Por Valter Hugo Muniz
AFRICA DO SUL: Uma festa popular recheada de alegria, música e dança junto a um grande espetáculo esportivo são os ingredientes que a primeira Copa do Mundo de futebol na África tem a oferecer para todo o planeta. Mas será que é só isso?
O que a África faz você lembrar? O que além de animais selvagens, savana, fome, desnutrição, milícias e pobreza?
As respostas a estas perguntas estão, muitas vezes, ligadas ao que vemos em filmes e pela TV. Contudo, mesmo diante da visão caricaturada que se construiu sobre o continente africano, teremos, durante um mês, a oportunidade de ver, como explica a jovem angolana Ivete Maria, que a “África não se resume a coisas negativas, se você se interessa em conhecer a beleza que existe no nosso continente”.
A primeira Copa do Mundo FIFA em solo africano, que acontecerá do dia 11 de junho a 11 de julho próximos, será, principalmente, um convite ao planeta para ver o continente de maneira diferente.
Do sonho à realidade
Durante mais de 80 anos, a África do Sul passou por uma terrível estratificação social. No regime conhecido como Apartheid, a minoria branca (cerca de 10% da população) submetia o restante da população a um governo de leis segregacionistas que, entre outras coisas, impedia o casamento “entre raças”, estipulava locais onde alguns grupos negros poderiam habitar, além de formalizar a discriminação racial no emprego e reduzir o nível de educação da população negra.
A Copa do Mundo de futebol existe desde 1930. Durante as 18 edições já realizadas, o continente africano nunca pôde sediar o evento. A África também jamais organizou uma edição dos Jogos Olímpicos, que acontecem há mais de cem anos.
Guardadas as devidas proporções, o anúncio de que a África do Sul seria o país-sede da Copa do Mundo de 2010, feito no dia 15 de maio de 2004, gerou a mesma explosão de alegria daquele dia 10, do mesmo mês, mas dez anos antes, quando Nelson Mandela fez o jura mento como presidente da África do Sul diante de uma eufórica multidão, decretando o fim do Apartheid. Nos dois momentos foram derrubados os “muros da segregação”.
“A Copa do Mundo é um momento único para a África do Sul, mas também para os outros países africanos. Nosso povo sempre trouxe um ‘sabor especial’ a esse evento e é a hora de também nós termos esse privilégio de sediar uma Copa. Afinal não vai ser uma ‘Copa do Mundo’ se a África estiver excluída, certo?”, comenta o técnico de informática, João Ladeira, morador de Johanesburgo, cidade mais populosa da África do Sul.
Para a alta comissária dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Navi Pillay, “o simbolismo da Copa do Mundo de 2010, que se realiza pela primeira vez em um país africano e, especialmente, em um país que foi, durante muitos anos, sinônimo de racismo institucionalizado, é importante”.
Um novo olhar
O primeiro impacto da Copa na África do Sul será na maneira como o resto do planeta olhará para o continente africano durante os jogos.
As grandes multinacionais têm usado artistas e jogadores africanos em seus comerciais televisivos, além de explorar visualmente a imensa riqueza da fauna, da flora e a alegria do povo para apresentar o continente. Também a indústria cinematográfica lançou neste ano, o filme “Invictus” (que indicamos na revista do mês de abril), história que mostra como o então presidente da África do Sul, Nelson Mandela, fez uso do rúgbi, esporte que é uma paixão nacional, para construir a unidade em um país que estava dividido há muitos anos.
Contudo, muitos cidadãos africanos estão preocupados com o fato de que, às vezes, as estratégias comerciais acabam por caricaturar ainda mais a vida no continente. Mesmo assim, o fotógrafo brasileiro Cristiano Burmester, que trabalhou por muitos anos na África, acredita que a Copa será “uma ótima oportunidade para o mundo ter um olhar diferente e menos formatado sobre o continente”.
Diversidade cultural
“Com a Copa, o mundo vai conhecer o outro lado da África que nunca quis conhecer, vai entender que a África não é um país, mas sim um continente, rico em cultura e em diversidade”. Esse comentário da angolana Ivete aponta para aspectos importantes como: a cultura, a história e a tradição africana. O povo zulu é uma expressão significativa da diversidade que constitui o continente.
Entre essas riquezas, destaca-se o papel que os jovens exercem na sociedade sul-africana e o senso de solidariedade presente no país. A juventude sempre desempenhou um papel fundamental na vida política e cultural da África do Sul. Os sul-africanos de 14 a 35 anos, das diversas etnias que compõem o país, exercem uma influência considerável na sociedade e no cotidiano da nação.
A expressão “ubuntu”, usada no país da Copa, resume a ideia de que “um ser humano se faz humano através dos outros seres humanos”. Este termo, que está intimamente relacionado à ideia de solidariedade coletiva, assumiu grande importância durante o processo de construção nacional da África do Sul.
Mas, afinal de contas, qual é a África que queremos ver? E qual é a África que os africanos querem mostrar?
“Eu não diria que essa Copa tem algo de missionário. Apenas queremos devolver algo ao continente africano por tudo o que ele já fez e ainda faz pelo futebol mundial, sobretudo o europeu”, disse o presidente da FIFA, Sepp Blatter, quando questionado sobre o evento. Mas se olharmos para trás, para a história das nações, talvez seja todo o mundo que deve devolver à África a dignidade e o respeito por tudo o que o povo africano fez e ainda faz para o restante da humanidade. E o mundo não pode perder a excelente oportunidade que a Copa oferece. •
O mascote da Copa
A escolha de um mascote oficial da Copa do Mundo é uma tradição que existe há mais de 40 anos. O escolhido para homenagear a primeira copa em solo africano é o leopardo “Zakumi”. “ZA” significa África do Sul e “kumi”, em vários idiomas africanos, quer dizer “10”, relacionado ao ano da Copa: 2010. Criado por artistas africanos, Zakumi representa o povo, a
geografia e o espírito da África do Sul. “Ele nasceu em 1994, no mesmo ano em que também nasceu a democracia do país. Ele é jovem, cheio de energia, esperto e ambicioso. Uma verdadeira inspiração para pessoas de todas as idades, não apenas no nosso país”, explicou Danny Jordaan, principal executivo do Comitê Organizador da Copa da África.