Felipe sempre foi uma criança expansiva e sua agitação gerava um certo desconforto para seus pais, principalmente em momentos inesperados.
A formação religiosa sempre foi uma exigência familiar, mas os ensinamentos dificilmente sobreviviam ao bombardeamento laico, mesmo a criança estudando em uma escola “de princípios”.
Durante as festas, sobretudo na Páscoa, Felipe se irritava com a quantidade de ritos, principalmente porque não queria participar de celebrações longas, enquanto seus colegas estavam se divertindo por conta do recesso escolar decorrente da ocasião.
Mas, o que mais irritava Felipe era justamente o fato de não entender todo aquele “teatro”. Na quinta-feira todos tinham que ir de chinelo na igreja para que o padre lavasse os pés, na sexta a celebração (porque já tinha sido advertido para não dizer MISSA, pois é o único dia do ano em que não tem esse rito) era de tristeza. Todo mundo quieto, muita gente chorando, porque Jesus tinham morrido as 15h e iam todos beijá-lo.
No sábado, pelo contrário, era dia de festa! Todo mundo feliz, cantando, se abraçando. O Salvador tinha ressuscitado. O que o menino nunca entendia é que diziam que Jesus ressuscitava no terceiro dia, mas se ele morreu na sexta-feira ás 3h da tarde, como festejavam a ressurreição já no sábado, um dia depois da morte? “Esse mundo adulto é estranho!”, pensava o menino.
Felipe já achou que Jesus era um gato, porque sempre ouvira dizer que o gato tem 7 vidas e se o Homem morreu e ressuscitou, só podia ser um felino que perdeu uma de suas vidas.
_ Pai, Jesus era um coelho? – perguntou o garoto, assim que deixaram o supermercado.
_ Claro que não né Felipe! – respondeu o pai.
_ Mas então porque durante esses dias vendem tantos ovos de Páscoa?
Sem conseguir responder, o pai de Felipe desconversou e mal sabia ele que existia sim uma conexão entre a festa com o presente de chocolate.
“Em várias antigas culturas espalhadas no Mediterrâneo, no Leste Europeu e no Oriente, o uso do ovo como presente era algo bastante comum. Em geral, esse tipo de manifestação acontecia quando os fenômenos naturais anunciavam a chegada da primavera, sinônimo de uma nova vida que estava para chegar. (Enquanto nós acabamos de entrar no outono, no hemisfério sul, nesse período, no hemisfério norte, começou a primavera)
Não por acaso, vários desses ovos eram pintados com algumas gravuras que tentavam representar algum tipo de planta ou elemento natural. Contudo, a entrada do ovo, como sinônimo de festejar essa nova vida, se “fundiu” com as festividades cristãs no Concilio de Nicéia, no ano de 325. Neste período, os clérigos tinham a expressa preocupação de ampliar o seu número de fiéis por meio da adaptação de algumas antigas tradições e símbolos religiosos a outros eventos relacionados ao ideário cristão.
Chegando ao auge do período medieval, nobres e reis de condição mais abastada costumavam comemorar a Páscoa presenteando os seus com ovos feitos de ouro e cravejados de pedras preciosas. Até que chegássemos ao famoso (e bem mais acessível!) ovo de chocolate, foi necessário o desenvolvimento da culinária que, somente duzentos anos mais tarde, fabricou os primeiros ovos de chocolate da História. Depois disso, a energia desse calórico extrato retirado da semente do cacau também reforçou o ideal de renovação sistematicamente difundido nessa época.
Claro que tudo isso foi um prato cheio para dar significado às campanhas em prol do consumo. A publicidade tem o poder de se incorporar dos simbolismos para transformá-los em “desculpa” para comprar, passando a ser esse o verdadeiro significado da festa.
Já dizia um religioso, a nossa história é o cerne onde está constituída a nossa identidade e abrir mão dela, é ignorar quem somos e o que queremos celebrar.
Quero uma nova vida ou um ovo da Nestlé na Páscoa?