Um dos grandes avanços da legislação de um Estado é a Constituição¹. Esse conjunto de regras que, aplicadas, regem o comportamento dos cidadãos de um país tem diretrizes claras, mas, na pratica nem sempre é respeitado, o que não exclui um cidadão do seu estado primordial de membro de uma comunidade. A legislação prevê uma “retirada” desse individuo para reabilitá-lo ao convívio naquela sociedade, caso haja desrespeito as regras previstas.

Para os cristãos, o “livro de regras” que rege o próprio comportamento é chamado Evangelho. Ali estão mandamentos, relatos, parábolas, bem-aventuranças que explicitam as diretrizes para que um indivíduo seja reconhecido como “discípulo de cristo”. Contudo, diferente das leis estatais, a não “obediência” as regras do Evangelho não prevêem um afastamento comunitário. O erro cometido pode ser perdoado por meio de procedimentos específicos: arrependimento e confissão.

Na lei “do Estado” o escopo primordial é a ordem, que é submetida à obediência das leis, enquanto na lei “cristã” o objetivo é o homem e a sua felicidade, sendo consciente a sua limitação intrínseca de espelhar perfeitamente o regimento estabelecido no Evangelho. Por isso, enquanto na primeira situação o erro é suscetível ao julgamento, no segundo caso o julgamento não faz parte do seu regimento interno.

Essa premissa me faz ver claramente o que pode ser gerido pelo Estado e o que é posição religiosa, diferenças que a mídia raramente faz questão de entender e respeitar.

Venho acompanhando o caso escandaloso, vergonhoso, humilhante dos padres pedófilos, especificamente o caso de Arapiraca.

Pessoalmente me senti ferido, humilhado, por ser cristão e principalmente porque procuro viver da melhor forma possível às “regras” que essa “denominação” exige aos seus seguidores.

É estarrecedor perceber que um líder comunitário religioso se submete conscientemente a praticar não só um crime contra a sociedade, mas um desrespeito a toda a comunidade cristã que busca salvaguardar valores que a sociedade vai intensamente desprezando sem se dar conta das graves conseqüências que isso traz para a mesma. Mas, o que mais me ofendeu foi a cobertura sensacionalista e baixa feita pelo SBT no programa Conexão Repórter onde ficou clara a intenção do especial: destruir a imagem da Igreja e não simplesmente apontar e polemizar  um caso grave de crime contra a sociedade.

O aspecto moral – religioso que muitos insistem em usar como argumentação para atacar a Igreja não pode ser tratado de maneira tão superficial. Pois “crucificam”-se os culpados, mas não se reflete a causa, as motivações, o porquê.

De que adianta um órgão social, como a imprensa, que tem o dever de apresentar um “fato social” como esse grave episódio, se ele não nos impulsiona a buscar soluções e questionamentos que possam resolver ou ajudar na resolução do problema??

NADA!!! Isso é desserviço.

Crimes como pedofilia precisam ser investigados e os autores PUNIDOS! Não interessa se é padre, advogado, jornalista, professor. Essas regras estão sob tutela do Estado. Agora, usar de um fato social para levantar questionamentos que dizem respeito à Igreja, isso não é admissível. Não diz respeito a concepções e conclusões estritamente racionais.

A religiosidade não se baseia em regras como a de uma constituição. Na relação com a fé, existem palavras como misericórdia, perdão, arrependimento, que separam claramente pecador e pecado. O erro não é questionável, é um fato, mas o pecador tem sempre como ser perdoado. Afinal de contas, quem nunca errou? Quem nunca ofendeu? Quem está isento da necessidade de perdão e da misericórdia, primeiro das pessoas e, para quem acredita, de DEUS?

“Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire a pedra contra ela. (João 8:7-11). Esse desafio foi feito por Jesus no caso da mulher adúltera. Era hábito naquele tempo apedrejar a mulher que fosse pega em adultério – o que naquela época era um crime MORAL grave, e que hoje é já tratado como “algo normal”. Ele chamou a todos para uma reflexão, queria que eles refletissem antes de condenar os outros. Esse é um comportamento normal do ser humano, ver o cisco no olho dos outros – sem ver o pedaço de pau no seu olho.

Isso para separar o pecado do crime. O erro moral pode ser julgado pela lei? Quem é que julga? Melhor, quem é capacitado o suficiente para julgá-lo? Agora, crimes como homicídio e mesmo a pedofilia são problemas sociais e por isso devem ter observação e punição nessa esfera.

Mas aqui ficam alguns questionamentos:

  • Será que socialmente não estamos criando cada vez mais condições para que casos como esses se ampliem?
  • Não seria demagogia demais uma mídia que “erotiza” crianças e usa da sexualidade como principal motor de audiência, faça a defesa da busca de uma verdade brutal, de que talvez ela seja a principal causa?
  • É moralmente mais chocante se dar conta de um padre, com mais de oitenta anos, mais de cinqüenta de celibato, estar envolvido em um escândalo como esse. Mas será que as pessoas se dão conta de que a grande maioria dos casos de pedofilia acontece em famílias, geralmente por pais, ou pessoas ligadas à família?

O mais importante aqui é não olhar casos específicos para atacar uma comunidade, como a cristã, que busca seguir as “regras” e tem tantos exemplos bons, de trabalho humanitário, de ajuda, mais que tudo… de busca!

Quando transferimos a problemática para uma família, talvez fica mais fácil analisar. Ás vezes sob um mesmo teto todos são trabalhadores, procuram se amar, se querem bem, mas um dos membros da família, por liberdade e escolha resolve optar por “outros caminhos”. Não quer trabalhar, se envolve com drogas, o que gera dor, tristeza, vergonha, sobretudo perante “os outros”. Mas, mesmo diante de tudo isso, qual é a atitude que a família geralmente tem em relação a essa pessoa? De descaso, expulsão? Não. Existindo amor, todos procuram ajudar até que o problema seja resolvido. É assim que a comunidade cristã procura assumir seus problemas. Há sofrimento, há vergonha, mas, acima de tudo, deve haver amor e coragem para enfrentar um problema grave e real.

Acho interessante como a sociedade laica lutou em prol de um Estado que se dissociasse da religião, mas que agora, insistentemente, querem influenciar “o outro lado”, em uma esfera que não lhe diz respeito.

Isso não é justificativa para o crime dos padres. É só mostrar claramente a diferença entre crime e pecado. Ajuda a criar consciência diante das manipulações midiáticas que misturam o perdão religioso e a punição prevista por meio de procedimentos legais, na nossa Constituição.

Texto de apoio:

Carlos Alberto di Franco: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100405/not_imp533751,0.php

Dom Odilo Scherer: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100410/not_imp536428,0.php