“Você está rindo de mim ou para mim?” – pergunta uma das voluntárias do Rango, uma senhora sorridente, linda, daquelas bem vovozinhas.
A vida passa e sempre redescubro o amor como uma bomba de fissão nuclear, infinito, impossível de controlar e, sobretudo, descrever.
Pode parecer insensato, mas passar uma singela hora do meu sábado ali, segurando uma bandeja com melancias cortadas, carregando outra com 39 copos de plástico com suco (acho que de groselha), me constrangia a sorrir.
Cada vez mais coisas óbvias (para mim) precisam ser revividas para que eu reencontre sentindo à minha existência. A principal delas é perder tempo pelas/com as pessoas.
Àquela hora “gasta” no Rango me deu uma felicidade que, de certa forma, banaliza a palavra e faz com que ela talvez mereça outro adjetivo: PROFUNDA… PROFUNDA FELICIDADE.
Antes de encontrar com aquela senhora que “encasquetou” com o meu sorriso, passei pelos portões da Igreja Bom Jesus dos Passos e saudei a Maria, o Marcelo, conheci o Vinícius, cumprimentei todos aqueles que, como disse um irmão de rua, estão há tempos dando uma “assistência” pro pessoal.
Enquanto olhava aqueles seres humanos recebendo as marmitas com comida quentinha, copos de suco e as melancias, dizia dentro de mim… é gente meu Deus… é gente…
Gente sofrida. Uma encruzilhada de histórias misteriosas, e eu me interesso por todas, mas admito ainda um certo receio deste mundo desconhecido e da minha incapacidade humana de acolhê-lo.
“Oh meu! Cê ta louco, ta mexendo com a minha mãe?” – acabei deixando de lado minhas divagações porque o Vinícius, filho da Maria, foi querer tirar satisfação com um dos irmãos de rua, que havia jogado o copo de suco nela, por motivos desconhecidos.
“Deixa ele meu filho… ele está com problemas!”
Passado aquele momento de tensão, um dos outros irmãos chamou o moço aos berros dizendo para ele se desculpar com a Maria. Meio sem jeito ele foi lá e a abraçou o principal pilar da atividade semanal que “dá de comer a quem tem fome”. E Maria, bom… acolheu as desculpas do moço com um sorriso marcante.
Enquanto distribuíamos as marmitas a pequena Maria, uma menina de uns seis anos, acho eu, passava entre as nossas pernas para ajudar. Colocava os garfos nas “quentinhas”, pedia melancias e servia seus amigos coetâneos.
Depois que entregamos todas as marmitas, me aventuro procurando conversar com os irmãos de rua.
“Pai nosso que está nos céus…..”
Percebo que um jovem, pelo que entendi da Aliança e Misericórdia, movimento religioso que tem um cuidado especial pelos moradores de rua, estava rezando com dois irmãos…
Algumas conversas… “Encheu o bucho?” pergunto para uma das crianças que estava perto de mim. Ela sorri e me responde que nem conseguiu comer tudo…
Decido ir embora… Entro para cumprimentar as voluntárias e vejo a senhora que me saudou quando cheguei. “Isso meu filho, continue com esse sorriso lindo”
“E você tenha sempre saúde” respondo… sorrindo, claro!
Saindo da igreja, passo pelo meio do pessoal e encontro a pequena Maria.
“Tchau Maria… Vem aqui me dar um abraço!”, e não consigo conter a emoção de receber um gesto de amor tão puro e sincero…
“Já acabou lá tio?”
“Sim, semana que vem tem mais”
Despeço-me e de novo penso que só existe sentido à minha existência quando me coloco a serviço das pessoas. Vejo que é nela que essa Felicidade Profunda se faz possível.
É fantástico também entender que no dia a dia, no trabalho, nos estudos, podemos encontrar esse sentido. Basta colocarmos cada coisa no seu “devido lugar”: primeiro servir e assim conseguimos fazer frutificar os nossos talentos, quem REALMENTE somos.
Com os olhos lacrimejando, o coração explodindo, sigo para o ponto de ônibus.
“é gente meu Deus… é gente…”