” está no diálogo construtivo, colaborativo. Não se melhora a vida de ninguém com ataques (racistas) aos estrangeiros que veem ao país para trabalhar para quem precisa e, muito menos, com o descaso perante a classe médica..

Pois bem. Ontem, acredito, a situação chegou ao limite. Pior, as hostilidades direcionadas aos médicos cubanos que chegaram para trabalhar no Brasil tiraram o brio, visível nas manifestações de julho, de um povo unido, gigante, que luta pacificamente pelos seus direitos.

Não. Ontem, infelizmente, vimos uma triste faceta do brasileiro. Racista e maquiavélica. De racismo, nem vou me estender muito. Fui vítima, na Itália, e posso dizer que esse é um mal que não se cura com simples desculpas. Os seres humanos que vieram de Cuba (e poderiam ter vindo de qualquer outro lugar do mundo) devem ser respeitados. Atacá-los, para assim atacar o governo, é fazer uso de um maquiavelismo que divide e causa sequelas em outro povo que, no futuro, será causa de arrependimento. Cuidado.

Mas, o que me causou, desde o início, certa impressão, é o fato de a classe médica estar tão uníssona na revolta contra as medidas adotadas pelo governo em relação à saúde. Entendi que é só se sentar ao lado de um médico ou ler alguns relatos nas redes sociais, para entender que o problema “é muito mais embaixo”. A formação dos médicos e as condições de trabalhos são a ponta do iceberg de um problema estrutural que se estende há muitos anos.

Posso dizer, com (certa) sanidade mental, que os médicos – na teoria – são SERES HUMANOS, dotados de uma vocação e formação especial para lidar com VIDAS. Mesmo que alguns ainda acreditem o contrário: eles não são super-heróis. Para trabalhar, os médicos precisam de hospitais, laboratórios, equipamentos, pessoal capacitado, isto é, um contexto adequado. Sem isso, mesmo que ele seja branco, preto, brasileiro, estrangeiro, bem formado ou mal formado, nada vai adiantar. Repito, eles não são super-heróis.

Digo isso, porque acho um absurdo algumas pessoas chamarem de corporativista a luta dos médicos por medidas complexas, mudanças efetivas, um projeto À LONGO PRAZO para o sistema de saúde no Brasil, que dessa forma, beneficiaria realmente todos. Isso deveria acontecer em todas as esferas da sociedade, mas talvez só na próxima onda de manifestações.

Porém, como tudo na vida, essa situação também tem “outro lado”, o do doente, que precisa do médico. E diante deles, o que fazer? Bom. Se alguém tiver uma solução simples para um problema tão complexo, por favor, se manifeste. Pois, as ineficiências englobam, desde a formação técnica (e humana) dos médicos, até o descaso de um projeto político que há décadas não se importa com Norte e Nordeste do país.

O descaso do governo, olhando da perspectiva do doente, tem nome, família, história. Não dá para fechar os olhos para quem precisa. É fundamental procurar alternativas, um esforço conjunto que procure dar assistência para os mais necessitados.

Não dá para ignorar que existe, sim, uma dose de heroísmo, de solidariedade, que é capaz de superar as dificuldades materiais. “Largar mão” e esperar um contexto perfeito promovido pelo Estado é uma omissão que irá sacramentar ainda mais vidas. E se, mesmo assim, um médico não se achar pronto para enfrentar tamanhas dificuldades, que ao menos respeitem e aceitem que, de fora, outros médicos façam algo para quem precisa.

Acredito que, no final, é sempre uma escolha. Quem aceita enfrentar as dificuldades sempre dá um passo decisivo em relação ao outro, ás vezes com requintes de martírio. Mas, nesse país, tão carente de tudo, devo dizer que este não é um privilégio da classe médica.

O estatuto do receptor

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As reflexões a respeito da obra “É preciso salvar a comunicação” de Dominique Wolton, comunicólogo francês que faz uma leitura brilhante da comunicação, continuam, mesmo depois de uma longa pausa. Enquanto partilho questionamentos em torno deste livro que concluí, continuo me deliciando com outra obra “Informar não é comunicar”, que, de certa forma, é um complemento sintético do pensamento do autor.

Um dos aspectos mais importantes levantados por Wolton, na minha singela opinião, trata do estatuto do receptor. Nele, o autor discute o significado da alteridade, da aceitação do outro, essencialmente diferente.

Existe uma corrente de “comunicólogos”, principalmente de leitura marxista, que vê o receptor de uma mensagem (informação) como um indivíduo profundamente manipulado pela mídia, que produz as informações de acordo com seus próprios interesses.

Mesmo sendo uma questão complexa, eu me coloco “ao lado” de Wolton, acreditando na inteligência e autenticidade do receptor da mensagem-informação. Os indivíduos aprendem a resistir e até podem ser dominados pela comunicação e pelas mensagens, mas não são alienados. O receptor, afirma Wolton, “conserva a sua capacidade de dizer não, ainda que de maneira silenciosa”.

Essa questão, de certo modo polêmica, esbarra justamente no modo como o indivíduo é visto, dependendo dos interesses de quem promove uma determinada ideologia. Quando simples receptor de uma mensagem, ele é visto como passivo e manipulado, mas se é consumidor de um produto ou serviço, ou se a sua opinião conta em uma pesquisa IBOPE, o indivíduo é inteligente e ativo.

Dessa forma, seguindo as “trilhas” de Wolton, é fundamental redescobrir o importante papel do receptor dentro dos processos comunicativos (que não são exclusivamente relacionados à recepção da informação, mas também englobam as diferentes formas de participação política).

Nossas sociedades redescobrem a identidade de maneira relacional, isto é, no olhar para si mesmo e na abertura (e no respeito) para o outro e para o mundo. Assim, repensar o papel do receptor das informações, das imagens, dos dados, das mensagens é discutir por quem, para quem e com qual respeito à alteridade cultural eles são feitos. É repensar a democracia. Segundo Wolton, “o receptor dos países menos avançados é o contestador de amanhã. Hoje ele quer menos desigualdade; amanhã, desejará, com razão, mais respeito à diversidade”, tanto no aspecto sócio-político, quanto no aspecto cultural.

Mudando os paradigmas da guerra

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Enquanto as atenções da comunidade internacional estavam no Egito, diante do conflito entre aqueles que são pró e os contra o presidente deposto, Mohamed Morsi, um acontecimento escandaloso e sem precedentes atingiu o subúrbio de Damasco, na Síria. Ainda sem saber o autor e, muito menos, o motivo, os sírios estão chorando pelos milhares de mortos vítimas de um suposto ataque com armas químicas, na periferia da capital do país.

A tragédia do dia 21 de agosto passado me recorda outro triste acontecimento, no mesmo mês de agosto, mas há 68 anos. No dia 6, após seis meses de intenso bombardeio em 67 outras cidades japonesas, a bomba atômica “Little Boy” caiu sobre Hiroshima.

As estimativas do primeiro massacre por armas de destruição maciça sobre uma população civil apontam para um número total de 140 mil mortos só em Hiroshima, porque, alguns dias depois, outra bomba foi jogada na cidade de Nagasaki. Além das muitas vidas perdidas, o que se viu, na verdade, foi uma mudança de paradigmas em relação aos conflitos mundiais. A ação do exercito dos Estados Unidos criou uma tensão e insegurança que se estendeu até os dias de hoje, principalmente se pensarmos que líderes políticos, como o jovem ditador norte coreano Kim Jong-um, poderiam possuir armas de destruição em massa.

Contudo, não foi nem Kim Jong-um, nem o polêmico governo iraniano, que chocou o mundo cometendo um grave crime contra a humanidade. O uso de armas químicas aconteceu em solo Sírio, nação que, há anos, enterra os corpos de seus cidadãos, mortos na guerra civil que assola o país e agora vive uma experiência horrenda.

As fotos dos corpos, sobretudo de crianças, são um sinal visível da gravidade do acontecimento, mesmo sem apontar as consequências trágicas que podem vir em decorrência. Os membros do Conselho de Segurança da ONU estão se movendo e uma intervenção militar parece iminente. O governo Sírio já avisou que uma intervenção externa no país poderia “criar uma bola de fogo que inflamaria o Oriente Médio”.

O meu questionamento, talvez com certa ignorância, é sobre a maneira como a Organização das Nações Unidas age em relação a um conflito. Já é sabido que o Conselho de Segurança é ineficaz e não representa a visão e os interesses comuns da Comunidade Internacional. Enquanto morrem centenas no Egito, milhares na Síria e milhões no continente africano, a ONU se perde em interesses políticos e econômicos do Norte. As vidas dos Sul parecem ter um peso menor.

Difícil imaginar um desfecho pacífico, impossível prever qual a melhor saída diante da incapacidade de um governo estabelecido dar segurança aos seus cidadãos. Do lado de cá é fácil falar. Do lado de lá parece existir uma omissão proposital “no fazer”.

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