Dilema

Bip… Bip…
Julio vivia cansado da falta de reconhecimento dos seus atos em casa. Ninguém via nada de bom no que ele fazia, mas para apontar suas falhas, todo mundo tinha um comentário pertinente a fazer.

Ele sempre foi do tipo de jovem que gosta de ser desafiado, criticado, mas agora não era a mesma coisa. Não existiam palavras de incentivo ou esperança por parte dos seus e, gradativamente, ele estava perdendo o conceito de amor verdadeiro que só uma família é capaz de dar.

Bip… Bip…
As coisas pioraram quando o conformismo diante das suas “cabeçadas” chegou ao seu relacionamento com a Tina. Até mesmo a namorada começara a duvidar da possibilidade de crescimento de Julio, já nem dizia nada quando ele a magoava e não acreditava mais nas promessas do garoto.

Um certo dia, andando pelas ruas da grande cidade, encontrou uma criança que perguntou:

Bip… Bip…
_ Por que você está triste moço?
_ Estou cansado de viver, principalmente porque ninguém mais acredita que posso melhorar.
_ Mas é assim tão importante o reconhecimento das pessoas pelas coisas que você faz? – perguntou sabiamente a criança.
_ Não muito, quer dizer, sim…é importante… principalmente em relação às pessoas que estão ao meu lado. Vivo recebendo elogios de pessoas que tenho um tipo superficial de relacionamento, mas quando elas se aproximam e me conhecem mais, parecem contaminadas por um mormaço que esconde AQUELE Sol que cada um tem dentro de si.

Bip… Bip…
_ Bonito isso que o senhor disse…. mas eu te entendo também… os adultos estão quase sempre preocupados com o próprio umbigo, que dificilmente reconhecem as vitórias alheias e como o fracasso dos outros geralmente os incomoda diretamente, não fica difícil enxergar o negativo de quem erra.

Bip… Bip…
_ Pois é… é isso mesmo… mas sabe… isso me deixa triste… queria muito que as pessoas tivessem mais esperança em mim… sei das minhas capacidades, mas vejo que elas são sustentadas pela certeza de que eu estou aqui para servir quem está ao meu lado… e se nisso não encontro serventia, a vida não tem muito porquê.

_ Sim… entendo… mas tenha calma… paciência… não exija dos outros àquilo que não cabe a eles. Esses dias eu assisti um filme que dizia que TODOS estamos sozinhos, mas por sorte esse sentimento de solidão pode ser compartilhado.

Bip… Bip…
Quando se deu conta daquilo que havia ouvido, Julio percebeu que a criança havia desaparecido e que aquele Bip era o som da máquina que mede os batimentos no hospital. Na prancheta que a enfermeira tinha esquecido ao lado da cama constava: 30 de julho. Fazia seis meses que ele estava deitado naquela cama.