Bate papo com José Salvador Faro sobre o jornalismo – Primeira parte

jornalismo_jornalistas

Caro Faro,

Acabei de chegar em casa e decidi escrever logo, antes que o meu pensamento sobre a aula se fosse com o sono difícil de suportar.

Depois do que disse a você no final da aula, achei oportuno formalizar a minha opinião, para que ela não se perdesse no emaranhado de conceitos que você vem nos dando durante o semestre.

Pois bem… quero reiterar tudo que confessei: Acredito que, como qualquer outra empresa, aquelas que atuam no universo da comunicação social (Veja, Estadão ou Folha…) não só querem, como precisam vender seu produto.

No meu ver… trabalhando já há um pouco de tempo, isso é absolutamente normal, visto que a sobrevivência financeira é uma REGRA do sistema capitalista…. o que está ERRADO e é anormal, é que essas EMPRESAS se apresentem como instituições democráticas, com interesses políticos (no sentido que você mesmo enfatizou), para vender tal produto.

Claro… não disse nada de novo… é tudo postulado e extremamente claro, acredito, para todos. Ficar discutindo esse tipo de coisa para mim não dá nenhum tipo de diretriz com escopos de mudanças (políticos) para eu que sou estudante. Não emancipa nenhuma das minhas reflexões, pois fica no tal “senso comum” que você insiste em nos fazer (beneficamente) entender.

É nesse ponto que quero discutir…. entrei na PUC porque, mais que jornalista, estava preocupado com a minha formação como cidadão… um “intelectual” sim, mas imerso na realidade social que procura ouvir todos os lados, para propor mudanças políticas… porém o que tenho visto é uma reflexão intelectual que despreza a atuação do jornalista, discutindo-se primordialmente a Mídia.

Não tenho nenhum pretexto de exigir de ninguém respostas… mas posso exigir foco… e discordo um pouco de algumas temáticas e também do modo em que as discussões são feitas, de modo com que a clareza do conceito deve sobrepor as opiniões diversas, que nem sempre são tão fundamentadas como a do Mestre.

O que deve-se pensar é a formação humana do jornalista, dentro de um Sistema postulado que deve ser mudado por um conjunto de escolhas pessoais e não pela conversão “horizontal” dos detentores da informação.

Lendo o TCC de uma colega sobre o Caco Barcelos… pensei muito no que ele disse…. Perguntado sobre como conseguia emplacar seus programas de caráter sempre BEM JORNALISTICOS, as vezes contrastando com o perfil Global, Caco disse que tudo partia do como apresentava suas idéias…. dizia que no início, propunha 4, 5 pautas de matéria em que quase sempre só uma era aceita… percebendo que, se quisesse ter mais espaço, mais matérias emplacando deveria se esforçar mais, começou então a propor 10, 20 pautas em que eram aceitas 5… ou 10… proporcionalmente…

Mas qual é o X da questão???… acredito que existe uma grande parcela de compromisso INDIVIDUAL que cada um necessariamente precisa ter com a ética… procurando entender que a sociedade é também os marginalizados e não somente os freqüentadores da Daslu, mas para isso o jornalista precisa ir “de encontro” com as realidades, as pessoas, sem pré conceitos… mas isso é a tal “formação cidadã” que eu vejo secundária na formação universitária.

Nas muitas experiências que pude fazer, sobretudo vivendo com pessoas de culturas diferentes, em lugares diferentes, só entendi o valor da cultura, da relatividade dos valores, quando entrei em “choque” com os meus “semelhantes” que pensavam completamente diferente de mim, mas um completamente realmente profundo.

Não é do amor ao diferente… ao menos o interesse, que podem nascer teorias que cumpram essa “objetividade” com escopos realmente políticos???

Desculpe a falta de lógica ou se estou sendo arrogante, mas hoje, em um desentendimento chato que tive com a Elígia, percebi que tantas vezes a discussão não tem um viés final político… me peguei me perguntando o quanto tenho feito pelos outros, pela minha cidade… concretamente sim… mas também o quanto tenho “encarnado” isso nos meus textos, no modo como apuro as notícias, exponho o meu “fragmento de verdade”.

As vezes as idéias estão sendo apresentadas de modo esquizofrênico… dissociada de uma reflexão individual que deveria ser pressuposto de qualquer prática jornalista…

Eu sei que talvez a nossa disciplina não seja o local para essas discussões… mas me dei conta agora, no terceiro ano, que a faculdade não nos deu esse tipo de formação… fomos entupidos de teóricos que pensaram muito, mas não sei até que ponto aquilo era fruto de uma prática pessoal… isso me faz também ver claramente que a sociedade pouco muda… vive em uma “roda viva”, porque a teoria vem cada vez mais dissociada da prática…. não estou dizendo que ela deve ser funcional, mas sim visando o desenvolvimento.

Os tais pensadores, intelectuais, discutem, pensam durante a sala… e depois vão puxar um “beque” pra relaxar e enfim sustentar o tráfico… um grande paradoxo… mais um…
Bom… chega… era mais pra compartilhar com você tantos pensamentos… e agradecer a aula, por possibilitar tudo isso…

Queria ter a capacidade de síntese para expor tudo em sala… mesmo a liberdade pra dizer tudo isso e não parecer que acho que sou o dono da verdade e que coloco meu pensamento na frente do BEM que quero cada um do meu curso… mas… infelizmente não sou assim…

Prometo que vou me esforçar mais pra ser mais participativo… por mais banal e simplória, sei que, como todos, tenho algo pra dizer, pra deixar…

Grande abraço

V@lter

Resposta:

V@lter,

Ótimas reflexões. Sempre são ótimas quando beiram o desabafo…

Mas eu acho que é mais que isso: vc põe em xeque questões fundamentais da formação universitária em geral e do jornalista em particular.

Afinal, qual o sentido da discussão sobre uma “Teoria” se a base de sua formulação (da “Teoria”) tem tantas fragilidades?

Vc daria uma ótima contribuição para a minha disciplina se botasse tudo o que escreveu na roda da turma.

Abração.

Faro

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9 Comments

  1. Gabriel

    Ixeee…já era…vai pegar DP nessa matéria! ahhahaha

    Abraço!!!

  2. Daniel

    Fala, Vart!!!

    Fantásticas reflexões!!! De fato, seria importante termos essa formação mais cidadã na faculdade. O que dá esperanças é que, independentemente dessa formação, há pessoas que carregam dentro de si essa preocupação e conseguem fazer a diferença. O Barcellos é um exemplo e eu tenho certeza que você também será. Basta um pouco de disposição e a libertação dessa idéia fixa de que a estrutura nos amarra completamente. Temos uma margem de manobra razoável. Se a aproveitarmos, podems “fazer a festa”… hehehe

    abração!

    P.S.: Hoje vamos assistir ao filme “Batismo de Sangue”, seguido de um debate com o Frei Beto, lá numa paróquia bem longe, perto do Ipiranga. Quer ir?

  3. Victor Monteiro

    Parabéns, Valter.

    Achei muito legal o texto e, principalmente, a coragem de dizer certas verdades que vão de encontro com alguns mitos “puquianos”. Acho que você conseguiu tirar alguns temas do senso comum e espero, sinceramente, que as pessoas reflitam um pouco mais antes de levantarem bandeiras que não conseguem suportar.

    Pior do que o ceticismo de alguns sobre certos assuntos que não tem muita abertura para o diferente (e não que eu seja o diferente… às vezes eu concordo com o que dizem), é a hipocrisia dos que falam uma coisa e fazem outra (quando fazem alguma coisa!).

    Se o Faro te responder (e se não tiver problema), por favor, me diga o que ele escreveu!

    Abraço.
    Victor

  4. Maíra Garcia

    Oi!!!!

    Muito bom o seu texto, compartilho da idéia de que os intectuais dissociam o pensamento da prática e que fumam um back patrocianando assim o trafego e constituindo um paradoxo. Mas sinto lhe informar que somos seres paradoxais e que o paradoxo está presente em todas as profissões e relações.

    Aquela história do senso comum do amor e ódio, do nosso maior defeito ser a nossa maior qualidade esbarra também nessa questão de sermos paradoxais.

    Beijosssssssss

  5. Victor Esteves

    Já li tudo. Impressionante como as coisas vão andando e acontecendo. Conversamos antes da aula, tivemos a aula e você colocou no papel o teu grito que você não dá em sala.

    Muito bom. Concordo no geral, mas espero discordar dos detalhes, porque isso é sinal de que discutiremos estes detalhes.

    Abraço e Parabéns!

    Victor

  6. Carol

    valter, boas reflexões.
    ja passei por outros conflitos internos após algumas aulas do faro que são sempre impactantes, muitas vezes pessimistas, mas que sempre nos fazem amadurecer.
    Acredito que é possível exercer um jornalismo cidadão, mesmo em um cenário desolador sobre as boas práticas jornalísticas. Mas a vontade não deve surgir apenas de um herói isolado na figura de um jornalista, mas sim, deve ser uma orientação da própria organização e exigência dos próprios leitores e sociedade. senão, vira uma guerra meio perdida. Acredito também que a prática nos leva a muitas realizações. a teoria é bacana, mas quando você faz alguma coisa que estava te incomodando, sei que essas frustrações diminuem. Acredito que mais do que falar, é importante fazer. Não deixe de acreditar na mobilização social e no protagonismo individual como forma de mudar o mundo.

  7. Gisele Brito

    “porém o que tenho visto é uma reflexão intelectual que despreza a atuação do jornalista, discutindo-se primordialmente a Mídia”.
    Acho que esse é o grande x da questão. Discutir a mídia é discutir o sistema, mas acredito que isso ñ fique claro para ninguém, professores e alunos. E o sistema ñ é claro para o cidadão, e o cidadão ñ se enriquece na universidade.
    Responsabilizar o jornalista por todas as mundaças necessárias para que o jornalismo cumpra o seu papel idealizado é minar a mudança. O jornalista só ñ faz essa mudança. O cidadão sim. O povo sim. O jornalista deve ser cidadão, deve estar atento as demandas do povo. Ele exercerá seu trabalho norteado pelos valores que carrega como cidadão.

  8. “diretriz com escopos” adorei isso, muito chic!

    O legal é ver que o seu texto é alguma coisa sendo feita. Dialogar assim com um professor gerando um bem, já que a resposta dele foi a de apoio a sua “intervenção” (não sei como dizer) é prova de que se caminha para a verdade, um consenso. Tem luz aí! Tem luz aí! Outra coisa é discutir experiências, mostrar o que é feito é o máximo. Você mostrou algo que fez, essa sua carta. E, mostrando, pôde engatilhar, ao menos, em algumas almas possíveis mudanças de posturas a serem disparadas por aí. A mim, animou e espero manter-me animado e propagar essa animação por aí nos relacionamentos com as pessoas. Muito obrigado!

  9. ERik Santana

    Olha…lendo seu fabuloso texto e me deliciando com os comentários percebi o seguinte. É sempre preciso dar o grito. É sempre preciso se controlar no grito para ser entendido. É sempre preciso ser conciso para rasgar com potência o desafio de existir. Continue gritando, dentro e fora da sala de aula. Isso é o que importa.
    Mas quando gritar mexa junto os pés e as mãos para ter mais impacto. Quando gritar, sempre olhe para cima e não dilua seu olhar. Quando gritar não pense no eco, no reverso, no bate e volta das ondas sonoras.
    Quando gritar … grite! ALTO e em bom tom para quem quiser ouvir. Somente grite.
    A prática do grito deve ser feito em grupo e no silêncio. Um por vez, como numa aula de teatro. Um após o outro começa a gritar e saborear o odor da liberdade.
    Pena que isso é muito romântico e sonhador. Na prática não deixe de gritar.

    Abração cara…tenho uam carta do Pessoal de Milão pra vc
    uno ERik

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