Quando conheci o Desigualdade ele já tinha cinco anos, mas pelo estado em que se encontrava, parecia que haviam se passado quinhentos desde o seu nascimento. Lembro-me que havia dito que nascera em uma manjedoura, como o menino Jesus, mas depois fui entender que este era o nome do único hospital da região em que vivia, na periferia da cidade dos Arranhas-Céu.
Desigualdade só aprendeu a falar com oito, nove anos, por não poder freqüentar a escola, devido à guerra entre facções do tráfico de drogas, que impossibilitava as crianças a saírem na rua durante o dia. Era um menino feliz, mesmo diante das inúmeras dificuldades. Passara fome tantas vezes e em outras tantas foi obrigado a vender chicletes pelos faróis do centro da cidade. O menino Desigualdade cresceu sem sonhos, sem saber o que gostaria de ser “quando crescer”. Tinha sugestões pouco sóbrias advindas de seus colegas de bairro: traficante, ladrão, jogador de futebol, cantor de pagode ou de Rap, cobrador, quem sabe político?
Todos os dias em que atravessava a cidade, Desigualdade encontrava outros garotos da sua idade, que moravam no Centro e estavam sempre correndo e brincando. Enquanto eles terminavam o Fundamental, Desigualdade com quatorze anos ainda estava na quarta série. O garoto pensava se alguma vez aqueles meninos haviam passado às dificuldades que ele era obrigado a suportar todos os dias.
Um certo dia, caminhando entre os tiros da guerra civil instalada entre a polícia e os chefes do tráfico, conheceu uma garota diferente de todas as que havia encontrado em sua vida. Seus olhos sempre lacrimejantes, sua boca trêmula e a expressão de pavor, a faziam ser pessoa mais triste que ele já pode encontrar. Após uma apresentação rápida, mas solene, Desigualdade conheceu a Pobreza. Filha de africana com europeu, havia chegado ao Brasil com cinco anos, trazida por um navio de refugiados da Costa do Marfim. Pobreza vestia trapos, andava sempre descalça e quase nunca comia. Era magra, mas a barriga cheia de vermes mostrava uma situação insustentável.
As duas crianças tornaram-se amigas rapidamente. Tanto Desigualdade quanto a Pobreza eram ícones dos cidadãos da periferia, do continente africano, latino-americano, repleto de crianças sem perspectivas, jovens sem sonhos e adultos sem forças.
Muitos foram àqueles que encontraram os dois dizendo que iriam mudar as suas vidas, que iam transformá-los, mas os anos se passaram, os dois foram crescendo e percebendo que a almejada igualdade nunca o faria iguais aos meninos do Centro, mas que a riqueza, poderia atingir âmbitos diferentes em suas vidas.
Assim, através da alegria sempre presente na Comunidade, vendo tantas pessoas que dedicavam horas das suas vidas subindo o morro para dar aula de matemática para as crianças, jovens que em todo inverno entregavam diversos agasalhos para as famílias da redondeza e, sobretudo, vivendo relacionamentos verdadeiros que eram construídos nesses momentos aparentemente assistencialistas, mas que mostravam um compromisso de amor entre as pessoas, não suplantados por estamentos: O Rico e o Pobre, a partir dessas premissas, é que eles viam o quanto podiam claramente se considerar ricos de esperança, de força e da certeza de que, através de muita luta, sustentada por cada um que houvesse podido conhecê-los, teriam um fim diferente dos seus pais, que por falta de oportunidade, faleceram pelas calçadas, com fome e frio, sem alguma chance de mudar sua situação.